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Ideias

Como a OTAN patrocinou o mandado de prisão de Putin apresentado pelo TPI

O procurador-geral Karim Khan mobilizou contra Putin, enquanto congelava as investigações sobre os crimes de guerra dos EUA e de Israel

O promotor do TPI Karim Khan se reúne com o presidente ucraniano Zelensky, março de 2023 (Foto: Reprodução)
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Artigo de Max Blumenthal originalmente publicado no website The GRAYZONE em 13/4/23. Traduzido e adaptado por Rubens Turkienicz com exclusividade para o Brasil 247

Karim Khan, o procurador-chefe do Tribunal Penal Internacional (TPI) foi a um pódio em 3 de março de 2023 e emitiu um qualificativo inusual: “Obviamente, o procurador do TPI não tem qualquer afinidade com qualquer país em particular, seja qual for o afeto e respeito que eu possa ter pelos meus caros amigos na Ucrânia. Nós não somos parte de quaisquer hostilidade”.

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“Nós temos uma afinidade com a legalidade”, Kahn insistiu em seu inglês com sotaque britânico. “Nós temos uma afinidade e um compromisso com o Estado de direito”.

Khan fez esta declaração de independência legal quando foi a atração principal da conferência “Unidos pela Justiça”, um evento organizado pessoalmente em Lviv, Ucrânia, pelo presidente Volodymyr Zelensky. Lá, ele conversou com o presidente da Ucrânia e com o procurador-geral dos Estados Unidos, Merrick Garland, que passou por lá para promover os esforços do governo Biden para levar o presidente russo Vladimir Putin a um tribunal internacional de crimes de guerra.

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Esta foi a quarta visita de Khan à Ucrânia desde que as forças militares russas invadiram o país em fevereiro de 2022.

Em 17 de março de 2023, Khan apresentou um mandado formal do TPI para a prisão de Putin, acusando o presidente russo de “deportações ilegais” de crianças ucranianas para uma “rede de campos” em toda a Rússia. O mandado chegou alguns dias antes do 20º aniversário da invasão do Iraque pela OTAN, um crime dirigido por autoridades dos EUA e do Reino Unido – os quais o TPI se recusa a processar até hoje.

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Como o Grayzone reportou, o mandado do TPI foi inspirado por um relatório patrocinado pelo Departamento de Estado dos EUA que não continha qualquer reportagem de campo, nenhuma evidência concreta de crimes de guerra e nenhuma prova de que a Rússia estava efetivamente visando a juventude ucraniana com uma campanha massiva de deportação. Na verdade, os investigadores reconheceram que “não encontraram qualquer documentação de maus-tratos de crianças, incluindo violência sexual ou física, dentre os campo referenciados neste relatório”. Além disso, o principal autor da pesquisa disse a Jeremy Loffredo, do The Grayzone, que "uma grande quantidade" dos acampamentos russos para jovens que sua equipe pesquisou era “principalmente de educação cultural - como, eu diria, ursinhos de pelúcia”.

Apesar de Khan ter jurado a sua absoluta independência na sua caçada contra Putin, ele está intimamente alinhado com os mesmos governos ocidentais que estão engajados atualmente numa guerra por procuração com a Rússia no campo de batalha da Ucrânia. Neste ínterim, ele impediu o caso do TPI contra Israel, frustrando os advogados de direitos humanos que representam as vítimas da macabra violência na Faixa de Gaza sob cerco. Além disso, Khan suspendeu formalmente o caso do tribunal internacional contra as forças militares dos EUA pelas suas ações no Afeganistão.

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Através do seu foco na Ucrânia, Khan presidiu um surto massivo de apoio financeiro do Ocidente para o seu escritório, com muito do dinheiro reservado para a sua investigação de autoridades russas. A emissão do mandado de prisão do TPI contra Putin ocorreu para coincidir com uma importante conferência de doadores do tribunal em Londres, Inglaterra.

Os emaranhados políticos do procurador do TPI não param aí. A advogada-celebridade Amal Clooney trabalhou como conselheira especial no escritório de Khan, enquanto aconselhava simultaneamente o governo ucraniano na sua iniciativa para visar autoridades russas com processos, seja via TPI ou outro corpo internacional. Clooney também serviu como conexão ao secretário do exterior britânico.

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Talvez não seja surpresa, portanto, que após duas décadas de relações hostis ininterruptas com o TPI, Washington esteja subitamente se aproximando do tribunal e seja querido por seu principal promotor.

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Karim Khan (à esquerda) com o Procurador-Geral dos EUA Merrick Garland in Lviv, Ucrânia(Photo: Reprodução)

Khan, do TPI, inspira “suspiros de alívio em Jerusalém” com apoio dos EUA

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, ajudou a dar o tom em Washington com um endosso total ao mandado do promotor do TPI, Khan, contra Putin, declarando-o "justificado". Do lado republicano, o líder de torcida mais entusiasmado do Senado dos EUA para a guerra por procuração na Ucrânia, Lindsey Graham, foi ainda mais entusiasmado em seu apoio à campanha do tribunal, celebrando o promotor do TPI como um caçador de nazistas moderno.

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O repentino abraço de Washington do TPI representou uma pausa repentina e claramente oportunista depois de duas décadas de antagonismo.

Quase imediatamente após o presidente dos EUA George W. Bush assumir a Casa Branca em 2001, o seu governo apresentou a Lei de Proteção dos Membros das Forças Armadas (Servicemembers Protection Act) – uma medida que autorizava futuras invasões militares à Haia caso o TPI indiciasse qualquer membro das forças armadas dos EUA por crimes de guerra. Quando o projeto de lei foi aprovado pelo Senado no ano seguinte, nenhum membro do Partido Republicano se opôs a ele.

Os EUA intensificaram a sua campanha contra o TPI em 2019, depois que a então Procuradora-Chefe Fatou Bensouda anunciou uma investigação sobre crimes de guerra cometidos por Israel nos territórios ocupados da Palestina. Enquanto o secretário de Estado Mike Pompeo denunciava Bensouda pessoalmente, o Senado apresentou uma resolução bipartidária instando-o a escalar os seus ataques ao TPI “politizado”. Graham estava entre os signatários da resolução. (O governo Biden também se opõe à investigação do TPI sobre crimes de guerra israelenses).

Quando Bensouda declarou a sua intenção de investigar tanto os EUA quanto os Talibãs por crimes contra a humanidade no Afeganistão no ano seguinte, Washington aplicou sanções contra a procuradora e revogou o seu visto para os EUA.

Desde que substituiu Bensouda em 2021, Khan tem trabalhado para acalmar os nervos dos EUA e dos seus aliados mais propensos a violências. O jornal Jerusalem Post reportou em junho de 2022 que “houve alguns suspiros de alívio em Jerusalem”, já que Khan “não havia emitido um único pronunciamento público, nem tomado uma única ação pública concernente a Israel-Palestina” no seu primeiro ano como procurador.

“Não houve progresso significativo algum, nem medidas tomadas, a investigação [sobre as atrocidades israelenses] não é uma prioridade para o escritório do procurador, e nenhum caso foi apresentado ainda”, um membro da equipe legal representando as vítimas da violência israelense na Faixa de Gaza ocupada disse ao The Greyzone. “Toda vez que a questão é levada a Khan, ele jamais toma uma posição e jamais houve uma declaração”.

O advogado notou a ironia da obsessão de Khan com a transferência de civis da Ucrânia para a Rússia, considerando que ele ignorou a deportação forçada de centenas de milhares de palestinos dos territórios agora conhecidos como “Israel” para territórios ocupados e campos de refugiados em todo o Oriente Médio. “Na Palestina, os civis têm sido deportados por décadas, esta é a situação de crimes de guerra mais super-documentada da história”, eles disseram. “A Palestina deveria ser o marco final para a credibilidade do tribunal”.

Khan também reduziu o escopo da investigação do TPI sobre o Afeganistão, protegendo as forças dos EUA de serem processadas ao focar somente nos crimes cometidos pelos Talibãs. “Esta decisão reforça a percepção de que estas instituições estabelecidas no Ocidente e pelo Ocidente são só instrumentos para a pauta política do Ocidente”, Shaharzad Akbar – o ex-presidente da Comissão Independente de Direitos Humanos do Afeganistão – reclamou ao The Intercept.

“Esta foi claramente uma decisão política – realmente não há outra maneira de se interpretar”, Jennifer Gibson, uma advogada que chefia uma investigação sobre os abusos dos EUA no Afeganistão, disse sobre a ação de Khan. “Isto deu aos EUA e seus aliados um cartão para se livrar da prisão”.

Com as suas mais contenciosas investigações fora do caminho, com uma figura claramente maleável no escritório do procurador e as tropas russas dentro da Ucrânia, o previamente desgastado TPI de repente vivenciou um dilúvio de apoios financeiros ocidentais.

“Nas semanas depois de 24 de fevereiro de 2022, quando a Rússia invadiu a Ucrânia, o TPI foi inundado com dinheiro e adesões” reportou o website JusticeInfo.net.

Muito do dinheiro fluiu diretamente para o escritório de Khan, com reservas especiais para os esforços que visam autoridades russas. Como Maria Elena Vignoli, do Human Rights Watch, disse ao JusticeInfo.net, “nas mensagens acerca das várias promessas que foram feitas, os estados nem sempre foram cuidadosos e, frequentemente, fizeram a conexão entre as suas contribuições e a Ucrânia – criando, assim, esta percepção de politização ou seletividade no trabalho do tribunal”.

Washington e Londres pavimentam o caminho para Khan no TPI

Era o dia 28 de fevereiro de 2022 quando Khan anunciou a sua intenção de “proceder o mais rapidamente possível com a abertura de uma investigação sobre a situação na Ucrânia”. A operação militar da Rússia na Ucrânia só tinha quatro dias de existência naquele ponto.

Alguns dias depois, em 2 de março de 2022, a Embaixada Britânica em Haia entregou a Khan um encaminhamento judicial co-assinado por mais de 40 diplomatas estadunidenses e britânicos que o instavam a investigar a Rússia por violações do Estatuto de Roma do TPI.

Naquele mesmo dia, o Senador Graham apresentou uma resolução no Senado dos EUA, pedindo que “Vladimir Putin e membros do regime russo sejam responsabilizados pelos numerosos atos de guerra, agressão e abusos de direitos humanos que têm sido realizados no seu mandato”. A resolução foi aprovada por unanimidade, mesmo que um militarista como John Bolton tivesse advertido que o apoio ao mandado do TPI poderia validar futuras ações legais contra cidadãos estadunidenses.

Poucas horas após emitir a sua resolução condenando as alegadas violações da lei internacional, Graham publicou no Twitter um apelo pelo assassinato de Putin. “Haverá um Brutus na Rússia? Haverá um Coronel Stauffenberg de mais sucesso nas forças militares russas?”, o senador pleiteou em 3 de março de 2022. “A única maneira de isso acabar é se alguém na Rússia matar este cara. Você estará fazendo um grande favor ao seu país e ao mundo”. 

Em 3 de abril de 2022, Biden injetou um impulso adicional na campanha do TPI contra a Rússia, rotulando Putin como um “criminoso de guerra” e exigindo que ele fosse levado a “um julgamento por crimes de guerra”.

Para fazer avançar o objetivo de Biden e, por extensão, do TPI, o Departamento de Estado anunciou em maio de 2022 o estabelecimento de um Observatório do Conflito para coletar evidências de fonte aberta sobre os alegados crimes de guerra russos e para disseminar os seus achados “de modo que os procuradores possam potencialmente até construir casos criminais baseados no material publicado”.

Tendo os ventos estadunidenses às suas costas, Khan embarcou na sua primeira visita oficialmente preparada à Ucrânia.

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O procurador Karim Khan do TPI num tour guiado pelo governo em Kharkiv, Ucrânia

Quatro extravagâncias guiadas pelo governo para a Ucrânia

Khan fez a sua visita inaugural à Ucrânia em 16 de março de 2022, chegando primeiro na Polônia, onde ele se encontrou com migrantes ucranianos num centro de recepção. Depois, ele cruzou a fronteira ucraniana para consultar em Lviv com Irina Venediktova, a Procuradora-Geral ucraniana, antes de ter um encontro virtual com Zelensky.

“Nós conduzimos o nosso trabalho com independência, imparcialidade e integridade. Eu sublinhei que desejo engajar todas as parte envolvidas no conflito”, Khan insistiu.

A segunda visita dele ocorreu apenas duas semanas depois, em abril, quando Venediktova o pastoreou na cidade de Bucha, a qual as tropas russas haviam ocupado durante semanas, antes de recuarem no início daquele mês. As autoridades ucranianas levaram simultaneamente grupos de jornalistas ocidentais a túmulos locais, apresentando os cemitérios como evidências de que a Rússia havia realizado execuções em massa na cidade.

As imagens dos cadáveres espalhados em Bucha levou Zelensky a acusar o governo russo de “genocida”, enquanto o presidente dos EUA Biden exigiu que Putin se apresentasse a um tribunal de crimes de guerra. O pedido de Biden foi feito apesar do seu próprio Departamento de Defesa ter concedido que não poderia “confirmar independentemente e sozinho os relatos” de massacres de estilo de execução cometidos pelas forças russas na cidade.

Quando Khan fez a sua terceira visita à Ucrânia em julho de 2022, ele foi a Kharkiv. Acompanhado novamente pela Procuradora-Geral ucraniana Venediktova, ele anunciou que o TPI planejava estabelecer um escritório de campo em Kiev.

Naquele ponto, o governo de Zelensky havia proscrito 13 partidos de oposição, aprisionado o seu principal rival presidencial, fechar todas as mídias críticas, banir o patriarcado russo da Igreja Ortodoxa e estava a caminho de aprisionar o seu clérigo maior. Kiev também estava desaparecendo e torturando oponentes políticos e defensores de direitos humanos, como parte de uma campanha de assassinatos visando autoridades ucranianas acusadas de colaborar com a Rússia. Militantes neonazistas até fizeram vídeos deles próprios, executando suspeitos de serem simpatizantes dos russos.

Neste ínterim, os militares ucranianos estavam escalando os seus ataques a alvos civis nas repúblicas independentes de Donetsk e Lugansk, bombardeando mercados e, em última instância, massacrando um ônibus lotado de passageiros com um míssil Tochka-U. Os soldados ucranianos também gravaram execuções de prisioneiros de guerra russos desarmados e disparando tiros nos seus joelhos.

Porém, enquanto faziam piqueniques para Khan na Ucrânia, ele permaneceu cuidadosamente desinteressado nos abusos documentados que os seus anfitriões oficiais estavam executando debaixo do seu nariz. Ele tinha os seus olhos firmemente fixados em Putin – e nas generosas doações ocidentais que impulsionaram a sua missão.

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Karim Khan se encontra com o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky durante a sua quarta viagem à Ucrânia, em março

Tragam de volta as nossas meninas 2.0

Neste mês de março, Khan fez a sua quarta visita à Ucrânia para, nas suas próprias palavras, “aprofundar o nosso engajamento com as autoridades nacionais”. Em Lviv, ele encabeçou uma conferência chamada de “Unidos pela Justiça”. Pessoalmente apresentado por Zelensky, o propósito declarado do evento foi "responsabilizar a alta liderança russa pelo crime de agressão contra a Ucrânia”.

No material promocional, a conferência Unidos pela Justiça focalizou em uma aparentemente nova e emocionalmente potente questão: a suposta deportação de crianças ucranianas pela Rússia e a necessidade urgente de trazê-las de volta para casa.

O tema continha ecos claros da campanha Kony 2012 lançada contra o caudilho ugandense Joseph Kony, que “raptou mais de 30.000 crianças para fortalecer o seu exército”, segundo os agora-desgraçados mascates online que iniciaram isto. Isto também lembra a campanha de hashtags de intervencionismo humanitário “Bring Back Our Girls" [Tragam de Volta as Nossas Meninas] lançada pela ex-primeira-dama (dos EUA) Michelle Obama e outras celebridades para realçar o rapto de várias centenas de meninas de escolas pela milícia islamita Boko Haram no norte da Nigéria.

Na conferência Unidos Pela Justiça, parecia que as autoridades da OTAN haviam aterissado num tema que garantia o ultraje de liberais ocidentais sugestionáveis.

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Extraído do trailer promocional da conferência Unidos Pela Justiça

 

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Atores de Hollywood na cerimônia do Oscar de 2016 amplificam a campanha Tragam de Volta as Nossas meninas do governo Obama.

Durante toda a conferência Unidos pela Justiça, os participantes nivelaram repetidamente contra a Rússia as acusações de deportações em massa de jovens. “Crianças pequenas estão sendo raptadas, sofrendo lavagens cerebrais e forçadas a se tornarem cidadãos russos", alegou do pódio o ministro de relações exteriores da Holanda, Woepke Hoekstra, denunciando “o rapto sistêmico de crianças ucranianas”.

Merrick Garland, o Procurador-Geral (ministro da justiça) dos EUA, disse após a sua visita a Lviv que ele estava “tentando encontrar as pessoas” para identificar e “construir evidências contra” os alegados “esforços russos para deportar crianças à força”.

Durante o seu próprio discurso, Khan ligou a visita que ele fez a um orfanato dentro da Ucrânia a “alegações que nós recebemos de que as crianças teriam sido deportadas para fora da Ucrânia, para dentro do território da Federação Russa”. No entanto, ele não indicou que quaisquer crianças tenham sido retiradas do orfanato que ele visitou.

Agora, o website do TPI apresenta uma foto de Khan posando ao lado de berços vazios no orfanato ucraniano que ele mencionou no seu discurso – um aparente estratagema de relações públicas arquitetado para sugerir que lacaios de Putin haviam arrebatado as jovens crianças das suas camas. Apesar deste orfanato estar longe do front de batalha, Khan vestia um capacete protetivo de kevlar para adicionar um efeito.

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No entanto, apenas alguns meses antes de Khan posar como um protetor paternal das crianças ucranianas das garras predatórias do Kremlin, um escândalo de abuso infantil atingiu o seu próprio lar.

Em maio de 2022, o irmão de Khan, Imran Ahmad Khan, pediu demissão do seu mandato na Casa dos Comuns (House of Commons) do Parlamento Britânico, depois que foi condenado por assaltar sexualmente um menino de 15 anos. Ahmad Khan serviu 18 meses na prisão, depois que um juiz o declarou culpado por subir no beliche do menino e agarrar a sua virilha, enquanto tentava assediá-lo com gin e pornografia. Depois da condenação, um segundo homem acusou Ahmad Khan de abusá-lo quando era menor de idade.

Porquanto não há qualquer indicação que Karim Khan tenha provido alguma assistência legal ao seu irmão condenado, o jornal The Guardian notou que Ahmad Khan permanece “próximo à sua família, especialmente aos seus irmãos Karim e Khaled, ambos advogados – o último sendo um ex-procurador do tribunal criminal em Haia”.

Khan conta com a pesquisa patrocinada pelo Departamento de Estado dos EUA para “marcar pontos”!

Durante seus discursos públicos sobre a Ucrânia, Karim Khan frequentemente enfatiza as suas viagens aos campos de batalha como Bucha e Kharkiv, onde o governo de Kiev acusou a Rússia de cometer crimes de guerra medonhos. No entanto, quando ele apresentou o mandado de prisão do TPI para Putin, a sua acusação não menciona quaisquer alegações de atrocidades russas em nenhuma das duas locações. Ao invés disso, a acusação focalizou inteiramente na suposta deportação de crianças ucranianas.

O mandado do promotor do TPI foi claramente inspirado num relatório do Laboratório de Pesquisas Humanitárias da Universidade de Yale (HRL) que foi patrocinado e apoiado pela Bureau de Conflitos e Operações de Estabilização do Departamento de Estado – uma entidade que o governo Biden estabeleceu em maio de 2022 para fazer avançar a prossecução de autoridades russas.

“O TPI acusa a liderança da Rússia de operar uma rede de “campos de reeducação" para jovens ucranianos cativos. @loffredojeremy fez o que o TPI se recusou a fazer e visitou um desses campos na região de Moscou. Isto será um crime de guerra? Assista o vídeo exclusivo de Jeremy e julgue por você mesmo”.

O estudo patrocinado pelo Departamento de Estado, como foi revelado pelo The Grayzone, continha longas passagens que contradizem as alegações do promotor do TPI, bem como aquelas que o seu autor fez nas suas aparições nas mídias. Numa conversação com o jornalista Jeremy Loffredo, o diretor do HRL de Yale Nathaniel Raymond declarou que um “grande número” de campos de jovens russos que a sua equipe pesquisou eram “basicamente de educação cultural – como, eu diria, ursinhos de pelúcia”.

Quando lhe perguntaram por que a sua equipe de pesquisa não tentou visitar quaisquer programas dentro da Rússia, “Nós éramos persona non grata. Nós éramos considerados pelos russos como extensões da inteligência dos EUA”.

Ao mesmo tempo, o diretor do HRL de Yale admitiu que o seu relatório foi movido pelos objetivos do Departamento de Estado, conduzido sob “um monte de pressões” do Conselho de Inteligência Nacional dos EUA. Ele também admitiu que a sua equipe fiou-se no Comando do Indo-Pacifico dos EUA do Pentágono para “expandir o seu acesso de satélites no Comando do Pacífico para abranger os campos na Sibéria e no leste”.

Quando questionado porque Khan não buscou ter mandados de prisão sobre as alegações de crimes de guerra russos na cidade ucraniana de Bucha, que dominaram as coberturas das mídias ocidentais durante dias, Raymond lembrou-se de uma conversação telefônica que ele teve com diversos correspondentes estrangeiros do The New York Times em março de 2023:

“Eu estava ao telefone com o The New York Times na sexta-feira – o pessoal que fez a grande investigação de Bucha diziam, basicamente, 'Ei, nós queremos ganhar um Prêmio Pulitzer sobre Bucha. Nós pensamos que é esquisito que Khan acusou a transferência dos jovens e não acusaram Bucha'. E eu disse, 'Teria sido a pior coisa imaginável'”.

Raymond explicou a lógica do procurador: “Se Khan tivesse acusado Bucha, isto seria catastrófico, porque ele estaria telegrafando fraqueza aos russos. Porque Bucha é um massacre. Mas isto não significa que está no nível do Estatuto de Roma em termos de ordens intencionais sistemáticas e de comando-e-controle. Para fazer isso, faz falta um trabalho forense … balística, você precisa das comunicações. E não há evidências que o TPI tenha isso”.

Então, segundo o diretor do HRL Yale, Khan “começou com uma corrida ao gol e, basicamente, disse que nós estamos acusando Putin pelas suas próprias declarações num caso de evidências prima facie, num conjunto de indiciamentos conservadores. A transferência e deportação foi um chute fora do gol, ele não foi acusado de um assassinato em primeiro grau.

“Para o The New York Times”, Raymond continuou, “eles não ficarão satisfeitos até que Bucha seja acusada com todo o brilho de um indiciamento do TPI. Mas Khan estaria basicamente dizendo a Putin: “Jogue um tenente-coronel dos paraquedistas pela janela e você ficará “cool”'.

Além de prover Khan com o caminho mais fácil para fazer um mandado de prisão para Putin, o indiciamento também empacotou o maior soco de propaganda, possibilitando que o procurador se apresentasse como o salvador das crianças ucranianas.

Para este fim, teve uma assistência crítica de relações públicas de Amal Clooney, a advogada internacional que ficou famosa como a esposa de um intervencionista humanitário de Hollywood, que é um dos mais prolíficos levantadores de fundos do Partido Democrata dos EUA.

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Karim Khan do TPI aconselha-se com Amal Clooney em abril de 2022, depois de apresentar-se na ONU para arregimentar apoio para processar autoridades russas

A conexão Clooney: Khan colabora com intervencionistas humanitários de Hollywood

Em setembro de 2021, semanas após assumir o papel de procurador do TPI, Khan nomeou Amal Clooney como conselheira especial da sua investigação sobre as atrocidades na região de Darfur, no Sudão. Quando as forças russas entraram na Ucrânia cinco meses depois, Clooney mudou imediatamente o seu foco, aceitando um convite do governo ucraniano para integrar a sua “força-tarefa jurídica sobre responsabilização”.

A relação colaborativa dela com Khan, que se estendeu pelo menos por uma década, levantou questões adicionais sobre a alegação do chefe do TPI de “independência, imparcialidade e integridade”.

Amal Clooney, nascida no Líbano, emergiu inicialmente como uma celebridade global através do seu casamento com o galã de Hollywood George Clooney – sendo ele próprio um proeminente intervencionista humanitário que liderou a campanha visando o governo do Sudão e o seu ex-presidente, Omar Bashir, com sanções econômicas e acusações de genocídio sobre as suas ações no Darfur. O lobby de Israel nos EUA e o então-presidente dos EUA George W. Bush apoiou pesadamente a cruzada contra Khartoum, com este último ameaçando enviar tropas estadunidenses à região rica em petróleo para confrontar Bashir. Da sua parte, Clooney invocou a memória de Auschwitz para defender uma intervenção militar da ONU na região. Apesar do subsequente mandado do TPI para a prisão de Bashir ter, em última análise, se revelado fútil, a campanha de Clooney estabeleceu a sua boa fé dentro da indústria internacional de direitos humanos.

Em 2016, George Clooney mudou o seu foco para a política doméstica dos EUA, levantando aquilo que ele descreveu como “uma quantia obscena de dinheiro” para a campanha presidencial da ex-secretária de estado Hillary Clinton. O preço da entrada chegou a US$ 353.400 por casal para o jantar de arrecadação de fundos pró-Hillary patrocinado por George e Amal Clooney.

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George e Amal Clooney (à direita) no jantar de arrecadação de fundos de 2016 que eles ofereceram para Hillary Clinton.

No mesmo ano, George e Amal alavancaram a sua fama ao estabelecerem a Fundação Clooney pela Justiça [Clooney Foundation for Justice]. Assim como as fundações estabelecidas por Bill Clinton e Barack Obama após as suas presidências, a iniciativa do casal Clooney se apoiou em financiamentos de bilionários liberais, incluindo Bill Gates e George Soros, e forjaram parcerias com a Microsoft e a ONU. A Fundação Clooney pela Justiça também lista a empresa de inteligência de fachada Bellingcat, financiada pelos governos dos EUA e do Reino Unido, como um parceiro oficial.

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Nossos Parceiros A Fundação Clooney pela Justiça tem orgulho de trabalhar com importantes especialistas nos campos do direito, da tecnologia e dos direitos humanos. Somos gratos aos nossos apoiadores e parceiros, que nos ajudam a defender a justiça e fazer avançar a responsabilização pelos abusos de direitos humanos no mundo todo, incluindo

A pauta da aparelhagem de direitos humanos do casal Clooney rastreia de perto os objetivos de política exterior de Washington. O grupo promove campanhas em países nos quais os EUA buscam fazer mudanças de regime, enquanto negligenciam atrocidades bem documentadas cometidas pelos EUA e os seus aliados – incluindo Israel. Por exemplo, na Venezuela, que os EUA visaram com sanções e golpes militares violentos buscando uma mudança de regime, a Fundação Clooney diz que está ajudando numa investigação do TPI sobre o presidente Nicholas Maduro.

Enquanto supervisiona a sua fundação, Amal Clooney foi agraciada com diversas nomeações do governo britânico, incluindo a tarefa de Enviada Especial para a Liberdade de Mídias do secretário de relações exteriores do Reino Unido Jeremy Hunt e um papel formal como conselheira legal internacional do procurador-geral do Reino Unido.

Apesar de Amal Clooney ter trabalhado uma vez na equipe jurídica do emprisionado Publisher do Wikileaks Julian Assange, ela nada disse quando Hunt denunciou o seu ex-cliente e endorsou a extradição do jornalista para os EUA.

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Amal Clooney (à esquerda) e o secretário de relações exteriores do Reino Unido Jeremy Hunt, que a nomeou como Enviada Especial para a Liberdade de Imprensa em 2019

Em abril de 2022, a Fundação Clooney anunciou que despacharia uma equipe para Kiev, para auxiliar na investigação do governo ucraniano para o TPI. Naquele mês, Amal Clooney apareceu num painel do Conselho de Direitos Humanos da ONU ao lado de Khan, quando ela apresentou ao público pela primeira vez as alegações de que o governo russo estava engajado no rapto em massa de crianças ucranianas.

“Será possível que milhares de crianças sejam deportadas à força para a Rússia? Será possível que meninas adolescentes estejam sendo estupradas na rua em frente às suas famílias e seus vizinhos? … Infelizmente, a resposta é sim”, Clooney proclamou, sem apresentar evidência nenhuma para apoiar a sua alegação.

Dois meses depois, Khan e Amal Clooney se reuniram para um encontro com a Procuradora Geral da Ucrânia, Irina Venediktova, no evento lateral Eurojust da União Europeia sobre os processos judiciais contra autoridades russas.

Em seguida, em setembro, Khan participou de outro evento lateral Eurojust sobre “cooperação pela responsabilização na Ucrânia” co-patrocinado pelos governos da Ucrânia, da Alemanha, da Dinamarca e da Holanda. O procurador do TPI moderou o painel, juntamente com Amal Clooney e o novo procurador público da Ucrânia, Dmitri Kostrin. (O presidente Zelensky demitiu Venediktova em julho, devido a “questões de traição”.

A relação de Khan com Amal Clooney começou muito antes que qualquer um dos dois tivesse alcançado notoriedade internacional. Em 2010, quando ela ainda era Amal Alamuddin, a advogada contribuiu num volume de ensaios co-editado por Khan. Khan também fez uma sinopse de um livro de 2022 que Clooney publicou em co-autoria com a advogada britânica Philippa Webb, chamando-o um “tour de force”. (Assim como Clooney, Webb é um membro da “força-tarefa jurídica apoiada por Kiev sobre a responsabilização de crimes cometidos contra a Ucrânia”).

O website da Fundação Clooney por Justiça exibe Khan com destaque, banhando Clooney com mais elogios, saudando-a como “Uma gigante que tem estado disposta a manifestar-se, mesmo que muitos prefeririam que ela se calasse… a recusa dela de ser amordaçada deve nos inspirar a não sermos amordaçados, e a recusa dela de perder a esperança deve nos inspirar a seguir adiante”.

Aparentemente, a adoração do procurador do TPI por Clooney inspirou a decisão dele de mantê-la como conselheira especial no seu escritório, mesmo que ela trabalhe para os governos da Grã-Bretanha e da Ucrânia – ambos países sendo beligerantes numa guerra com a Rússia.

O website Grayzone inquiriu o oficial de imprensa do procurador do TPI sobre a íntima colaboração de Khan com Clooney, inquirindo se o trabalho dela para benefício dos governos ucraniano e britânico compromete o juramento declarado por Khan de “independência, imparcialidade e integridade”. Eles não tiveram resposta alguma.

TPI rebaixa as negociações com indiciamentos cronometrados para a conferência de doadores de Londres

Em 20 de março último, exatamente uma semana após emitir o mandado de prisão para Putin, Khan apareceu em Londres, num evento patrocinado pelos governos da Grã-Bretanha e da Holanda, para apelar por mais dinheiro aos estados ocidentais patrocinadores da guerra por procuração na Ucrânia. Lá, ele foi visto gargalhando com o ministro britânico da justiça Dominic Raab e os seus homólogos de diversos estados da OTAN e da Ucrânia.

O jornal The Guardian vinculou a coincidência da apresentação do mandado de prisão de Putin à conferência dos doadores, notando que “Khan fez a sua dramática ação contra o presidente russo na semana passada, antes da conferência em Londres, co-patrocinada pelos governos do Reino Unido e da Holanda, visando o levantamento de dinheiro para financiar o trabalho de investigação do TPI sobre crimes de guerra dentro da Ucrânia”.

Com 40 ministros de justiça à disposição, do Reino Unido e seus aliados, a conferência levantou US$ 5 milhões para a missão do TPI para processar autoridades russas.

A conferência de doadores ocorreu três dias após o 20º aniversário da invasão do Iraque liderada pelos EUA e pelo Reino Unido, um evento que se estima que tenha deixado mais de um milhão de iraquianos mortos. Em 2020, o TPI cancelou a sua investigação sobre as atrocidades britânicas no Iraque.

Neste ínterim, passaram-se mais de três meses desde que Khan jurou visitar os Territórios Palestinos Ocupados para levar adiante a investigação dormente sobre os abusos israelenses. “Ninguém sabe se Khan tem quaisquer planos para ir à Palestina”, lamentou para o website The Grayzone um advogado que representa vítimas da violência israelense. “Está claro que esta não será uma prioridade”.

Também está claro que o mandado do TPI para a prisão de Putin colocou mais um obstáculo no caminho de um final negociado para o conflito na Ucrânia. Como um alto auxiliar de Zelensky, Mykhailo Podalyak, declarou num Twitter imediatamente após o indiciamento de Putin pelo TPI, “Não pode haver negociações com a atual elite russa”.

*MAX BLUMENTHAL, Editor-Chefe do website The Grayzone, é um jornalista premiado e autor de diversos livros – incluindo Republican Gomorrah, Goliath, The Fifty One Day War, and The Management of Savagery. Ele produziu artigos impressos para uma diversidade de publicações, muitas reportagens de vídeo e diversos documentários – incluindo Killing Gaza. Blumenthal fundou o website The Grayzone para jogar uma luz jornalística sobre o estado perpétuo de guerra dos EUA e as suas perigosas repercussões domésticas.

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