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Marcelo Zero

É sociólogo, especialista em Relações Internacionais e assessor da liderança do PT no Senado

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A África do Sul tem boas chances na Corte Internacional de Justiça

O país do grande Nelson Mandela, um país que sofreu muito com o apartheid, sabe o que está fazendo

Equipe de advogados da África do Sul (Foto: Divulgação)
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O governo de extrema-direita de Israel tem razão em se preocupar com a ação da África do Sul na Corte Internacional de Justiça (CIJ).

Por quê?

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Porque essa corte estabeleceu, há pouco tempo, importantíssimos precedentes jurídicos sobre ações baseadas na CONVENÇÃO PARA A PREVENÇÃO E REPRESSÃO DO CRIME DE GENOCÍDIO, de 1948.

Foram estabelecidos no caso Gâmbia x Mianmar, apresentado em 2019, ante a CIJ. 

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Com efeito, a pequenina e pobre Gâmbia, país da África ocidental, apresentou, em nome da Organização da Cooperação Islâmica (OIC), uma acusação de genocídio contra o governo militar de Mianmar pela perseguição à minoria muçulmana Rohingya, submetida, segundo muitos, inclusive o bispo sul-africano Desmond Tutu, a uma situação de apartheid.

A história dessa perseguição é longa e complexa, mas o importante aqui é destacar que a primeira alegação do governo de Mianmar em sua defesa foi a de que a Gâmbia, não afetada pelo conflito interno de Mianmar, não tinha base legal para fazer tal acusação. 

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Entretanto, a Corte aceitou a petição da Gâmbia e o caso teve prosseguimento. Ao permitir que o caso prosseguisse, o Tribunal aceitou, pela primeira vez, a doutrina erga omnes partes como a única base da capacidade de um Estado para interpor um pedido.

Isso significa dizer que qualquer Estado que tenha ratificado a Convenção para a Prevenção e Repressão ao Genocídio pode apresentar acusação contra qualquer outro Estado, com o intuito de prevenir ou reprimir um genocídio ou uma tentativa de genocídio. 

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Portanto, assim como a Gâmbia teve reconhecido seu direito de apresentar uma acusação contra Mianmar, com base na doutrina erga omnes partes, muito provavelmente a CIJ deverá também reconhecer o direito da África do Sul a fazê-lo contra o governo de extrema-direita de Israel. 

Outra decisão da CIJ que criou precedente jurídico importantíssimo tange às medidas preventivas contra o genocídio.

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No caso Gâmbia X Mianmar, a CIJ decidiu impor medidas preventivas contra o governo militar de Mianmar. Tal decisão da CIJ sobre medidas preventivas ocorreu apenas cerca de 2 meses depois de a Gâmbia ter apresentado o seu pedido, e somente após um mês de iniciadas as respectivas audiências públicas.

Essa decisão preventiva ocorreu mesmo após o governo de Mianmar ter alegado, em sua defesa, que estava somente exercendo seu direito à autodefesa, pois a minoria rohingya estaria abrigando organizações terroristas que teriam feitos ataques contra as forças de Mianmar. A CIJ, no entanto, decidiu que o direito à defesa não justifica o desrespeito à Convenção sobre o Genocídio e a outras normas do direito internacional. 

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Ainda que o atentado do Hamas contra Israel tenha sido terrível, como reconhece a África do Sul em sua petição, o mesmo princípio se aplica.

Da mesma forma, na sua decisão sobre medidas preventivas, no caso África do Sul x Israel, a CIJ determinará se tem jurisdição prima facia, incluindo se a África do Sul baseou a sua aplicação em direitos e obrigações do tratado que são “plausíveis”, e se existe uma ligação suficiente entre as medidas solicitadas pela África do Sul e os direitos cuja proteção se procura. Também deverá considerar se existe risco de danos irreparáveis ​​e uma situação de urgência, dois critérios que provavelmente serão facilmente satisfeitos, nestas circunstâncias.

Assim, a África do Sul se preparou bem para o embate e está baseando sua acusação em decisões anteriores da CIJ.

O governo de extrema-direita de Israel poderá, se quiser, apresentar acusações de genocídio contra indivíduos do Hamas, no TPI. Não obstante, um crime jamais justificará outros crimes. 

Claro está que uma decisão definitiva e conclusiva sobre o caso poderá durar muitos anos. No caso Gâmbia x Mianmar, a decisão final ainda não saiu.

É difícil comprovar intenção de cometer genocídio, nesses casos. Há sempre um fator de subjetividade envolvido.

Porém, é difícil argumentar contra fatos. No caso específico de Gaza, há evidências avassaladoras de que a maior parte (70%) das vítimas é de mulheres e crianças. Também é impossível desconhecer que o cerco à Gaza impede a entrada de medicamentos, alimentos, água potável e energia, o que configura punição coletiva e evidente risco de morte ou de dano irreparável a toda uma população. 

É evidente também que as decisões da CIJ, preventivas ou definitivas, não têm poder cogente. Somente uma Resolução do Conselho de Segurança poderia impor sanções concretas contra um país. No caso de governo de extrema-direita de Israel, que não representa os reais valores daquele país, qualquer iniciativa nesse sentido seria prontamente vetada pelos EUA.

Contudo, a simples aceitação da acusação da África do Sul e, mais ainda, a adoção eventual de alguma medida preventiva, ainda que parcial, representariam duro golpe contra a imagem do governo de extrema-direita de Israel, já bastante comprometida. 

Daí a violenta reação contra a África do Sul, bastante preconceituosa e desrespeitosa, e contra todos aqueles que a apoiam. 

Mas há ainda um fator geopolítico envolvido. 

Até agora, as cortes internacionais têm funcionado contra países frágeis ou considerados hostis ao chamado Ocidente. O Tribunal Penal Internacional, por exemplo, uma corte de natureza diversa da CIJ, até agora só condenou cidadãos russos e africanos, o que gera certo ressentimento na África e no Sul Global.

A possível aceitação da petição da África do Sul poderá significar uma inflexão importante, num mundo em profunda transformação, que tende inexoravelmente à multipolaridade.  A ordem jurídica internacional poderá, com o tempo, funcionar para todos.

Isso assusta quem está acostumado com a impunidade e o unilateralismo. 

O país do grande Nelson Mandela, um país que sofreu muito com o apartheid, sabe o que está fazendo. Está tentando proteger o valor maior e universal da vida. 

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