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Marcelo Zero

É sociólogo, especialista em Relações Internacionais e assessor da liderança do PT no Senado

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A PEC 241 e suas falácias

Com efeito, é preciso considerar, na apreciação da PEC 241, que ela é algo completamente inédito no mundo. Não se tem conhecimento de algum país que tenha congelado, a priori, suas despesas primárias por 20 anos, ainda mais por meio de emenda constitucional

Com efeito, é preciso considerar, na apreciação da PEC 241, que ela é algo completamente inédito no mundo. Não se tem conhecimento de algum país que tenha congelado, a priori, suas despesas primárias por 20 anos, ainda mais por meio de emenda constitucional (Foto: Marcelo Zero)
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Este texto tece considerações gerais sobre a PEC 241 e tenta rebater algumas falácias que são utilizadas para defendê-la. Trata-se de modesta contribuição para o debate que teremos de enfrentar no Congresso Nacional e na opinião pública sobre um tema que definirá os rumos do Brasil pelas próximas décadas. Talvez de modo irreversível.

 

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Considerações Gerais sobre a PEC 241

 

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a)     A PEC estabelece um teto fixo, um limite superior de gastos primários. Nada impede, portanto, que as despesas efetivamente realizadas sejam inferiores a esse limite, especialmente em seus primeiros anos de vigência.

 

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Em primeiro lugar, deve-se considerar que, nas avaliações e nas simulações retrospectivas e prospectivas feitas para se analisar os efeitos da PEC, ela é apresentada, implicitamente, como uma espécie de piso, pois sempre se trabalha com seu limite máximo. Na realidade, é preciso ter sempre em mente que ela é um teto, um limite superior de reajuste que não poderá ser excedido.

Nada impede, portanto, que, a depender dos humores do “mercado” e da situação econômica, venham a serem fixadas despesas primárias inferiores, em termos reais, ao limite real máximo fixado na PEC, que toma como base o orçamento de 2016.

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Em diversas análises sobre os efeitos da PEC, como o da Consultoria do Senado, tal hipótese é considerada desejável e provável. Assim, nessa análise citada conclui-se que:

“No curto prazo, porém, o desempenho fiscal da União ainda seria bastante negativo. Se for adotada exclusivamente a nova âncora fiscal a partir de 2017, colocando-se em segundo plano a meta de resultado primário prevista na LRF (e fixada na LDO), até 2020 a União teria que conviver com déficits primários, ainda que decrescentes. Isso porque parte-se de um patamar de despesa já muito elevado relativamente à receita disponível. É fundamental, portanto, que, em adição ao limite global das despesas primárias, sejam fixadas, no curto prazo, metas de resultado primário capazes de promover um retorno mais rápido ao equilíbrio fiscal.

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É muito provável, portanto, que, na prática, os limites de despesa efetivos sejam inferiores ao teto estabelecido pelo denominado Novo Regime Fiscal. Ou seja, é provável que as despesas primárias se situem, em muitos anos, em patamares reais inferiores ao de 2016, base da PEC 241. Considere-se, a esse respeito, que, em função do ajuste recessivo, as receitas estão cadentes, de modo que as pressões do “mercado” para a redução do déficit primário tendem a se tornar muito fortes.

 

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b)    O mecanismo previsto na PEC 241 não existe em nenhum lugar do mundo e impõe uma absurda austeridade permanente, que independe do ciclo econômico e do controle democrático.

 

Com efeito, é preciso considerar, na apreciação da PEC 241, que ela é algo completamente inédito no mundo. Não se tem conhecimento de algum país que tenha congelado, a priori, suas despesas primárias por 20 anos, ainda mais por meio de emenda constitucional.

Somente o Japão, que tem dívida bruta equivalente a 250% do PIB, população candente e serviços públicos de grande qualidade, impôs reajuste das despesas pela inflação. Mas isso não é constitucionalizado e há válvulas de escape.

No caso da União Europeia, que impõe hoje uma política de austeridade bastante contestada, não se verifica tamanha rigidez. De fato, a União Europeia criou o Tratado sobre a Estabilidade, Coordenação e Governação, também conhecido como Pacto Fiscal ou Tratado Orçamental, o qual impõe compromisso com a busca de um “saldo orçamental” que não supere -0,5% do PIB. Mas esse saldo é obviamente referenciado ao desempenho do PIB, o que não ocorre com o PEC 241, e “estrutural”, ou seja, deduzem-se de seu cálculo os efeitos da recessão sobre as receitas. Por exemplo, no caso de uma recessão que cause uma quebra das receitas fiscais, tal quebra obviamente aumentará o déficit orçamentário. Mas, pelo Tratado, o Estado afetado não estaria necessariamente obrigado a reduzir suas despesas para compensá-lo, justamente porque o saldo orçamentário “estrutural” deduz esse impacto negativo do cálculo. Um aumento do déficit induzido pela recessão é obviamente cíclico, deixando o saldo estrutural inalterado. Portanto, na União Europeia houve, ao menos em tese, a preocupação de que o equilíbrio macroeconômico e orçamentário não obrigasse os governos a reduzir drasticamente despesas em períodos recessivos, não impedisse a implantação de políticas contracíclicas, não impusesse necessariamente limites ao tamanho do Estado e, sobretudo, jamais significasse ‘austeridade permanente’.

Porém, no caso da PEC 241, impõe-se uma austeridade permanente que teria de ser observada, mesmo na eventualidade de aumento do PIB e das receitas.

 

c)     A PEC 241 é irracional, tanto do ponto de vista político, quanto do ponto de vista econômico.

 

Essa austeridade permanente, esse engessamento fiscal e orçamentário, cria duas formas de irracionalidade.

A primeira irracionalidade é política e democrática. Tal congelamento constitucionalizado das despesas retira da população e dos sistemas de representação política a capacidade de influir decisivamente na gestão fiscal do país pelos próximos 20 anos. Somada à independência de facto do Banco Central, isso redundaria em que a política monetária e a política fiscal escapariam do controle democrático do voto popular. Assim, a PEC 241 implica mais um golpe na democracia brasileira. 

A segunda irracionalidade é econômica. A flexibilidade e a capacidade de se adaptar às diferentes conjunturas são vitais para a condução exitosa de qualquer política econômica, seja ela procíclica ou anticíclica. Contudo, a PEC 241 cria uma draconiana rigidez fiscal que terá de ser mantida por 20 anos, independentemente do que venha a ocorrer na economia internacional ou na economia nacional. Não há válvulas de escape previstas, o que é um absurdo, em termos de gestão macroeconômica racional.

De fato, é completamente irracional se gerir despesas independentemente do comportamento das receitas e do PIB. Segundo alguns cálculos, poderemos chegar ao final do período de vigência da PEC, fazendo inacreditáveis superávits primários de 7% do PIB, sem poder investir em serviços públicos essenciais para o bem-estar da população. No mundo inteiro, ninguém faz uma loucura dessas.

Vamos supor que a economia mundial se recupere e haja um novo ciclo de crescimento global e nacional. As receitas subirão, superando com folga as despesas, mas, pela PEC 241, o dinheiro sobrante não poderá ser investido na população mais pobre, que tanto precisa dele. Esse dinheiro a mais só poderá ser gasto com o pagamento de juros, que beneficia bancos e grandes investidores especulativos.

Considere-se, adicionalmente, que a geração de superávits primários, que os governos do PT conseguiram obter, de forma vultosa, até 2014, e a Lei de Responsabilidade Fiscal são mais que suficientes para assegurar gestão fiscal “responsável” no país.

Portanto, a PEC 241 é uma jabuticaba esquizofrênica e autoritária.

 

 

d)    Independentemente de qualquer cenário econômico, a PEC 241 será ruim para o Brasil e sua população, pois o “congelamento” implicará redução das despesas.

 

A população do Brasil, de acordo com IBGE, deverá crescer de 206 milhões, em 2016, para 227 milhões, em 2036, último ano da PEC 241. Ou seja, teremos, até lá, 21 milhões de brasileiros a mais que solicitarão serviços públicos e benefícios sociais. Portanto, se os gastos reais ficarem “congelados” pelo teto de 2016 (poderá ser menos, lembre-se), haverá inevitável redução real do gasto per capita, com enormes prejuízos para a população que depende dos serviços públicos. Assim, o “congelamento” previsto é, na verdade, redução significativa dos gastos.

 

A população idosa, justamente a que depende mais da Previdência e da Assistência Social, passará de 16,8 milhões, em 2016, para 36,1 milhões, em 2036. Ou seja, o aumento da população brasileira nesse período estará quase que totalmente concentrado na faixa dos idosos, o que pressionará muito a Previdência, os Benefícios de Prestação Continuada (BPC) e a Saúde.

 

Como agravante, é preciso avaliar que os serviços públicos no Brasil ainda são de qualidade ruim, comparativamente aos dos países mais desenvolvidos, e de universalização restrita, com gasto per capita relativamente reduzido, o que demanda o crescimento dos investimentos, como vinha fazendo o PT, não seu congelamento ou redução, como pretendem os golpistas.

 

Sobre esse último ponto, pode-se tomar como exemplo o caso da Saúde.

Conforme a Nota Técnica do IPEA nº 28, de 2016:

O gasto público per capita com saúde do Brasil é um dos mais baixos entre países que possuem sistema universal de saúde e mesmo quando comparado ao de países vizinhos nos quais o direito à saúde não é um dever do Estado. Para exemplificar, em 2013, este indicador para o país foi de R$ 946, equivalentes a US$ 591,20. No mesmo ano, o gasto público per capita foi de US$ 3.696 para a Alemanha, US$ 2.766 para o Reino Unido, US$ 3.360 para a França, US$ 1.167 para a Argentina, US$ 795 para o Chile e US$ 4.307 para os Estados Unidos.  Observa-se que o gasto público per capita do Brasil é de 4 a 7 vezes menor do que o de países que têm sistema universal de saúde, tais como o Reino Unido e a França, e mesmo inferior ao de países da América do Sul nos quais o direito à saúde não é universal (Argentina e Chile). O gasto público do Brasil como proporção do PIB foi de 3,6% no mesmo ano.

 

O mesmo vale, em maior ou menor grau, para outros serviços públicos.

 

e)     O objetivo real da PEC 241 não é a busca do equilíbrio macroeconômico e da gestão fiscal responsável, mas sim a redução radical do Estado e a implantação, em conjunto com outras medidas, de um modelo ultraneoliberal no Brasil.

 

Como vimos, para se obter um equilíbrio entre receitas e despesas não é necessário se engessar os gastos primários por 20 anos. Nenhum país o faz. Ao contrário, essa austeridade permanente e irracional poderá, na verdade, criar desequilíbrios ou mesmo promover, no limite, uma recessão permanente que afundará a economia brasileira.

Há, contudo, uma lógica lúgubre por trás dessa irracionalidade. É que o objetivo verdadeiro da PEC 241 é a desconstrução dos direitos inscritos na Constituição de 1988. Sua finalidade é estrangular o crescimento das despesas obrigatórias criadas pela Carta Magna e fulminar o incipiente Estado do Bem Estar que ela gerou.

A Constituição de 1988 e a CLT passaram relativamente incólumes pela implantação do modelo neoliberal, na década de 1990. Agora, porém, a restauração neoliberal proposta pelo golpismo, bem mais radical, exige, em razão do aumento das despesas sociais obrigatórias ocorridas desde 1999, o sacrifício dos direitos previdenciários, trabalhistas e assistenciais. O golpe veio para privatizar tudo o que for possível e para desconstruir tudo o que for necessário.

A ideia central é substituir o modelo desconcentrador e inclusivo previsto implicitamente na Constituição de 1988 e efetivamente implantado e aprofundado pelo PT por um modelo concentrador e marginalizador, que diminuirá os custos do trabalho e da seguridade social, aumentando a margem de lucro das empresas e assegurando ao sistema financeiro e aos investidores especulativos o pagamento de juros em larga escala.

Ao mesmo tempo, pretende-se alienar, a preços de conveniência, setores estratégicos da economia nacional, como o setor de petróleo e gás, com as magníficas jazidas do pré-sal. Também se almeja a abertura irrestrita às “cadeias internacionais de valor”, mediante a adesão a acordos de “nova geração” (TTIP, TPPP, TISA etc.), a desconstrução do Mercosul e o realinhamento da política externa à órbita estratégica dos EUA. 

A PEC 241 insere-se nesse pacote ultraneoliberal. Porém, ela tem centralidade nessa estratégia. Por quê?

Porque ela vai:

          i.            Estrangular o Estado de Bem Estar do Brasil, reduzindo-o a níveis mínimos.

 

       ii.            Pavimentar a implantação de um novo padrão de acumulação, centrado na redução de custos trabalhistas e sociais. O novo padrão será funcional para a inserção do país nas “cadeias internacionais de valor”, como exportador de commodities e de insumos baratos. A dinâmica econômica será transferida do mercado interno de massa, que não pode subsistir com desigualdade, para o setor externo, que a exige.

 

 

     iii.            Impor, pelo rebaixamento das despesas, a Reforma da Previdência e a Reforma Administrativa, velhos sonhos dos nossos neoliberais, que consideram o Estado Mínimo condição sine qua non para a competitividade do país.

 

     iv.            Forçar a desvinculação dos benefícios assistenciais e previdenciários ao salário mínimo.

 

 

       v.            Propiciar a privatização de serviços públicos, como recomenda o TISA, e como já sinalizaram vários ministros do governo golpista.

 

     vi.            Sinalizar, para os investidores internacionais e nacionais, que a política econômica ortodoxa e neoliberal estará blindada na Constituição e fora do controle democrático do voto popular.

 

Isso posto, passemos à análise de alguns argumentos falaciosos.

 

 

 
 

A gestão do PT foi irresponsável, promoveu “gastança”, “quebrou o país”, e, agora, a PEC 241 é necessária para colocar as contas públicas em ordem e “tirar o país do vermelho”.

 

 

 

  1.   

 

 

 

 

Na realidade, a gestão dos governos do PT foi muito responsável e muito exitosa, no que tange à obtenção dos “equilíbrios macroeconômicos”. Bem mais exitosa, aliás, que as gestões dos que hoje se julgam os defensores da responsabilidade fiscal.

Em primeiro lugar, os governos do PT reduziram a Dívida Pública Líquida de cerca de 64% do PIB, ao final do período FHC, para cerca de 30%, em meados de 2013, uma verdadeira façanha. Essa dívida só aumentou recentemente devido à crise, turbinada pelo golpismo, a Lava Jato (que sozinha retirou cerca de 2% do PIB) e os ajustes recessivos que diminuíram a atividade econômica e as receitas fiscais.

 

Elaboração BCB e Marcelo Zero

 

Além disso, os governos do PT geraram, até 2014, vultosos superávits primários, isto é, arrecadaram bem mais do que gastaram, ao contrário do que comunmente se diz. O primeiro e pequeno déficit primário só surge em 2014, com o colapso do ciclo das commodities, agravado pelo stress hídrico e o início dos efeitos da Lava Jato e da crise política.

Esse déficit foi consideravelmente ampliado em 2015, apesar do maior esforço fiscal já realizado no país (que cortou R$ 80 bilhões em despesas discricionárias), devido ao forte encolhimento das receitas e ao clima de incerteza gerado pelo golpismo e pela aposta irresponsável “no quanto pior melhor”, que inviabilizaram a aprovação das medidas que poderiam ter amainado os efeitos da crise.

 


Elaboração BCB e Própria
 

 

Também ao contrário do que diz correntemente, na gestão do PT o aumento das despesas foi acompanhado, em linhas gerais, pelo aumento proporcional das receitas, propiciado, entre outros fatores, pelo crescimento econômico e pelo aumento da arrecadação ensejado por um bem sucedido combate à sonegação e pela formalização das atividades econômicas e do mercado de trabalho.

                     

                  Crescimento das Receitas e das Despesas

                                       (em bilhões de reais)

 

Elaboração: Plataforma Social

Como assinalado no gráfico anterior, os déficits surgem com o colapso das receitas, mas não em razão de um suposto “descontrole das despesas” e, muito menos, devido às famigeradas “pedaladas fiscais”.

Na realidade, no que tange aos gastos totais, o fator que pesou mais, em 2015 (e que mais vai pesar nos próximos anos) foram os pagamentos de juros, que tiveram um crescimento explosivo.

 

 

Fonte: Ministério da Fazenda, Elaboração: Marcelo Zero

 

O crescimento nominal das despesas primárias totais (discricionárias e obrigatórias) em 2015 foi de apenas 11,8%. Como a inflação nesse ano foi 10,67%, deduz-se que as despesas primárias reais permaneceram praticamente estagnadas.

Pelos dados do Relatório Anual do Tesouro Nacional de 2015, essas despesas cresceram somente 2,10% em termos reais, ao passo que as Receitas Líquidas tiveram uma brutal queda de 6,20 %%, também em termos reais.

 

Fonte: Relatório Anual do Tesouro Nacional 2015, Elaboração: Marcelo Zero

Observe-se, além disso, que as Despesas Primárias totais só cresceram, ainda que modestamente, em virtude do aumento natural das Despesas Obrigatórias, pois as Despesas Discricionárias, aquelas que podem ser reduzidas e contingenciadas, tiveram queda substancial, devido ao forte ajuste fiscal.

 

Fonte: Relatório Anual do Tesouro Nacional 2015, Elaboração: Marcelo Zero

Porém, além de terem sido “fiscalmente responsáveis”, as gestões do PT também foram exitosas, no que tange ao controle da inflação, que se situou em patamares inferiores aos dos governos do PSDB.

 

 

Fonte: BCB, Elaboração: CGEE e Própria

 

Apenas em 2015, em função da crise política e econômica, a inflação foge do limite da banda, após 12 anos de rigoroso respeito às metas inflacionárias.

Assim sendo, o discurso sobre a “gastança” e a “irresponsabilidade fiscal” do PT não tem o menor respaldo nos dados empíricos disponíveis.

 

 

Apesar disso, o governo golpista pinta, proposital e mentirosamente, um quadro de caos completo na economia para poder impor seus projetos. A bem da verdade, esse falso quadro de caos já vinha sendo usado pelas forças golpistas para impor o golpe como “única solução”. Agora, se usa o mesmo recurso ao medo para impor a PEC 241 e outras medidas antipopulares.

O relator da PEC na Câmara, Darcísio Perondi, chegou a afirmar, em seu relatório, que, se a PEC 241 não for aprovada, “chegará o Dia do Juízo Final para todos os brasileiros”.

Essa é uma velha tática política dos conservadores.

A economista canadense Naomi Klein argumenta, na sua obra “A Doutrina do Choque: A Ascensão do Capitalismo do Desastre”, que as políticas neoliberais e o modelo econômico a elas associado, que varreram o planeta de 1980 até a recente crise, se proliferaram devido ao uso deliberado da violência econômica, social, política, psicológica e até física.

Em sua análise, ela reintroduz a violência e os choques políticos e econômicos na história do neoliberalismo e afirma que existe uma relação entre os massacres, entre as crises, entre os grandes choques e os duros golpes contra vários países, e a capacidade de imposição de políticas que são rejeitadas pela grande maioria das pessoas desse planeta.

O primeiro país a adotar políticas neoliberais, o Chile, o fez no contexto de uma ditadura extremamente cruel. Outros o fizeram no contexto de crises, em relação às quais o neoliberalismo era falsamente apresentado como a única solução viável e racional para a sua superação.

Assim, para Naomi Klein, o neoliberalismo, ao contrário de ser uma “solução” adotada serena, técnica e racionalmente, é, na realidade, algo imposto pela força dos desastres políticos ou naturais.

Desastres reais ou imaginados, agregue-se. A PEC 241 jamais seria aceita pela população, num debate sereno e democrático. Mas o governo golpista cria uma narrativa de caos e total descontrole da economia para impor uma agenda política extremamente conservadora, como se fosse a única solução técnica possível para a superação da atual crise.

A PEC 241 se justifica não pela razão, mas pelo medo.

 

 

 

 
 

A PEC 241 é essencial para que o Brasil retome o crescimento econômico e gere empregos para os brasileiros

 

 

  1.  

 

 

 

A aposta do governo Temer é a de que, com o congelamento das despesas primárias por 20 anos, os investidores estrangeiros e nacionais ganharão a confiança necessária para voltar a injetar dinheiro na economia brasileira, gerando, dessa forma, um novo ciclo de crescimento.

Esse é o pressuposto, aliás, de qualquer ajuste fiscal. O encolhimento da demanda governamental seria mais do que compensado pelo investimento privado, estimulado por uma confiança renovada, e pelas exportações, que absorveriam a produção que não mais seria vendida no mercado interno.

Mas isso é um mito. Paul Krugman, Nobel de Economia, chama esse mito de “fada da confiança” (confidence fairy). A confiança dos empresários nunca é restaurada só porque o governo corta seus gastos. Essa confiança só ocorre, para os empresários imersos na economia real, quando o consumo aumenta, a demanda é incrementada, e o crescimento começa a se firmar. O corte de gastos primários, somado ao aumento das taxas de juros, só estimula os investidores especulativos, que faturam no mercado financeiro e não geram empregos. Sequer geram receitas, pois pagam muito pouco imposto. Sua contribuição líquida para a sociedade é fortemente negativa: recebem muito, pela via do pagamento de juros, e praticamente não dão nada em troca.

Assim, na maior parte das vezes, observa-se o contrário do que dizem os defensores dos ajustes. A redução das despesas do Estado não é compensada pelo aumento dos investimentos e do consumo privados, e acaba gerando uma grande diminuição das receitas fiscais, que agrava os déficits e as dívidas e deprime ainda mais a atividade econômica. Cria-se, por conseguinte, um ciclo recessivo vicioso: o corte dos gastos diminui a atividade econômica, o que, por sua vez, reduz as receitas, o que, por seu turno, força nova diminuição dos gastos, e assim por diante.

Esse efeito recessivo dos ajustes fiscais torna-se intenso, no contexto de uma taxa de juros muito alta, como a existente hoje no Brasil. Observe-se que, de acordo com os estudos do IPEA, para cada real investido no gasto público primário, a Educação agrega R$1,85 ao PIB, a Saúde agrega R$ 1, 70 ao PIB, o Bolsa Família agrega R$ 1,44, os Benefícios de Prestação Continuada agregam R$ 1,38, o Regime Geral da Previdência soma R$ 1,23 ao PIB e o Investimento em Construção Civil agrega 1,54 à economia real. Entretanto, para cada real que se paga com juros da dívida pública, retira-se do PIB 29 centavos.

Como estamos pagando cerca R$ 540 bilhões por ano com essa rubrica, incluindo amortizações da dívida, deduz-se que estamos retirando do PIB cerca de R$ 157 bilhões, muito mais que o esforço fiscal realizado com cortes que afetam a população mais pobre. Esse cálculo simples não inclui o que estamos deixando de ganhar com os cortes nas despesas primárias que estimulam o PIB e a economia real.

 

 No caso do Brasil, além da taxa de juros extremamente elevada, há outros há dois fatores que conspiram para ampliar o efeito recessivo de ajustes.

 

 

1)    O clima político deteriorado e a falta de legitimidade do governo golpista.

 

Ajustes fiscais impõem, normalmente, sacrifícios. Por conseguinte, a literatura sobre ajustes indica que eles tendem a ter mais aceitação e êxito em certas condições políticas específicas. Em primeiro lugar, eles funcionam melhor quando há transparência e negociação das medidas propostas. Foi o caso do ajuste feito pelo Canadá, entre 1994-1997, que embora tenha incidido sobre normas de seguridade social, foi majoritariamente aceito pela população, após grande campanha de esclarecimento. Em segundo lugar, os ajustes têm maior probabilidade de ter êxito se os sacrifícios forem bem distribuídos. Medidas que afetam, sobretudo, os assalariados e os que dependem da seguridade social, mas que preservam credores, sistema financeiro e o grande capital, se constituem, em geral, numa receita para a regressão social e o fracasso político. Em terceiro lugar, os ajustes tendem a se tornar mais exitosos quando os governos que os impulsionam têm capital político significativo.

Ora, essas condições políticas não estão presentes no Brasil de hoje. Ao contrário, o que se verifica é que o presente ajuste e o ajuste draconiano de longo prazo da PEC 241 vêm sendo realizados e propostos por um governo sem credibilidade e sem legitimidade, que não desperta real confiança na população e nem no mais otimista dos investidores. E vêm sendo implantados sem nenhuma discussão prévia, por um governo sem votos, com o intuito de penalizar os mais pobres.

 

2)    A economia mundial continua a patinar e podemos estar na iminência do agravamento de seu quadro.

 

Também não estão presentes as condições econômicas internacionais para um ajuste exitoso. O que se verifica, em geral, é o fracasso das políticas ortodoxas e a permanência da crise em muitas economias, o que mantém a recessão mundial.

A própria equipe técnica do FMI já o admite.

Conforme vários estudos recentes mencionados por economistas do FMI (Neoliberalism: Oversold?), o que se observa é que tais políticas conduzem, na maior parte dos casos, ao agravamento e ao prolongamento das recessões e das crises. Mas além de não induzirem o crescimento, tais políticas aumentam o desemprego e as desigualdades sociais. Os economistas do FMI hoje argumentam que, em vários casos, é preferível o país conviver com dívidas altas e déficits elevados, apostando na sua redução suave de longo prazo, do que tentar reduzi-los com cortes fiscais abruptos e contraproducentes.

Em síntese, os economistas do FMI concluem que essas políticas:

•        Não trazem benefícios claros, em relação à retomada do crescimento.

•        Têm altos custos sociais, principalmente no que se refere ao aumento expressivo das desigualdades sociais.

•        Mais importante ainda, esse aumento das desigualdades sociais compromete o nível e a sustentabilidade de longo prazo do crescimento econômico.

É por isso que a crise mundial não dá sinais de esmorecer, principalmente nos países europeus que mais investiram nesse tipo de ajuste.

Ao contrário, a situação parece se agravar.

Conforme a Cepal (Horizontes 2030-A Igualdade no Centro do Desenvolvimento Sustentável), a falta de demanda agregada na economia mundial “coexiste com um excesso de liquidez”, e o sistema financeiro segue uma trajetória autoalimentada de multiplicação de seus ativos. Assim, aumenta a magnitude dos ativos financeiros, em particular dos derivativos financeiros, em relação ao PIB mundial, o que provoca uma desconexão perigosa entre a economia real e o sistema financeiro. A Cepal adverte que “o potencial disruptivo de uma riqueza financeira que aumenta velozmente e excede com folga os volumes de produção e comércio é sumamente alto”.

 

Fonte: CEPAL 

Estamos, conforme a Cepal, numa situação muito parecida à ocorrida no pré-crise de 2007, que resultou na grave crise do subprime. Agora, no entanto, o epicentro poderá ser o sistema financeiro europeu, inclusive o seu principal banco, o Deustch Bank, que tem muitos créditos podres lastreados em títulos da dívida soberana de países europeus.  

Salientamos que a PEC 241 e suas medidas correlatas tendem a ampliar essa desconexão entre a economia real e o sistema financeiro no Brasil, pois elas farão encolher a economia real e injetarão cada vez mais dinheiro público no sistema financeiro, via pagamentos de juros, que permanecerão liberados.

Não bastasse, a Organização Mundial do Comércio reduziu recentemente suas previsões para o crescimento do comércio internacional, que deverá situar-se em cerca de 1,4%, nos próximos dois anos.

Por conseguinte, não haverá estímulos para uma recuperação econômica que pretenda trocar a demanda interna por demanda externa. Num cenário externo tão estrangulado e incerto, a recuperação econômica só poderia ser estimulada pela demanda interna, que será inevitavelmente afetada pela PEC 241 e outras medidas antipopulares programadas pelo governo golpista.

Também parece pouco provável que, no plano interno, haja uma queda das taxa de juros em nível suficiente para compensar a diminuição da demanda agregada. Em tempos de crise mundial renitente, o mais provável é que elas permaneçam elevadas, como aconteceu no período FHC.

 

 

 
 

A PEC 241 beneficiará os mais pobres, pois estimulará a geração de empregos, que é a melhor política social.

 

 

  1.  

 

 

 

Essa alegação é uma confissão clara de que a PEC terá profundos efeitos negativos diretos sobre os mais pobres. Eles, os golpistas, sabem disso. Eles sabem muito bem que a PEC 241 vai diminuir os investimentos que beneficiam os mais pobres. O que eles estão alegando é que a PEC, ao estimular, em tese, o crescimento econômico vai beneficiar indiretamente os mais pobres, pela via de suposta geração de empregos.

De fato, o pressuposto de tal afirmação é o de que a PEC 241, bem como as demais medidas de ajuste, farão a economia real crescer pelo estímulo ao investimento e ao consumo privados. Como vimos, é pouco provável que isso aconteça. Ao contrário, a rigidez fiscal draconiana e de longo prazo criada pela PEC 241 deverá ter efeitos recessivos sobre a economia, num cenário externo de baixo crescimento e num cenário interno de redução da demanda agregada e de aumento das desigualdades.

Mas, mesmo que e a economia brasileira venha apresentar algum nível de crescimento, sob condições de ajuste neoliberal é pouco provável que isso resulte na geração de empregos de qualidade e no aumento da renda dos trabalhadores.

As economias sujeitas ao neoliberalismo tendem a gerar empregos de má qualidade, precarizados e informais, e a reduzir a renda do trabalho.

Foi o que aconteceu no Brasil na década de 1990.

 

No governo FHC, a geração de líquida de postos de trabalho formais no setor privado foi de apenas 796 mil, pois até 1999 houve destruição de empregos formais, em razão, principalmente, da eliminação de setores econômicos causada pelo câmbio sobrevalorizado e pela abertura irresponsável da economia, condições que se pretende ressuscitar agora.

Em contraste, nos governos do PT a geração de empregos formais pelo setor privado foi de mais de 14 milhões, já que a economia foi estimulada pelo consumo das famílias, aumentado pela distribuição de renda, o crescimento do salário mínimo e a facilitação do crédito popular.  Saliente-se que, se somarmos a esses 14 milhões os empregos gerados no setor público nas três esferas de governo, tanto na administração indireta quanto direta, teremos algo em torno de 21 milhões de postos de trabalho formalizados que ficaram disponíveis aos brasileiros, ao longo dos governos do PT.

A geração líquida pífia de empregos formais no período neoliberal redundou no forte aumento do desemprego, ao passo que a generosa oferta de empregos de qualidade nos governos do PT se expressou em substancial redução da taxa de desemprego.

 

  Além disso, o aumento do desemprego, a precarização do mercado de trabalho e a redução dos rendimentos dos trabalhadores ocorridos no período neoliberal forçaram a diminuição da participação dos salários no PIB, ao passo que, nos governos do PT, aconteceu o contrário.

Elaboração CGEE e Própria

Observe-se, ademais, que o governo golpista pretende extinguir direitos trabalhistas inscritos na CLT, permitir a terceirização até mesmo de atividades-fim e reduzir o salário mínimo, de modo que essas tendências negativas do mercado de trabalho que se verificaram na década de 1990 deverão se ampliar e se aprofundar, no período de vigência da PEC 241.

Na realidade, além de não gerar empregos de qualidade e de reduzir a renda e os direitos dos trabalhadores, a restauração do modelo neoliberal no Brasil, em conjunto com a PEC 241, deverá ter um impacto negativo direto sobre a renda dos mais pobres.

A PEC 241, em particular, incidirá justamente sobre a população mais carente, que depende estreitamente dos programas de transferência de renda, dos benefícios previdenciários e assistenciais e dos serviços públicos gratuitos.

Tomemos como exemplo o que ocorreria com a Assistência Social, caso a PEC 241 seja implantada. As perdas seriam enormes, como se vê na tabela a seguir.

 

Fonte: IPEA, Nota Técnica nº 27, de 2016

 

Somente nessa área, que inclui o Bolsa Família e o Benefício de Prestação Continuada (BPC) dado a idosos e deficientes, as perdas acumuladas chegariam a R$ 868 bilhões, comparativamente à manutenção dos parâmetros atuais de crescimento desse gasto. Em proporção ao PIB, tais despesas passariam de 1,52% do PIB para 0,7 %do PIB. Conforme os cálculos do IPEA, a partir de 2026, o orçamento da Assistência não daria sequer para pagar o BPC. Salientamos que o BPC representa apenas 55% do orçamento da Assistência Social. Ou seja, o pagamento do BPC até 2026 teria de ser feitos a expensas da extinção do Bolsa Família e de outros programas sociais.

Não é possível desdenhar da importância dessa proteção específica e da proteção Previdenciária em geral, não apenas para os idosos e deficientes, mas também para a população pobre como um todo.

Como salienta a Nota Técnica do IPEA, tendo em vista a importância da renda os idosos no orçamento de muitas famílias brasileiras, o efeito da proteção previdenciária na prevenção da pobreza não se restringe apenas aos mais velhos. Conforme aponta estudo previdenciário de 2015 (Evolução Recente da Proteção Previdenciária e seus Impactos sobre o Nível de Pobreza), “caso fossem desconsiderados os rendimentos advindos do recebimento de benefícios previdenciários, a quantidade de pobres seria de 74,49 milhões, o que significa dizer que o pagamento de benefícios pela Previdência Social retira da condição de pobreza cerca de 26,01 milhões de indivíduos – redução de 13,3 pontos percentuais na taxa de pobreza”.

Em muitos municípios, especialmente nas regiões mais pobres, é a renda dos idosos que mantêm as famílias e a economia local.

Foi por isso que os governos do PT investiram muito no BPC e na cobertura previdenciária aos idosos, bem como no reajuste desses benefícios pelo salário mínimo, como se observa no gráfico abaixo.

 

Elaboração: IPEA

Em contraste, o governo golpista já anunciou que pretende desvincular o BPC e outros benefícios assistenciais e previdenciários do salário mínimo. Haverá também “revisões gerais” de todos esses benefícios. Obviamente, isso resultará no achatamento do valor real desses benefícios, com repercussões intensamente negativas nas faixas menores de renda da população brasileira.

Portanto, dizer que a PEC 241 beneficiará os mais pobres é de um cinismo inacreditável.

A bem da verdade, a única maneira em que a PEC 241 seria, em tese, benéfica para os mais pobres, seria no caso em que o PIB do Brasil caísse sistematicamente, nos 20 anos de sua vigência. Nesse caso muito improvável, a aplicação efetiva do teto, também muito improvável, protegeria os serviços públicos de uma contração mais intensa.

 

A PEC 241 não prejudicará a Educação e a Saúde

 

 

A PEC 241 impõe um teto das despesas primárias, invariável em termos reais, calculado com base nas despesas de 2016. Portanto, a única maneira em que as despesas da Saúde e da Educação poderiam crescer, em termos reais, durante algum tempo, seria pelo corte real em outras áreas do gasto público e a realocação desses recursos.

Teriam de ocorrer cortes substanciais em Previdência, Assistência Social, Ciência e Tecnologia, Investimentos em Infraestrutura, Defesa etc. para compensar, parcialmente, as perdas que aconteceriam em Educação e Saúde.

É por isso que o governo golpista considera prioritária a Reforma da Previdência, que deverá conter, como já adiantado, previsões de cortes imediatos nos gastos, não apenas de gastos futuros. Também é por isso que já começou a campanha para “rever” o BPC e o próprio Bolsa Família. É por isso também que, para o governo golpista, a desvinculação dos benefícios previdenciários ao salário mínimo é vital.

Outro setor que deverá sofrer bastante também será o funcionalismo público, com a proibição de concursos e o congelamento dos salários. Recorde-se que, nos governos FHC, a maior parte das categorias do funcionalismo público ficou ser receber reajuste por oito anos.

Entretanto, a margem para a realocação de recursos se tornará cada vez mais estreita, à medida que os anos passem, pois o teto é fixo e se baseia no ano de 2016, que foi um ano de contração das despesas. Assim, as perdas serão crescentes e cumulativas.

Pode se ter uma dimensão das perdas que ocorreriam com uma simulação retrospectiva, comparado os gastos efetivamente realizados no período e os gastos que teriam sido praticados, caso a PEC 241 já estivesse em vigor.

No gráfico da página seguinte, faz-se uma comparação entre os gastos sociais efetivamente realizados entre 2003 e 2015 e os gastos que teriam sido realizados, caso a PEC 241 já estivesse em vigor. Os resultados são assustadores.

 

 

 

 

O prejuízo acumulado no total dos gastos sociais seria de R$ 3,2 trilhões, a preços de dezembro de 2015. Isso representa 54% do PIB de 2015. A redução, em relação ao gasto efetivo teria sido de 37%. Contudo, como as perdas são cumulativas, no último ano (2015), teríamos tido um gasto social total 55% menor do que efetivamente tivemos. Em outras palavras, se a PEC 241 estivesse em vigor desde 2003, nosso gasto social total seria menos da metade do que é hoje (45%).

Portanto, se quiséssemos manter um padrão semelhante de crescimento real das despesas de Saúde e Educação, num contexto de congelamento das despesas primárias por 20 anos, só poderíamos fazê-lo com a destruição dos outros setores. Mesmo assim, é provável que chegássemos ao final desse extenso período com saldo negativo.

O fato concreto é que, se a PEC 241 for aprovada, a cada ano haverá uma disputa terrível, entre as diversas áreas de governo, para ver quem vai perder menos e tentar se preservar. As áreas menos articuladas e mais frágeis obviamente perderão mais.

Temos de lembrar, de novo, como fizemos no início deste texto, que os serviços públicos no Brasil ainda são de qualidade ruim, comparativamente aos dos países mais desenvolvidos, e de universalização restrita, com gasto per capita relativamente reduzido, o que demanda o crescimento dos investimentos, como vinha fazendo o PT, não seu congelamento ou redução, como pretendem os golpistas.

Já demos o exemplo da Saúde. Damos agora o exemplo da Educação:

  • Cerca de 2,8 milhões de crianças e adolescentes entre 4 e 17 ainda estão fora da escola (PNAD-2014).

 

  • Ao redor de 600 mil crianças ainda não têm acesso a creches e pré-escolas (Observatório do Plano Nacional de Educação -PNE).

 

  • Apenas 42% das escolas de ensino básico oferecem turno integral (Observatório do PNE).

 

  • No que tange à qualidade da Educação Básica, o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) precisaria aumentar dos atuais 5,5 para 6, no Ensino Fundamental e de 3,7 para 5,2, no Ensino Médio. Tudo isso até 2021.

 

  • O gasto por aluno no Brasil, apesar da grande evolução recente, ainda é muito baixo, comparados aos dos países desenvolvidos. A média da OCDE é US$ 9.331, enquanto que no Brasil é US$ 3.441.

 

 

Por conseguinte, os gastos com Educação teriam de aumentar para fazer frente a esses desafios e cumprir as metas previstas no Plano Nacional de Educação. O Brasil não é o Japão, que limitou o crescimento de os gastos, mas que já tem educação de grande qualidade e população cadente.

 

No caso do Brasil, congelar não significa apenas parar no tempo, deixar de fazer os progressos necessários, significa regredir, pois a população aumentara é ainda há muita gente fora da escola. O gasto por aluno, que já não é bom, cairá.

 

As simulações prospectivas também indicam perdas significativas para a Saúde e a Educação, quando se comparam as despesas efetuadas com a PEC 241 e as que seriam feitas com as regras atuais, baseadas em pisos mínimos vinculados às receitas líquidas.

 

Comparação Gastos Educação (Piso Constitucional-18% RLI xPEC241)

 

 

Como se vê, mesmo a comparação com os pisos constitucionais mínimos mostra desvantagem gritante para a PEC 241. A mera aplicação do piso (18% das Receitas Liquidas) seria bem mais vantajosa que a aplicação da regra da PEC 241. No período, haveria perdas acumuladas de mais de R$ 13,3 bilhões. Salientamos que, no caso da Educação, os governos do PT investiram bem mais que os pisos mínimos.

No caso da Saúde, as perdas seriam ainda maiores, como se observa na tabela abaixo, elaborada pela Consultoria da Câmara dos Deputados.

 

Comparação dos Gastos com Saúde com a Legislação Atual (Receita Líquida Corrente) e com a PEC 241

 

Fonte: Consultoria de Orçamento-Câmara dos Deputados.

 

Nesse caso, as perdas chegariam a R$ 63 bilhões, em 2025. Somando as duas áreas, chegaríamos à conclusão de que as perdas, em 2025, somariam, em Educação e Saúde, R$ 76, 3 bilhões. Mas esse dado calcula a perda apenas em relação aos pisos mínimos existentes hoje. Ou seja, os pisos de hoje são bem mais vantajosos que o teto da PEC.

Lembramos que, na Educação, o governo do PT investiu R$ 54 bilhões a mais que o mínimo exigido constitucionalmente, apenas no período 2012-2015.

No caso da Assistência Social, a comparação do Ipea, mencionada neste texto, foi feita com base nos parâmetros atuais do crescimento de gastos da área. Por isso, as diferenças são muito maiores. Caso sejam feitas simulações do mesmo tipo para Educação e Saúde, as diferenças relativas à PEC 241 também serão muito mais significativas.

Outro fator que se tem de levar em consideração é que a Consultoria da Câmara dos deputados trabalhou com um cenário de crescimento do PIB bastante baixo, entre 2% e 3,5% do PIB, na maioria dos anos. No caso de um crescimento mais acelerado, os pisos constitucionais mínimos, atrelados à arrecadação tributária, seriam consideravelmente ampliados.

Na realidade, como se observa no gráfico abaixo, as despesas primárias, no caso de implantação da PEC 241, cairão, em proporção ao PIB, quanto mais forte for o crescimento do período.

 

Despesas Primárias como Proporção do PIB, Conforme o Crescimento Projetado para o Período de Vigência da PEC 241

 

Fonte: Consultoria da Câmara dos Deputados

 

Como se nota, quanto maior for o crescimento do período, menor a proporção das despesas primárias em relação ao PIB. No caso de um crescimento do PIB de 3% no período considerado, as despesas caem de 20% do PIB para 11% do PIB. Mesmo com um crescimento muito modesto (2% ao ano, em média), as despesas caem para 14% do PIB. Obviamente, as despesas só poderiam aumentar relativamente os PIB se houver decréscimo do PIB, nesses 20 anos de vigência da PEC 241.

Esse é um ponto importante para o debate da PEC 241, pois cria um paradoxo interessante.

O objetivo manifesto da PEC 241 é fazer o Brasil crescer de novo e gerar empregos. Portanto, ela será tão mais exitosa quanto mais o Brasil crescer. Porém, quanto mais o Brasil crescer, mais as despesas cairão, em relação ao PIB, pois elas estarão congeladas, em termos reais. Ao contrário, se a economia brasileira se reduzir, as despesas, como proporção do PIB, subirão.

Assim sendo, quanto mais exitosa for a PEC 241, mais ela encolherá, em termos relativos, o investimento público em Educação, Saúde e outras áreas. E, quanto mais ela fracassar, mais benéfica ela será para a ampliação relativa do investimento público.

No caso específico da Educação e da Saúde, esse descompasso se daria também, como vimos, em relação aos pisos mínimos, vinculados à arrecadação, que cresceriam mais quanto maior fosse o aumento do PIB. Quanto maior o aumento do PIB, maior o dano que a PEC 241 causará à Saúde e à Educação.

Assim sendo, o êxito da PEC 241 é o fracasso e a fragilização do investimento público.

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