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Carlos Alberto Mattos

Crítico, curador e pesquisador de cinema. Publica também no blog carmattos

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Cinema: 20 anos depois

Três crianças filmadas em 2002 são procuradas duas décadas mais tarde no documentário “Amanhã”, uma ilustração desafetada do abismo social brasileiro.

"Amanhã" (Foto: Divulgação)
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A Barragem Santa Lúcia, na região Centro-Sul de Belo Horizonte, é um divisor de classes na cidade. De um lado fica o bairro de classe média alta Vila Paris, com edifícios vistosos chamados Montmartre, Ville de Paris e lojas como Delícias Fit da Cris, Fiori Instituto de Beleza e Animal Pet BH. Do outro, ergue-se a favela do Morro do Papagaio com seus muitos botecos, lan houses e mais de 20 igrejas evangélicas. Em 2002, quando o país iniciava um ciclo virtuoso, Marcos Pimentel observou que os moradores dos dois lados da barragem não se misturavam. Ele resolveu, então, reunir duas crianças negras da favela e um menino do lado oposto para um experiência documental.

O material ficou guardado até que, 20 anos depois, quando novamente o Brasil prometia superar um período lamentável de sua história, Pimentel decidiu procurar os três personagens. Assim nascia Amanhã, documentário que estreou no recente É Tudo Verdade.

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As interações entre eles em 2002 eram relativamente tímidas. Julia, menina espevitada e inteligente, dominava as cenas, enquanto seu irmão Cristian constantemente fugia de casa e das filmagens. José Thomaz, o menino branco do “outro lado”, era retraído, talvez por nunca ter experimentado a liberdade dos amiguinhos da favela.

Duas décadas depois, a situação de Julia e Cristian espelhava muito do que se passou com a juventude menos assistida das grandes cidades brasileiras. Julia cresceu e se aquietou, teve dois filhos, formou-se cabeleireira e dedicou atenção e estilo ao seu corpo. Cristian, por sua vez, caiu na delinquência e cresceu entre abrigos e presídios. Para sorte do filme, saiu da prisão em 2022 e pôde reintegrar-se ao projeto, revelando talento de rapper e contando abertamente sua trajetória de pequenos crimes (algo que, segundo o diretor, ele fez questão de testemunhar no filme).

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Amanhã retraça o destino dessa família, com destaque para a perspectiva meio fatalista da mãe de Julia e Cristian: uma casa demolida pela prefeitura, um filho desviado do caminho certo, uma filha que não deve vir a repetir a sua sina.

Marcos Pimentel, com a conhecida sensibilidade demonstrada em filmes como Sopro, A Parte do Mundo que me Pertence, Os Ossos da Saudade e Fé e Fúria, captura os momentos de emoção das pessoas diante de suas imagens do passado e das evidências do presente. O cotejo entre os dois tempos, embora não seja objeto de ênfase na montagem, produz uma impressão forte no espectador, na medida em que colhe uma grande sinceridade dos personagens.

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Ao mesmo tempo, o documentário constrói uma expectativa interessante quanto à retomada do personagem de classe mais alta. O desfecho, em que pese o seu efeito sobre o filme e sobre os antigos amigos de filmagem, diz um bocado a respeito do abismo social brasileiro.

No entanto, não há dualismos simplórios quanto à polarização do país. Basta ver as posições de Julia e Cristian em relação aos governos do PT e de Bolsonaro. Os dois lados da barragem também podem se inverter, como sinalizam as imagens dos reflexos da favela e do bairro nas águas do lago.

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O próprio filme também passa por uma mudança significativa entre os dois momentos. Em 2002, a equipe era inteiramente composta por gente de fora da comunidade do morro. Em 2022, dois dos quatro técnicos principais eram do local. Se Pimentel quiser voltar aos personagens em 2042, e eles concordarem, talvez seja tudo muito diferente. Quem é que sabe o que será o amanhã?

>> Amanhã está nos cinemas.

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O trailer:

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