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Mateus Mendes

Bacharel em Geografia pela UFF e mestrando em Ciência Política – Política Mundial pela UniRio, professor da rede municipal de Duque de Caxias e diretor do Sepe-Duque de Caxias

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Gentili e o fascismo nosso de cada dia

Gentili é um fascista de primeira hora, quanto a isso, não resta dúvida. Mas talvez valha a pena demonstrar por que não há exagero em chamá-lo de fascista

(Foto: Nando Motta)
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Essa coluna conta com charge de Nando Motta, amigo de longa data e a quem a agradeço o presente e a parceria.

Desde o presidente Bolsonaro e seus ministros até o transeunte ou aquela pessoa do bar, passando pelo taxista, pelo colega de trabalho, e, claro, pelos policiais, o Brasil tem se mostrado fértil em demonstrações diárias da fascistização (isso não começou em janeiro de 2019, mas ganhou muita força de lá para cá). Para infelicidade geral da Nação e da Civilização, ser fascista parece um novo “esporte nacional”. Exibir a incivilidade é quesito importante nisso. O fascismo precisa dessas demonstrações por três razões: a opressão dos “inimigos” é parte constituinte do fascismo; elas atiçam a matilha e elas normalizam o fascismo.

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Gentili é um fascista de primeira hora, quanto a isso, não resta dúvida. Mas talvez valha a pena demonstrar por que não há exagero em chamá-lo de fascista.

Em “Como funciona do fascismo: a política do ‘nós’ contra ‘eles”, Jason Stanley dissecou o fascismo contemporâneo (ou “neofascismo”, como alguns preferem). Embora ele não cite o Brasil em nenhum momento, quem lê o livro se assusta com as semelhanças: se tirarmos os nomes, parece um estudo de caso. Pois bem, Gentili é um fascista de manual e essa recente declaração e sua autodefesa ilustram bem isso.

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O primeiro e mais óbvio é a defesa da sociedade patriarcal. O fascismo valoriza um passado mítico (sem trocadilhos) e se propõe a restabelecê-lo, afinal, lá as coisas estavam no seu devido lugar. Esses mitos variam de um lugar para o outro, mas sempre possuem como base a família patriarcal, na qual o homem manda na mulher. É isso que faz com que Gentili pense ter direito de opinar sobre o corpo de uma mulher. Não sei, e nem vem ao caso, se Marquezine perdeu ou ganhou peso e por quais motivos. Isso é irrelevante. O fato é que do alto de seus privilégios, Gentili se sentiu no direito de dizer que a atriz está patologicamente magra. Veja só, se a Marquezine estivesse “acima do peso”, ele também poderia ter dito que ela trocou o crack pela batata Crac. Na lógica fascista, isso é indiferente, o que importa é humilhar uma mulher. Afinal, ele estava em casa, sem fazer nada, e pensou: “Tá um bom dia pra oprimir alguém”.

Porém, há elementos menos óbvios. Os fascistas não suportam o “politicamente correto”. Desde os anos 1990, ativistas de extrema-direita estadunidenses reivindicam o direito de serem “politicamente incorretos”. Leandro Narloch, autor da ignóbil série de livros “Guia politicamente incorreto”, é uma referência da extrema-direita no Brasil, porém ele é sempre associado à vertente neoliberal dessa contrarrevolução pela qual o Brasil passa. Como se pode ver, não há muito como evitar que um neoliberal e um fascista sejam confundidos, afinal, eles têm as mesmas bandeiras e práticas. 

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Voltando ao Gentili, ele se defendeu exigindo o direito de ser “politicamente incorreto” e se diz vítima da intolerância. A política fascista opera tentando inverter a lógica ao transformar os privilegiados em oprimidos. Essa estratégia fascista costuma operar junto com a de usar a liberdade de expressão para oprimir. Gentili (ou qualquer fascista) fala uma atrocidade – seja racismo, machismo, preconceito de classe ou, como é muito comum, um combo. A seguir, chovem as críticas. Então, o fascista se defende com algum desses jargões: “é minha opinião”; “estão tentando me censurar”, “eu tenho o direito de falar o que eu quiser”, “quanta intolerância”, “era só uma piada” etc. 

Gentili se defendeu da seguinte forma: “Não posso zuar (sic) gorda. Não posso zuar (sic) magra. Me diga, quem vai sobrar pra eu fazer o nosso santo bullying do dia a dia?”. Reparemos que para ele tanto faz se por peso a mais ou a menos, o que ele quer é ter o direito de oprimir e está se sentindo oprimido por não poder exercer esse “direito”. Reparemos também que ele usa as palavras no feminino. Nossa língua tem no masculino a neutralidade (não vem ao caso aqui e agora o machismo de nossa gramática), logo, flexionar para o feminino foi uma ação deliberada. Finalmente, ele usou a palavra “bullying”, que é uma forma de opressão típica de crianças e adolescentes, faixas etárias que inspiram maior tolerância. 

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Quando um fascista pede tolerância, o que ele está fazendo é normalizar o fascismo, e a normalização é, quiçá, o aspecto mais perigoso do fascismo. Sempre que um fascista é acusado de ser fascista, ele se defende alegando que o que ele fez não é nada demais, que há exagero. Alguns chegam a minimizar o fascismo alegando que isso é “coisa do passado”. Pois bem, em 1995, Umberto Eco deu uma palestra intitulada O fascismo eterno. O nome não deixa dúvida, para Eco, o fascismo não é um fenômeno datado. Em dado momento, Eco, que viveu a infância sob o regime de Mussolini, sintetiza o porquê daquela palestra: “estamos aqui para recordar o que aconteceu e para declarar solenemente que ‘eles’ [os fascistas] não podem repetir o que fizeram”*.

O fascista diz que “não é bem assim”, “não me entenderam”, “fascista?! Que exagero!”. E algumas pessoas passam pano. Alguns o fazem por também serem fascistas e verem naquela declaração suas próprias opiniões, mas que (ainda) não têm coragem de pronunciá-las. Outros, por verem vantagem em que a matilha raivosa do fascismo esteja sendo excitada, com a vã ilusão de que os cães só devorarão quem gritou contra eles. Porém, a maioria se cala (ou vinha se calando) por não ter dimensão do problema. Nós fizemos isso por décadas. Aquele parente, colega ou amigo de infância, aquela pessoa próxima e querida que fala coisas fascistas e que nós sempre pensamos que não valia a pena chamar sua atenção: meu tio fala isso mas no fundo é gente boa. Pois bem, nós normalizamos o fascismo dia a dia e esse é o maior perigo.

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Com a palavras, Jason Stanley:

“O que a normalização faz é transformar o que é moralmente extraordinário em ordinário. Isso nos torna capazes de tolerar o que antes era intolerável, fazendo parecer que é assim que as coisas sempre foram. Em contrapartida, a palavra ‘fascista’ adquiriu um matiz de extremismo, como se fosse alarme falso. A normalização da ideologia fascista, por definição, faria com que as acusações de ‘fascismo’ parecessem uma reação exagerada, mesmo em sociedades cujas normas estão se transformando com base nessas linhas preocupantes. Normalização significa precisamente que a invasão de condições ideologicamente extremas não é reconhecida como tal porque elas parecem normais. A acusação de fascismo sempre parecerá extrema; ‘normalização’ significa que as regras do jogo para o uso legítimo de terminologia ‘extrema’ estão sempre mudando”**.

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*Umberto Eco: O fascismo eterno (2018), p. 21.

** Jason Stanley: Como funciona o fascismo (2019), p. 181.

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