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Helena Iono

Jornalista e produtora de TV, correspondente em Buenos Aires

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Hebe de Bonafini parte e deixa um legado eterno de luta pela dignidade, verdade, justiça e memória

Hebe de Bonafini (Foto: Reuters/Agustin Marcarian)
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Partiu Hebe de Bonafini, um ser humano especial, e líder imprescindível; mulher, madre despojada brutalmente de seus dois filhos, Jorge Omar e Raul Alfredo, pelos genocidas da ditadura cívico-militar argentina; foi um símbolo mundial de dor, amor, resistência e luta das mães, avós e familiares de mais de 30 mil desaparecidos. 

Desde 30 de abril de 1977, Hebe de Bonafini dirigiu e sintetizou até seus 93 anos a revolta e a coragem nascidas de 14 mães impulsionadas por Azucena Villaflor – sequestrada e desaparecida nos primórdios da criação da Associação das Mães da Praça de Maio – para nunca deixar de reivindicar o paradeiro e a memória dos seus filhos e filhas, manifestando-se com a rebeldia e ternura dos lenços brancos num percurso circular em torno à pirâmide da Praça de Maio, toda 5ª. Feira até os dias de hoje.

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Hoje, 24 de novembro, se realizará o 2.328ésimo giro multitudinário das mães na Praça, desde 1977, conduzindo as cinzas de Hebe que descansará na Praça de Maio conforme seu desejo. Tive a oportunidade de viver e documentar o histórico giro número 2.000 das Mães da Praça, realizado com a presença de Hebe, em 11 agosto de 2016, há 39 anos desde 1977. Agora, com a perda desta grande batalhadora, revivo com maior comoção. Vejam.

Hebe dizia que era uma mãe parida pelos seus filhos. Hebe reencontrou seus filhos lutando, reencarnando seus ideais de justiça social. De simples trabalhadora e dona de casa, transformou-se numa leoa pela justiça social. Não reivindicou a vida e os direitos humanos em abstrato, nem só a de seus filhos, mas combateu o neoliberalismo e o fascismo, e sobretudo, a impunidade não vencida dos repressores de lesa humanidade. Sua luta, como a de todas as mães e avós dos lenços brancos, é objeto e sujeito de um movimento mais amplo e forte como o peronismo. Não fosse este, que gerou também uma Eva Perón, um Néstor e Cristina Kirchner, as mobilizações anuais de todo 24 de março, denominadas pela “Verdade, Memória e Justiça”, não teriam tido a força que presenciamos em todas elas, sobretudo na era Macri.

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Que bom rever as imagens passadas que retratamos para a TV Comunitária de Brasília (arquivo) para sentir a potência do movimento pelos Direitos humanos e pela Verdade na Argentina, gerado pelas mães e avós, ao que se incorporaram filhos e netos dos desaparecidos. Hebe não morreu; deixou um legado que sempre renascerá das suas cinzas. Ela é criadora e produto da história. Vejam também estas imagens históricas.
Na maravilhosa video-entrevista a Tristan Bauer do Ministério da Cultura, de 6 de outubro de 2022, cerca de um mês antes de morrer, Hebe expressa serenidade e reflexão. Ela diz sobre a morte de Nestor Kirchner (que desde o início do seu governo em 2003 retirou o quadro do genocida Videla do Colégio Militar, e reativou os julgamentos para acabar com a impunidade dos crimes de lesa humanidade):

“Sempre se vão os imprescindíveis. Mas, restam os discursos; e, se você os escuta, são livros; livros de política”.  E Hebe foi também uma imprescindível. Há que estudar o seu legado, seus discursos, sua história para que seja parte da educação escolar; e sobretudo parte do debate político atual crítico e autocrítico dos projetos de governo da Frente de Todos, sobretudo no campo social e judicial.

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Hebe, quase ao final da entrevista diz: “Há tempos que venho dizendo que havia que fazer coisas; que nem tudo era fácil. Mas, somos um país que estamos sempre pedindo; sempre queremos mais e mais. O que fazíamos quando estávamos bem? Ficávamos todos sentados em casa.  Nós, as mães, não. Continuamos sempre na Praça. Diziam que estávamos loucas indo à Praça.  Não, não tínhamos nada comprado.  A vida não está comprada. E todos ficavam parados, já que estávamos bem; ao invés de cuidar o que tínhamos. Por isso foi que o Macri venceu, pois não cuidamos o que tínhamos. Ensinaram-nos que tínhamos um montão, mas não nos ensinaram a cuidá-lo. E isso tem que estar em cada um de nós. Nós temos que saber como nos cuidar. Como cuidar do que você tem. Não cuidando a nós mesmos, mas aos outros. E falando aos outros. Eu nunca deixei de falar à juventude.”

“A política é dar, não é pedir. A política é parte da tua vida. É como respirar, como ir ao médico, fazer umas análises. É a responsabilidade que você tem. Todos os dias é preciso fazer algo pela política, mas para os outros, não para si. Não para ascender, ou sentar numa poltrona e não saber o que fazer.”

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O pesar pela morte de Hebe Bonafini transcende as fronteiras; o movimento das mães e avós da Praça de Maio, jamais renunciou; visibilizou ao mundo uma das maiores e bárbaras repressões na América Latina causadas pelo Plano Condor. Paira no ar um sentimento de orfandade. Paira a consciência de que ainda há muito que fazer e que as mesmas corporações econômico-financeiras continuam vigentes e ameaçadoras. Abandonaram a farda militar e optaram pelo disfarce do Partido Judicial-Midiático, como tem alertado a vice-presidenta Cristina Kirchner, recentemente vítima de um falido atentado orquestrado por esse reciclado e impune poder de fato. Por isso Cristina Kirchner, diante de 70 mil militantes, na comemoração dos 50 anos da volta de Perón desde o exílio, no Estádio Único Armando Maradona de La Plata, fez um chamado aos riscos à vida democrática no país, denunciando a quebra do pacto democrático que está ocorrendo pela primeira vez depois da caída da ditadura. Convocou restabelecer o pacto democrático, e que nenhum partido político aceite essa quebra, pois seria retroceder a etapas pré-democráticas. Veja discurso.
Hebe foi-se nesse contexto conturbado, mas deixou um legado de luta e do que fazer.

Ao dizer no vídeo-entrevista a Tristan Bauer: “Cristina para mim é como uma filha. Eu a amo acima de tudo. Não me importa se é presidenta, ou vice-presidenta; mesmo que se não fosse mais nada, não me importa. Ela é o que é. É como uma filha.; com isso, Hebe não deixou um mimo, mas um aviso de que há que cuidar a minha filha, Cristina (claramente ameaçada de morte), com a mesma preocupação que teve com seus filhos. Tudo lhe pode ocorrer, porque já sabemos o que ela é (a maior líder nacional e popular), pelo que já fez e poderá fazer.

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Mas, Cristina Kirchner, além de filha e mãe é a vice-presidenta, está firme na luta, com a mesma fibra e sintonia fina de Hebe de Bonafini. E pelo que já fez nos seus governos passados e poderá fazer agora e no futuro, numa possível e não excluída candidatura presidencial (2023), Cristina Kirchner, haverá de encarnar e continuar todas a mães da Praça de Maio, defendendo todos os filhos e filhas da pátria;  assume a responsabilidade de ser a primeira a comunicar ao país por twitter a morte de Hebe de Bonafini, como família e governo:  “Queridíssima Hebe, Madre de Praça de Maio, símbolo mundial da luta pelos Direitos Humanos, orgulho da Argentina. Deus te chamou no dia da Soberania Nacional... não deve ser causalidade. Simplesmente, obrigada e até sempre!.” Dia 20 foi dia da Soberania Nacional na Argentina. Hebe de Bonafini, presente!

Hoje, 24 de novembro se realiza o giro número 2.328 das Mães da Praça de Maio sem a presença física de Hebe de Bonafini. Mas, seus ideais e sentimentos de luta, harmonizados com os de Pablo Milanês estarão presentes nos milhares de gritos, hinos e cânticos. 

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Yo pisaré las calles nuevamente
De lo que fue Santiago ensangrentada
En una hermosa plaza liberada
Me detendré a llorar por los ausentes

H. Iono

Desde Buenos Aires

24 de novembro de 2022

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