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Renata Barbosa

Renata Barbosa é cientista política

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Indígenas brasileiros sofrem maior ataque da história

A maior preocupação do cacique Pedro em relação à terra indígena de Tekoha Dje'y (Rio Pequeno), em processo de demarcação, se deve aos ataques, cada vez mais frequentes e intensos, por parte dos posseiros

Vice-cacique denuncia ação violenta de posseiros (Foto: Reprodução)
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Ao chegar à terra indígena guarani Piraqueaçu, em Santa Cruz, no Espírito Santo, em meio a uma vegetação densa e preservada da Mata Atlântica, encontrei-me com Karaí Peru - o cacique Pedro. Sentamo-nos a uma mesa em frente ao Piraqueaçu- rio, que sofreu com a contaminação de minério resultante do rompimento da barragem em Mariana, MG, em 2015, onde ainda não foram restituídas aos indígenas as devidas indenizações pela Samarco. Aos 51 anos e com olhar triste, Cacique Pedro enumerava outros problemas que também enfrenta nos dias de hoje: a morosidade do processo de demarcação de terras guarani do Rio Pequeno, em Paraty, RJ; o desmonte da FUNAI; e a política de extermínio indígena do governo. 

Lembrei-me de haver recebido, em 2013, uma premiação pelo melhor relatório em uma competição internacional no Fórum Indígena da ONU, em NY, no qual defendi os direitos da população nativa à terra e a recursos, preservação de sua cultura e autodeterminação.  Havia criticado a atuação de Bangladesh, que discriminava sua minoria indígena, os Pahari. Agora, meus pensamentos se voltavam às violações dos direitos de 305 povos indígenas no Brasil. Bangladesh era aqui.

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A ESCALADA DO CONFLITO EM PARATY 

A maior preocupação do cacique Pedro em relação à terra indígena de Tekoha Dje'y (Rio Pequeno), em processo de demarcação, se deve aos ataques, cada vez mais frequentes e intensos, por parte dos posseiros - que promovem caça ilícita, desmatamento e venda ilegal de terras. Na última semana, pessoas armadas vêm invadindo sua área, ameaçando-os, e cartuchos de balas já foram encontrados no local. A vice-cacique de Paraty, Kunhá Taqua (cujo nome em português é Neusa Mendonça Martine), irmã da esposa do cacique Pedro, e que está à frente da comunidade, relatou-me que a discriminação contra os indígenas vem aumentando. “Antes as pessoas só pensavam mal da gente, mas, agora, como é permitido abertamente o preconceito contra nosso povo, neste governo, as ações de violência estão sendo postas em prática.”

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Em 2017, foi lançado no Diário Oficial da União, o reconhecimento da ocupação permanente dessa terra indígena do Rio Pequeno pelos povos indígenas guarani, depois de terminado o processo de identificação de terra pela FUNAI. Porém, a demanda encontra-se ainda no Ministério da Justiça. Um processo de contestação, criado pelo então prefeito de Paraty Carlos Miranda e o vice-prefeito Luciano Vidal, ambos do MDB, foi expedido ao Ministro da Justiça Torquato Jardim, em 2017. Desde então, a área a ser demarcada está ficando cada vez mais povoada por novos moradores não indígenas. 

Recentemente, a contar a partir de agosto deste ano, o Ministério Público determinou um período de 24 meses para conclusão do procedimento. De acordo com o processo de demarcação de terras indígenas, após a assinatura da portaria Declaratória do Ministro da Justiça, ela ainda terá que passar pelo presidente. Só depois disso, é que as terras serão homologadas.   

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O atual prefeito, desde 2019, Luciano Vidal, gravou um vídeo no Facebook datado de 23 deste mês, se posicionando contra a homologação das terras. “Inclusive, já agendamos uma reunião com um representante da Presidência da República e Ministério da Justiça para encaminhar esse processo.” 

Lembrando que, em 2016, o então vice-prefeito, Luciano Vidal, teve seu mandato cassado, juntamente com o prefeito, Carlos Miranda. O afastamento do prefeito foi devido ao programa social “Paraty, Minha Casa É Aqui”, que concedeu direito à utilização de terras públicas a cidadãos dos municípios para se promoverem na campanha eleitoral. 

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O DESMANCHE DA FUNAI

A verba da FUNAI representa apenas 3,3% do orçamento total do Ministério da Justiça e 0.02% do orçamento total da União. Para o pressuposto de 2020, houve uma queda alarmante de recursos destinados à demarcação de terras, assim como, cortes no quadro de funcionários. Para se ter uma ideia, devido à falta de fiscalização, foram identificados 59% de desmatamentos em terras indígenas durante a pandemia, de acordo com os dados do Greenpeace.

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Com a instrução Normativa nº 9/2020 da FUNAI, publicada em abril deste ano, consideram-se terras indígenas apenas as que já foram homologadas, e não, as pendentes de homologação. Esse status permite a escalada de invasões, exploração e comercialização dessas terras, o que, consequentemente, aumenta a violência e assassinatos contra indígenas, em números nunca vistos anteriormente. 

A POLÍTICA ANTI-INDIGENISTA DO GOVERNO 

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A exemplo do Rio Pequeno, em Paraty, há mais de 100 territórios em diferentes fases de processo de demarcação de terras. Para agravar a situação dos povos originários, já sem o devido apoio da FUNAI, que está aparelhada com o governo, Bolsonaro afirmou que não pretende demarcar “um centímetro” de terra. Além disso, o presidente quer reverter a demarcação de 273 terras indígenas no Brasil. 

Essas políticas anti-indigenistas vão contra vários artigos da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, e da Convenção nº 169 da OIT – ambas ratificadas pelo Brasil. Além disso, fere a própria Constituição Federal quanto ao artigo 231 e 232.  Ademais, já foi deferida a emenda à Constituição PEC 215/2000 (pronta para pauta no Plenário) na qual o poder de demarcação de terras passaria para o Congresso- o que favorece as ações da bancada ruralista de desmatamento em prol do setor agropecuário. É importante lembrar que Bolsonaro tentou até transferir a FUNAI para o Ministério da Agricultura, em 2019, cuja ministra, Tereza Cristina, foi líder da bancada ruralista. 

Para o cargo de Ministério da Justiça, Bolsonaro nomeou um ministro “terrivelmente evangélico”, André Mendonça. A insistência dos missionários evangélicos em converter o indígena ao cristianismo é contra a diversidade cultural.  Mendonça, também, defende o Marco Temporal- em que se reconhecem as terras indígenas ocupadas apenas antes da Constituição de 1988. 

Já para a presidência da FUNAI, Bolsonaro indicou o delegado Marcelo Augusto Xavier. Das 39 coordenações da entidade no país, 20 trocas serão concluídas, e em muitas dessas localidades, especialistas em políticas indigenistas serão substituídos por militares e nomeações políticas em sua gestão. 

EXTERMÍNIO?

Ao final de uma semana em que tive contato com a aldeia, vimos Bolsonaro subir ao púlpito da ONU e acusar os povos indígenas de serem os responsáveis pelas queimadas na Amazônia e Pantanal. O silêncio entre o cacique Pedro e eu foi mais forte que a indignação. Neste momento, lembrei-me de outra declaração sua que afirmava que “o índio está evoluindo” e “cada vez mais, é um ser humano igual a nós”. Não pude deixar de associar a causa indígena no Brasil com a guerra civil em Ruanda; onde os Hutus, em uma tentativa de desumanizar os Tutsis, os chamavam de inyenzi (baratas)- assim, era mais fácil exterminar os “insetos”.  Da mesma forma, Bolsonaro despersonifica os indígenas no Brasil-  assim, fica mais fácil exterminar os “quase” humanos. 

Assim como em Rio Pequeno, em Paraty, centenas de outras terras indígenas estão ameaçadas em seus direitos já outorgados; pelo interesse de políticos, empreiteiros, ruralistas, e madeireiros. 

E é devido às derrotas do nosso povo que entendemos nosso lugar na sociedade diante da personificação do mito e obediência cega ao patriarcado violento, calúnias e ameaças compartilhadas contra opositores, e a revolta infantilizada de quem não sabe como reagir- afinal, são outros países do mundo que lutam mais por nossa preservação do que nós mesmos. Talvez, seja por essas condições que tenhamos tantas definições políticas para este governo: kakropolítica, necropolítica, claptopolítica e plutocracia. Contudo, apesar de nossas limitações, genocídio e extermínio não deveriam nunca mais fazer parte de nosso vocabulário. 

Termino este trabalho com as palavras que o cacique Pedro me havia dito, em outro momento, pela resposta não dada às acusações de Bolsonaro aos indígenas na ONU:

“A vida nossa tá aí dentro das matas, e as matas têm nossas vidas. A gente não pode cortar as árvores, porque o índio vai chorar também”. 

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