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Dilermando Toni

Jornalista, ex-editor de A Classe Operária, autor na revista Princípios. Foi membro da direção nacional do PCdoB.

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João Amazonas e o programa socialista para o Brasil

Neste dia 18 de fevereiro completam-se 61 anos desde que o Partido Comunista do Brasil foi reorganizado

João Amazonas (Foto: Divulgação)
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Por Dilermando Toni, 247 - Neste dia 18 de fevereiro completam-se 61 anos desde que o Partido Comunista do Brasil foi reorganizado. Fato histórico que, pelo significado dos seus desdobramentos, pode ser comparado à fundação do partido em 25 de Março de 1922. Ao lembrá-lo é necessário ressaltar o papel de João Amazonas, artífice central daqueles acontecimentos e, mesmo que brevemente, destacar o aspecto central de suas contribuições posteriores.

I

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A reorganização impôs-se como uma necessidade imperiosa para a sobrevivência do partido pois que, como reflexo dos acontecimentos anti-socialistas na URSS de meados da década de 1950, assim como, aqui no Brasil, como reflexo da pressão da possibilidade de desenvolvimento capitalista periférico, uma grande onda revisionista empolgou a maioria da direção partidária e pretendeu transformá-lo em uma organização reformista. Nome, símbolo, princípios como o centralismo democrático e o internacionalismo proletário, mas sobretudo o programa foram colocados em cheque e desfigurados. A Declaração Programática de Março de 1958 foi passo importante dessa luta entre Reforma e Revolução, abrindo o caminho para o abandono dos princípios. A verdade parecia estar ao lado da ampla maioria adaptacionista.

Assim, para que fosse preservada a identidade revolucionária do partido dos comunistas, foi que alguns dirigentes e um punhado de militantes que resistiam àquelas transformações revisionistas resolveram reorganizar o partido, mantendo seu nome original, adotando um programa revolucionário, preservando princípios basilares. Dessa forma estava garantido que a luta pelo socialismo científico pelo qual se bate o partido comunista, teria continuidade e consequência no Brasil.

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Foi desse ato ousado e heróico que desdobrou-se a bela trajetória percorrida pelo agora centenário PCdoB. À frente desses homens e mulheres com largo descortínio revolucionário estava a figura de João Amazonas que, a partir daquela data, esteve à frente da organização dos comunistas do PCdoB por mais de 30 anos. Muitas batalhas, práticas e teóricas esse notável estrategista dirigiu neste período, sempre combinando a flexibilidade tática com a radicalidade necessária.  Pode-se lembrar, a gloriosa guerrilha do Araguaia, a orientação certeira para o fim da ditadura militar, as contribuições valiosas para a Constituição de 88, o início da aliança estratégica com o Partido dos Trabalhadores a partir de 1989, a incessante luta contra o revisionismo contemporâneo, a reafirmação do socialismo e do partido comunista como necessidades históricas em 1992 quando supostamente o liberalismo havia sido vitorioso definitivamente sobre o socialismo a partir da dèbacle da URSS em 1991.

No entanto, a meu ver, foi um pouco mais tarde, em 1995, poucos anos antes de sua morte que surgiu o mais significativo aporte teórico de Amazonas, entre todas as importantíssimas contribuições dadas, qual seja a formulação do Programa Socialista do PCdoB para o Brasil. Procurar entender a ideia central de Amazonas e como ele chegou àquelas propostas tem hoje, passados quase 30 anos, um papel fundamental porque pode nos dar a chave para superar as vicissitudes pelas quais passa o partido.

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Todo o acúmulo de dezenas de anos de experiência prática e estudos aprofundados da realidade brasileira e mundial confluíram para a formulação do Programa Socialista de 95. Aí está condensada a essência do pensamento revolucionário de João Amazonas. O Programa surgiu superando a concepção etapista arraigada até então no pensamento partidário, empalmando uma nova concepção da transição do capitalismo ao socialismo em nosso país, concluindo que o socialismo está na ordem-do-dia e propondo a palavra-de-ordem de Socialismo-Já para o Brasil. Foi aprovado com entusiasmo pela 8ª Conferência Nacional do PCdoB realizada em Agosto de 1995.

A revista Princípios de janeiro de 1996, publicou o artigo A Transição ao Comunismo Requer Correta Orientação Marxista que foi a intervenção que Amazonas havia proferido na 8ª Conferência.  Ali ele explica, passo a passo, a trajetória de suas propostas. Inicialmente, passa em revista criticamente as construções programáticas de 1954, no 4º Congresso e de 1962, na 5 Conferência do Partido. Além disso, procurando escoimar radicalmente o dogmatismo do modelo único de revolução e de socialismo a partir do paradigma soviético, debruçasse sobre a experiência da construção do socialismo chegando a uma conclusão fundamental. Diz ele:

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“No exame dos acontecimentos negativos verificados na União Soviética, que culminaram com a volta ao capitalismo, detivemo-nos particularmente numa questão que julgamos decisiva à compreensão dos erros cometidos na construção do socialismo, e que poderia ter grande importância na elaboração do nosso Programa Socialista. Referimo-nos ao período de transição. É um tema pouco estudado e pouco analisado criticamente. No entanto, a experiência vai mostrando que aqui reside uma questão-chave para elucidar variados problemas da revolução e da edificação da nova sociedade.”

A partir daí Amazonas centra suas atenções sobre as preciosas indicações de Lênin para o período de transição. O que era a preocupação central de Lênin quedou relegado a um segundo plano depois de sua morte. Daí sobrevieram várias diretrizes erradas que palmilharam o terreno para que mais tarde o revisionismo fosse vitorioso praticamente sem resistências.

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A conclusão central a que chegou Amazonas foi de que não há modelo único de transição, de revolução e de construção do socialismo que devem corresponder à realidade objetiva de cada país, cujos prazos não podem ter curta duração, período em que continua uma renhida luta de classes.

Amazonas escreveu ainda que a implantação por etapas do sistema socialista se ajusta “perfeitamente ao caminho revolucionário” e que o Programa está voltado para a fase preliminar, de transição do capitalismo ao socialismo, abordando os “problemas iniciais da construção do socialismo”.

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Conclui com a seguinte síntese:

“O Programa apresenta soluções originais visando a construção socialista. É o caso da terra, da reforma urbana, da participação das massas na administração pública, da criação de comunidades socialistas, da estruturação das forças armadas. A questão essencial é o poder nas mãos das forças progressistas, um poder novo, apoiado pelas amplas massas trabalhadoras e populares, sob a firme direção do Partido Comunista. Cria-se um Estado democrático que assegure as liberdades para o povo, respeite as divergências que não afetem o novo sistema e resguarde a legalidade socialista”.

Merecem destaque especial os pontos 38 e 39 do Programa que contêm, entre outras, as propostas de uma República de trabalhadores e de amplas massas do povo, um Estado de cunho democrático, mas não liberal, Estado de direito no sentido de que se regerá por leis estabelecidas pelos órgãos eletivos e manterá a legalidade socialista, cujo órgão supremo é a Assembléia Nacional formada por mandatários eleitos em todo o país. Um Judiciário composto por tribunais e juízes eleitos pelo povo para assegurar justiça rápida e gratuita. Um Regime político de amplas liberdades para o povo, direito de greve, respeito às divergências e às contestações às diretivas do governo, combate ao racismo, à discriminação religiosa, igualdade de gênero, defesa e demarcação de terras indígenas.

Há ainda pontos essenciais em relação aos direitos trabalhistas, à construção econômica através da organização da economia socialista, onde se lê que além de uma economia coletiva, haverá espaço para o desenvolvimento do capitalismo e que serão mantidos os mecanismos de mercado. Mas os bancos serão nacionalizados, bem como os portos e os meios de transporte essenciais. A base da economia socialista será constituída pelas empresas de caráter estratégico, usinas de energia elétrica, o sistema de telecomunicação, correios, recursos estratégicos do solo e do subsolo.

Além dos pontos aqui abordados, o Programa Socialista contém muitas outras propostas interessantes e pertinentes para os seguintes títulos: Desenvolvimento Agrário, Questão Habitacional, Bem-Estar Social e Defesa Ambiental, Desenvolvimento Cultural e Ciência e Tecnologia.

Mas o histórico documento aborda ao lado do corpo do Programa propriamente dito, como um capítulo à parte, a questão do caminho para se alcançar o socialismo no Brasil. Está no ponto 94 do Programa essa pérola norteadora: “Defendendo as ideias socialistas, para esclarecer e educar os trabalhadores e as massas populares, os comunistas estarão presentes nos pequenos e nos grandes combates que envolvam o povo, sejam por motivos políticos, sejam por reivindicações econômicas e sociais.” Isto está em perfeita consonância com o pensamento exposto no Manifesto do Partido Comunista de 1848 por Marx e Engels que lá escreveram: [Os comunistas] “lutam para alcançar os fins e interesses imediatos da classe operária, mas no movimento presente representam simultaneamente o futuro do movimento”Nesse sentido destaca o significado primordial da defesa da soberania nacional, da democratização ampla e profunda da vida do país e dos reclamos da questão social em constante agravamento. Todo um ponto do capítulo Caminho para se Alcançar o Socialismo está dedicado à importância que tem a luta parlamentar e eleitoral.

II

Esse Programa esteve em vigor até 2009 quando foi aprovado um novo Programa ou uma nova versão do Programa Socialista, no 12º Congresso do PCdoB. Nessa elaboração aborda-se a questão da construção da Nação brasileira através de sucessivos ciclos civilizacionais, colocando o socialismo como a solução para a construção de um terceiro ciclo, em meio à profunda crise que o país enfrenta. Faz a reafirmação do ideal socialista enunciando-o como solução de fundo para os problemas brasileiros e apresenta como novidade uma detalhada proposta de caminho para se alcançar o objetivo estratégico socialista, consubstanciada naquilo que se chamou de um Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento ou NPND. Em síntese o novo Programa reafirma genericamente o objetivo estratégico, mas centra esforços em desvendar que caminhos poderiam viabilizá-lo.

Assim, o NPND ganha vida própria e status de programa com a justificativa de que as propostas socialistas do Programa de 1995, agora drasticamente reduzidas, estavam distantes da luta concreta. Acredito que pode ter contribuído para isto, como pressão, o fato de que o país estava sob um governo progressista, o segundo governo Lula, que contava com a participação dos comunistas como força minoritária na administração e onde se tinha a necessidade de apresentar propostas para problemas concretos. 

Sem dúvida é correto que os comunistas tenham plataformas mínimas consoantes com o nível da luta, em cada momento. Nesse sentido o projeto de desenvolvimento é positivo. O mesmo se pode dizer da plataforma que o Partido sugeriu no recente período eleitoral.  No entanto, o chamado caminho brasileiro para o socialismo não deve sobrepujar ou  nublar a estratégia, criando um fosso, ou uma etapa, entre objetivo e caminho. A avaliação que faço é que a tentativa de harmonizá-los não foi bem sucedida, caindo-se no extremo oposto. 

Dessa maneira o Partido Comunista deixa de se distinguir como força de vanguarda, não apresentando alternativas mais de fundo para a sociedade brasileira, ou seja, a alternativa socialista. Correndo o risco de cair no lugar comum de partidos democrático-nacionais como o PT, PSOL, PSB ou PDT.

Isso se pode ver, por exemplo, pelas campanhas eleitorais que ocupam boa parte das energias partidárias. Nas plataformas ou programas de candidatos comunistas praticamente não aparecem preocupações ou propostas de caráter socialista ao lado das propostas reivindicatórias.

Cabe a pergunta: agora, com a vitória de Lula sobre o neofascismo o PCdoB luta para que o projeto de reconstrução do Brasil do governo Lula se aproxime ao máximo do NPND, enfatizando aí a questão da reindustrialização do país. Será que a luta por um Brasil socialista se resume a isto neste momento?

No meu modo de ver, está exatamente nisso a raiz das dificuldades pelas quais passa o PCdoB, como a votação reduzida sucessivamente, a mais da metade, o afastamento das massas proletárias e populares, a falta de perspectiva revolucionária em setores dirigentes do Partido, a lassidão organizativa. Concluindo, não atribuo esses problemas à orientação tática de frente ampla ou a meros erros de condução de campanha ou ainda à uma importância excessiva ao trabalho institucional. Estes são problemas, porém menores frente à lacuna programática socialista do PCdoB.

III

Por isso considero de suma importância que se jogue luz sobre o pensamento programático de João Amazonas, seu principal legado, partindo da ideia de que o socialismo está na ordem do dia, desfraldando a bandeira do socialismo, propondo a alternativa socialista, propagandeando o socialismo vitorioso em várias partes do mundo. Cotidianamente. Entendendo toda a dimensão dos ensinamentos sobre a transição ao socialismo que é a essência do pensamento programático de Amazonas. Que seria um socialismo híbrido na economia sob a égide do setor público estatal, dirigido por partidos de esquerda, com participação destacada do partido comunista, com ampla democracia, soberania nacional e bem-estar  do povo brasileiro. A luta por um regime com essas características pode angariar o apoio de amplos setores sociais e pode representar um grande avanço na construção da nação brasileira.

Afim de dar força a este argumento levanto algumas circunstâncias favoráveis em que se dá a luta pelo socialismo no Brasil de hoje.

O mundo vive uma nova era. Um dos grandes polos do mundo policêntrico que emerge é a China socialista. Se Amazonas procurou retirar lições da experiência soviética derrotada e dos ensinamentos de Lênin, hoje é fundamental que se analise a experiência vitoriosa de quase 75 anos da China e as contribuições dos seus líderes, destacadamente as de Xi Jinping. Muitos ainda não se deram conta de que há um outro mundo contraposto ao mundo Ocidental, que cresce, se fortalece e não aceita mais os ditames do imperialismo dos EUA. O cerne deste outro mundo é a solenemente declarada “aliança infinita” entre a maior potência nuclear do planeta, a Rússia, e a multifacetada poderosa China socialista. As grandiosas vitórias do socialismo na China trazem à baila, independente da vontade de quem quer que seja, a discussão do socialismo. Quase uma imposição. Não é sem motivo, portanto, o grande sucesso alcançado por alguns intelectuais comunistas e canais de redes sociais que têm se ocupado em divulgar o socialismo chinês e as características vivas do mundo multipolar que ora emerge. 

A ideia do socialismo insiste em aparecer em ondas na América Latina. Sob as mais variadas formas e vertentes, com vitórias e derrotas. Cuba durante muitos anos manteve-se heroicamente como o único país socialista no continente americano. Mas, de algum tempo para cá surgiram experiências na Venezuela, na Bolívia e no Equador naquilo que se convencionou chamar de Socialismo do Século XXI. Mais recentemente uma nova maré de governos progressistas, genericamente chamados de esquerda, ganhou corpo no continente latino-americano, geralmente em oposição ao neoliberalismo e, em certa medida, de caráter anti-imperialista. Esse fato pode ajudar ou aproximar a luta pelo socialismo.

O capitalismo brasileiro tem várias características que facilitam a abordagem do socialismo. Estatais estratégicas, na produção de energia sobretudo, nas finanças, no campo da pesquisa científica, no sistema de saúde pública e outros que podem se constituir em uma forte base para o desenvolvimento socialista e seu financiamento. Mas não é só isso, possui também um setor produtivo e comercial privado de pequeno, médio e grande porte que pode majoritariamente se aliar na construção na nova sociedade. Embora fortemente atacado pelo governo anterior o setor estatal, público resistiu e manteve-se preservado. 

A recente eleição de Lula no Brasil que se deu no enfrentamento do neo fascismo contrapondo-lhe uma ampla frente democrática cria um terreno mais favorável ao florescimento da discussão e das proposições socialistas. Essa necessidade virá à tona frequentemente com os impasses gerados tanto no superado sistema político, de instabilidades, de golpes e tentativas de golpes frequentes quanto pelas contradições agudas com o capital financeiro/BC e a oligarquia financeira que estão a impedir o crescimento do país.

O proletariado brasileiro já tem uma expressão e uma experiência política significativa através de partidos e organizações que o representam. Destacadamente o PT, nos últimos 40 anos. Partido democrático reformista surgido na luta operária ao qual acorreram intelectuais socialistas de diversos matizes tem sido fundamental nesse início de século. A direita e a classe dominante brasileira tem feito de tudo para isolá-lo e destruí-lo. Em vão, porque representa uma numerosa classe social com a qual mantém sólidos vínculos. O PT e suas correntes podem ter papel destacado na saga brasileira ao socialismo.O país está mergulhado estruturalmente em profunda crise social na qual sobressaem as brutais desigualdades de riqueza e de renda, as maiores do mundo. Isso gera uma situação de insatisfação popular permanente e crescente que, se corretamente orientado, pode se constituir em força questionadora e transformadora do capitalismo. 

A existência de um Partido Comunista maduro, voltado à grande política, com firmes propósitos transformadores, destemido no enfrentamento do anticomunismo da ultra-direita, é o fator decisivo para que a luta pelo socialismo no Brasil seja vitoriosa. A proposta da alternativa socialista concreta para o Brasil de hoje é o que pode tornar esse partido distinto, mais influente e preparado para as batalhas revolucionárias.

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