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Camilo Vannuchi

Jornalista, escritor, mestre e doutorando em Ciências da Comunicação pela USP, membro da Comissão Municipal da Verdade da Prefeitura de São Paulo

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Marty McFly em "De volta para a Idade Média"

Deu defeito na máquina do tempo e Marty McFly veio parar no Brasil. O que ele encontrou ao desembarcar no futurístico 21 de outubro de 2015 foi um cenário de trevas

Deu defeito na máquina do tempo e Marty McFly veio parar no Brasil. O que ele encontrou ao desembarcar no futurístico 21 de outubro de 2015 foi um cenário de trevas (Foto: Camilo Vannuchi)
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Deu defeito na máquina do tempo e Marty McFly veio parar no Brasil.

Nada de skate que voa nem motor de carro alimentado com lixo. O que Marty McFly encontrou ao desembarcar no Brasil no futurístico 21 de outubro de 2015 foi um cenário de trevas. O que ele viu naquele e nos dias que se seguiram?

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1) Uma menina de 12 anos, participante de um reality show de culinária, é alvo de assédio sexual nas redes sociais. Ogros não precisam de mais de 140 caracteres para esculpir pérolas como "se tiver consenso é pedofilia?" ou "manda nude". O episódio inspirou a ONG Think Olga a promover uma campanha que convoca as mulheres a compartilhar experiências pessoais no Twitter e no Facebook, acompanhadas da hashtag #PrimeiroAssedio. A onda de relatos evidencia a revoltante frequência com que garotas ainda mais novas são vítimas de assédio ou abuso sexual, seja no transporte público, na escola ou em casa, agredidas na maioria das vezes por familiares ou amigos próximos dos pais. Se Marty McFly ainda tinha alguma dúvida sobre a permanência da cultura machista através das décadas, suas dúvidas sumiram em menos de 2 minutos.

2) Deputados aprovam na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara um projeto de lei que intensifica a criminalização do aborto e proíbe as mulheres de obter atendimento e orientação médica. Mesmo quando vítimas de estupro. O PL é de autoria de um famoso deputado do Rio de Janeiro que preside a Casa, tem contas na Suíça e está enrolado até o pescoço em denúncias de corrupção. O projeto estabelece pena de até 10 anos de reclusão ao profissional de saúde que responder a qualquer pergunta sobre o assunto durante uma consulta, condenando a paciente à desinformação, o que pode servir para aumentar o número de abortos clandestinos e mal feitos, de volta às agulhas de tricô. Dependendo da regulamentação, é provável que a pílula do dia seguinte também seja proibida, caracterizada como método abortivo, inclusive para vítimas de estupro. Neste caso, as mulheres terão de apresentar boletim de ocorrência e laudo médico comprovando a violência para serem submetidas ao aborto legal, mais perigoso, demorado e oneroso do que a profilaxia da gravidez por meio da pílula do dia seguinte. Ou seja: homens, para variar, legislando sobre o corpo das mulheres e decidindo seu futuro. Em nome de Deus e em defesa da vida, é claro.

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3) Criminalização da heterofobia entra na pauta da Comissão de Direitos Humanos e Minorias. Mais um Projeto de Lei da lavra do excelentíssimo presidente da Câmara dos Deputados, o PL era o quinto e último tema a ser votado na comissão no dia 21 de outubro. Não deu tempo. A justificativa do autor do projeto, membro da bancada evangélica e dono de contas milionárias na Suíça, é que "maiorias também podem ser vítimas de discriminação". Ele está certo. As mulheres, por exemplo, são maioria e sofrem discriminação. Não é o caso, no entanto, dos heterossexuais, como lembra a relatora do projeto na comissão, deputada Érika Kokay. "Não se vêem relatos na mídia de grupos de homossexuais atacando heterossexuais nas ruas", diz o relatório. "Igualmente, não se tem notícia de que casais andando de mãos dadas tenham sido agredidos por esse motivo. (...) Ninguém é discriminado em uma entrevista de emprego por ser heterossexual. Também não há relatos de que pessoas tenham sido impedidas de frequentar determinados ambientes abertos ao público por serem heterossexuais." A relatora conclui seu voto dizendo afirmando que, sendo assim, "não há motivo para se criarem novas leis para proteger quem já se acha devidamente protegido e resguardado". O autor do projeto discorda. Segundo ele, é preciso que o Estado contemple também os heterossexuais nas campanhas contra a discriminação, nas políticas públicas antidiscriminatórias. Uma lei se faz necessária, ele diz, para punir estabelecimentos comerciais que discriminem pessoas em função de sua heterossexualidade, bem como pessoas ou empresas que venham a proibir a permanência de uma pessoa heterossexual em qualquer ambiente ou estabelecimento, público ou privado. Coitadinhos dos héteros.

4) Aprovada na Câmara dos Deputados projeto de lei que permite a universidades públicas cobrar mensalidade nos cursos de pós-graduação. A captura dos direitos sociais pelo poder econômico não tem limites. Se depender da maior parte do Congresso Nacional, a pátria educadora tem tudo para selar seu destino de pária educadora. Após 13 anos de políticas públicas voltadas à inclusão das camadas mais pobres no ensino superior, por meio de instrumentos de gratuidade ou financiamento, como o Prouni e o Fies, e a inauguração de uma pelo menos uma dezena de novas universidades federais, o governo do PT esbarra agora num retrocesso importante originado no Poder Legislativo. E, pasme, com o apoio de 14 parlamentares do PT. Até McFly ficou confuso. Jair Bolsonaro votou contra e 14 deputados e deputadas do PT votaram a favor. Como assim? O argumento de quem defende a proposta é que a cobrança não afeta os cursos de pós graduação stricto sensu, de mestrado e doutorado, apenas as disciplinas lato sensu, e que sua aprovação não determina que todos os cursos nessa modalidade serão cobrados. O lado bom é que as mensalidades ajudariam a cobrir as despesas da instituição de ensino. A manobra, no entanto, contribui para a cooptação do ensino pelas fundações, para a proliferação de cursos de "interesse" comercial ou empresarial (em detrimento da ciência pura), e também para o surgimento de diferenciações dentro da mesma escola. Sim, poderá haver simultaneamente cursos gratuitos e pagos, como existem em universidades estaduais. E certamente não é culpa do gestor nem do legislador que os cursos privados sejam os mais instigantes, com as melhores salas, os melhores equipamentos e os melhores professores. Sem falar no café com bolachas oferecido aos alunos na hora do intervalo — apenas nos cursos pagos, é claro.

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5) Políticos envolvidos em denúncias de corrupção entregam ao digníssimo presidente da Câmara mais um pedido de impeachment de Dilma Rousseff. Não bastasse o novo capítulo na interminável lenga-lenga do fora-Dilma, manifestantes do Movimento Brasil Livre aproveitaram o dia 21 de outubro para acampar no gramado em frente ao Congresso Nacional, com banheiro químico e tudo, perpetrando mais uma cortina de fumaça a fim de desviar o foco das denúncias arrasadoras contra aquele deputado que tem conta na Suíça e que, pelo visto, não tem mais condições de presidir a Câmara. Eles, os golpistas do MBL, ainda lançaram uma campanha intitulada "Adore um herói". Por herói, entenda-se gente como Joaquim Barbosa, Sérgio Moro, Kim Kataguiri e Hélio Bicudo, paladinos da moral e da ética na política. Tudo sob os festejos luminosos da oposição de direita e da grande imprensa: promovendo golpe e indignação seletiva desde 1954. Tudo isso provocou mais tontura no jovem Marty McFly do que o passeio de skate voador no centro de Hill Valley. Por um momento, ele até pensou que fosse melhor ter desaparecido nos anos 1950, escafeder-se de vez enquanto tocava Johnny B Goode na guitarra.

6) Ex-presidente da República admite em livro que sabia de esquema de corrupção na Petrobras durante seu governo, mas foi conivente. O próximo passo, segundo o experiente Dr. Brown, que já viu muita coisa em seus 60 e tantos anos de vida, será replicar seu velho axioma: "esqueçam o que eu escrevi".

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7) Um delegado é hostilizado e recebe ameaças de policiais militares após decretar a prisão de um PM autuado com indícios de ter torturado um suspeito num terreno baldio em São Paulo. O delegado teve de deixar a delegacia escoltado. Porque nada mais natural do que torturar delinquentes, não é mesmo? Onde já se viu querer proibir a polícia de fazer o que precisa ser feito para proteger os cidadãos de bem. Esse povo dos direitos humanos que adote um bandido. Ficou com pena do marginal, leva pra casa. Bandido bom é bandido morto. Bandido bom é bandido morto. Bandido bom é bandido morto. De tanto ouvir essa frase, repetida pelos defensores dos maus policiais, McFly quis saber do que se tratava e pediu que traduzissem. Não resistiu e vomitou ali mesmo, sobre o shape do skate e os cadarços que amarram sozinhos. Pediu ajuda à primeira pessoa que encontrou. "Senhora, como eu faço para sair da Idade Média e voltar aos anos 1980? Senhora? Senhooora?"

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