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Carlos Hortmann

Professor, filósofo, historiador e músico.

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Os bloqueios econômicos são uma ARMA DE GUERRA!

(Foto: Shannon Stapleton/Reuters)
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Antes de discorrer de forma mais aprofundada acerca da tese enunciada no título desse artigo (que não é minha), peço licença para você leitor/a para relatar uma brevíssima história pessoal.

Uma pergunta sempre me rondou antes de ter qualquer envolvimento na luta política e revolucionária: “se qualquer tentativa de alterar o modo de relação social e de produção capitalista, ou seja, uma transição ao socialismo, está destinada ao fracasso como afirma reiteradamente os ideólogos do liberal-capitalismo, então, por que impõem bloqueios (sanções) económicos aos países ou povos que ousam tal feito? Especialmente, Cuba que é uma realidade de acompanho de perto”.

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Repeti tal questionamento para muitos liberais. Suas respostas foram um silêncio constrangido ou enrolações discursivas de quinta categoria. Digo-vos isso porque em vários espaços que intervenho e nas mais diversas formas (aulas, textos, redes sociais, conversas, debates e lives) procuro sinalizar e apontar para o carácter criminoso dos bloqueios económicos: uma punição coletiva.

A tese – enquanto aproximação da realidade – fundamenta-se no entendimento e compreensão de que o capitalismo é um sistema mundializado, ou seja, a “natureza” expansiva do modo de produção vigente na sua marcha da acumulação, leva-o a encontrar formas de lucrar em todas as partes do mundo e de todas as formas possíveis (1). Portanto, o capitalismo é um sistema interconectado/interdependente e como afirma Jaime Osorio “é a primeira organização económica e social com vocação mundial” (p. 161). (2)

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Nesse sentido, outra categoria fundamental para se compreender as desigualdades entre o norte e o sul global e os diversos tipos de opressão, submissão/dependência e espoliação, é o imperialismo (eu sei que para muitos da “esquerda” essa tornou-se uma palavra proibida). Numa primeira fase, como definiu Lênin, enquanto um mecanismo de concentração e monopolização do capitalismo central, que procurava novas formas de acumulação e assim desenvolve as forças produtivos dos impérios coloniais. Reforço esse ponto: não há capital-imperialismo sem o colonialismo e a sua ideologia racista – não há contradição, mas sim um triste casamento para a classe trabalhadora e povos oprimidos de todo mundo. Isto é, o colonialismo “está no DNA” do capitalismo!

Entretanto, no meu entendimento acredito que John Smith conseguiu caracterizar de forma mais atual e rica em determinações, que:

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[...] o imperialismo hoje se manifesta em um sistema global de racismo, opressão nacional, humilhação cultural, militarismo e violência estatal semelhante ao apartheid, que nega seu status formal de cidadãos livres de sua nação e do mundo e transformou seus países em reserva de força de trabalho superexplorável para alimentar as corporações transnacionais e seus agentes locais (p. 35). (3)

Gostaria de assinalar e completar a definição de Smith, pois a opressão patriarcal e machista, o trabalho de reprodução social (exercido maioritariamente por mulheres) não-remunerado são também uma manifestação do imperialismo. Tais marcadores sociais se tornam mais evidentes e opressores nos países de economia dependente e periférica (4).

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Peço imensas desculpas a você leitora ou leitor pela digressão (ainda que resumidíssima) por algumas categorias da economia política marxista. Contudo, acredito que só é possível termos clareza objetiva que todo bloqueio económico é uma arma de guerra, se se entendermos que o capitalismo é um sistema mundializado/interdependente (internacionalização das formas da acumulação) e o imperialismo enquanto um fenómeno de dominação/opressão económica, militar, cultural entre outras, em relação aos países dependentes e periféricos.

Acredito que agora faz sentido a todos/as o porquê desde 1991 votar-se na ONU contra o bloqueio económico imposto pelos Estados Unidos da América ao povo cubano e tal “condenação” não tem qualquer efeito prático, visto que o imperialismo-mor não está nem aí para formalismos burocráticos-institucionais. Eles têm “alguma tolerância” com qualquer tentativa socialista na África ou na Ásia, mas muito pouca ou nenhuma com movimentos emancipatórios ou anti-imperialista na “grande ilha americana” – uma orientação estratégica militar dos EUA. Por outras palavras, a Doutrina Monroe de 1823 está viva e pulsante: “a américa para os americanos [só que os americanos de Washington]”.

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Por isso que o esforço de Cuba de construir uma sociedade mais solidária e socialista, nas barbas da ponta do imperialismo, é algo intragável. Mesmo após o fim da União Soviética o povo cubano vem sobrevivendo e a resistir bravamente pela sua autodeterminação. Caro/a leitor/a, retomo a minha pergunta inicial: “se o socialismo dará em fracasso, como prega a cartilha liberal-capitalista, por que impor bloqueio económico a Cuba?”

A resposta foi explicitada em fartos documentos emitidos pelos EUA e seus variados órgãos de governo, a dizer que o bloqueio económico tinha o objetivo de impedir quaisquer recursos financeiros, equipamentos tecnológicos, mas sobretudo que não entrasse alimento em Cuba (visto que o país importa em torno de 70% dos alimentos), pois assim produziria fome – de forma proposital e tática – a fim de fomentar desespero e aflição ao povo cubano. A propiciar uma conjuntura que derrubasse o governo liderado por Fidel Castro e Che Guevara (5). Isto é, desde os anos 60 até os dias de hoje, para os EUA “punir coletivamente” o povo cubano a miséria e a carência são arma fundamental e criminosa na tentativa de derrota a Revolução Cubana.

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Apesar de Barack Obama (pertencente ao segmento “globalista” da classe dominante norte-americana) ter procurado uma aproximação tímida e “iniciar um alívio” as sanções económicas a Cuba, do ponto de vista estrutural e essencial teve pouca efetividade para uma melhoria substantiva nas condições de vida dos/as cabanos/as. Entretanto, com a vitória de Donald Trump (ligado ao segmento “americanista”) e no seu governo (2017-2021) sucede um endurecimento nas medidas contra Cuba (6).

A cereja no bolo de barbáries, violência e morte impostas ao povo cubano pelo ponta de lança do imperialismo, foi Trump ter colocado o país caribenho na lista de patrocinadores do terrorismo. Qual é a plausibilidade de uma acusação desse tipo ser verdadeira? Nenhuma. Cuba é forçada a comprar alimentos de mercados que não façam trocas diretas com os EUA e têm menos chances de serem também sancionados, portanto, geograficamente estão distantes e com isso aumenta seus custos e preços. Um país que tem restrição de combustíveis (óleos e gasolina) e equipamentos agrícolas, por exemplo, que incapacita os camponeses cubanos de plantar e cultivar. Nesse mesmo governo diminuiu-se de 25% para 10% a porcentagem de conteúdos de origem norte-americana em mercadorias que são exportadas para ilha socialista “por países terceiros”. Por outras palavras, se Portugal produzir um equipamento ou um medicamento que detenha 11% de tecnologia estadunidense não poderá ser vendido a Cuba. Torno a pergunta: “um país nessa situação tem condições de “patrocinar o terrorismo”?

O filósofo italiano Domenico Losurdo interpreta bem essa tática imperialista: “Quanto mais vaga a acusação, tanto mais fácil para sua validade se impor de modo unilateral e tanto mais inapelável se torna a sentença pronunciada pelo mais forte” (Losurdo, p. 15). (7)

Os EUA visualizaram na pandemia da covid-19 como uma nova chance de destruir o projeto político socialista da Revolução Cubana. Pois, um dos pilares económico da ilha tornou-se o turismo, visto que dessa forma conseguia obter/reter dólar para comprar alimentos, insumos e afins. Ou seja, os efeitos do coronavírus arrancaram parte do PIB cubano.

No que tange ao combate da pandemia os países sancionados tiveram e têm dificuldades de ter acesso a medicamentos e insumos, equipamentos hospitalares dentre outras urgências, como seringas que faltaram para que Cuba pudesse aplicar a sua própria vacina. Portanto, a manutenção desses bloqueios económicos em época de pandemia é um crime contra humanidade. Nesse sentido, escreveu Vijay Prashad: “[...] de acordo com as Convenções de Genebra de 1949, qualquer política que cause danos a toda uma população é um crime de guerra” (p. 151).

Penso que agora fica mais evidente que o bloqueio económico é uma de guerra que pune/mata de forma coletiva uma nação inteira, só porque que não ousaram ser submissos aos valores e interesses do imperialismo yankee. Segmentos da esquerda acreditaram (ilusoriamente) que Biden seria diferente, mas o mesmo disse que pressão sobre Cuba no governo dele “só estava a começar”. A cadeira do imperialismo-mor só trocou de ocupante, pois sua máquina de morte e violência continua a todo o vapor.

Os ideólogos e os aparelhos ideológicos (especialmente da grande mídia) da classe dominante/burguesia repete sem parar a mentira de que os problemas de Cuba estão vinculados a fato ser socialista. Fazem de tudo para ocultar os verdadeiros causadores da violência e o sofrimento que o povo cubano (ou venezuelano) enfrenta. Somente por meio da solidariedade internacionalista dos/as revolucionários/as e pela destruição do capitalismo é que conseguiremos construi uma outra sociedade livre da opressão e da miséria. “Socialismo ou a barbárie” já prenunciava a camarada Rosa de Luxemburgo.

Notas

(1) Um exemplo muito fresco em nossas memórias latino-americanas foram as centenas de transnacionais que foram para o Sul Global na procura de força de trabalho barata e isenção de impostos como mais uma forma de acumulação.

(2) Osorio, J. (2019). O Estado no centro da Mundialização. A sociedade civil e o tema do poder. São Paulo: Expressão Popular.

(3) Smith, J. (2020). Exploração e superexploração na teoria do Imperialismo. Em: As veias do Sul continuam abertas—Debate sobre o imperialismo do nosso tempo (1. ed.). Expressão Popular.

(4) Pela brevidade desse espaço apenas refiro as economias dependente e periféricas, para quem quiser saber mais recomendo o supracitado livro de Osorio e a obra de Mathias Luce: Teoria Marxista da Dependência problemas e categorias. Uma visão história, pela editora Expressão Popular, 2018.

(5) Uma excelente monografia que apresenta de forma resumida e rigorosa o processo histórico do bloqueio económico: https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/109896/CNM0173-M.pdf?sequence=1

(6) Para saber mais acerca dos segmentos e conflitos da classe dominante nos EUA, consultar a extensa obra de Gabriel Merino.

(7) Losurdo, D. (2010). A linguagem do império. Léxico da ideologia estadunidense. São Paulo: Boitempo.

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