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Marcos Mourdoch

Escritor, dramaturgo, roteirista e poeta brasiliense.

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Paulo Freire, Sócrates e o preço do sofismo popular

À época o sofista era pago para discursar, e como hoje, as classes abastadas é que possuíam condições de contratar um orador profissional para defender seus interesses de pensamento.

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Eu disse sofismo, mas deveria ter dito sufrágio, no sentido mais amplo da palavra. Sócrates, antes de Paulo Freire e de forma diferente, ousou discursar em praça pública, segundo ele pelo justo e pelo bom, sem receber nada dos tiranos que governavam no tempo dele. À época o sofista era pago para discursar, e como hoje, as classes abastadas é que possuíam condições de contratar um orador profissional para defender seus interesses de pensamento. (A mídia de outrora). 

Aos 29, 30 anos, não me lembro bem, foi executado e teria sido esquecido não fosse seu discípulo mais célebre – Platão – tê-lo feito quem é. O caminho de Paulo Freire rumo ao ódio dos tiranos e, por possuírem o poder de mídia, também aos corações de muitos cidadãos comuns que sequer leram uma página do seu trabalho, foi um tanto acidental, mas não menos rebelde: o método de alfabetizar em quarenta horas. Mas como é possível alguém ser odiado por querer alfabetizar seu povo? 

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Bom, é preciso que se contextualize o momento histórico em que sua obra começou a incomodar. 

O voto no Brasil, durante toda a era colonial e imperial, foi censitário. Ou seja, só eram cidadãos, aptos a participarem do processo eleitoral, as classes abastadas. A constituição de 1891 acabou com o voto censitário, mas excluiu do processo eleitoral as mulheres, analfabetos em geral, e outras classes específicas. Ora, se hoje a educação pública sofre críticas e tem até as universidades centenárias e centros renomados de pesquisas como objetos de ódio gratuito de parte da elite e, por reflexo, por parte da classe média, imaginem nessa época! Educação servia aos homens de classes abastadas, por consequência a participação na vida política e consequentemente no poder do país, continuava limitada. Camponeses, operários, mulheres, militares de baixa patente, funcionários públicos de baixos cargos etc, continuavam longe da vida pública e muito mais longe dos seus próprios interesses enquanto classe trabalhadora. 

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O século XXI começa e a visão de quem deveria ser educado e para quais fins continuou refletindo, é óbvio, nas políticas públicas para educação na sua primeira metade. Aos negros e aos miseráveis em geral a escola pública fora simplesmente negada boa parte desse período. Às mulheres e aos operários pobres a visão da elite, difundida aos quatro cantos, pois ela sempre foi e ainda é a voz que ecoa da boca do sofista moderno (a mídia), definia métodos e limites claros para a tal educação funcionalista – o suficiente para que o operário manuseasse a máquina, todavia, sem senso crítico e condições intelectuais, se mantivesse muito distante da luta por seus interesses. A elite, acostumada a mandar seus filhos à Suíça, reservou, tanto no discurso quanto nos recursos, a educação vinculada ao funcionalismo da indústria e baseada na autoridade. Vieram algumas reformas e as mulheres começaram a participar da vida pública, os negros foram aceitos em escolas, mas algo só mudaria por volta de cem anos após a primeira república: o voto dos analfabetos. E é aí que entra Paulo Freire...

Em 1963 Paulo Freire desenvolveu um método para alfabetizar adultos em aproximadamente quarenta horas. Ora, aplicado a um país com dezenas de milhares de analfabetos o efeito político seria imediato: adicionar milhões de eleitores ao sistema. Os setores conservadores e defensores dos papéis subalternos, socialmente falando, sentiram-se ofendidos já nesse período. Paulo virou inimigo público, foi exilado durante a Ditadura Militar e fugiu para o Chile. De lá a Genebra, onde sua obra avançou e ele se tornou o pensador brasileiro mais celebrado mundo afora. Voltou ao país no final dos anos setenta, onde foi além e passou a defender a educação construtivista no sistema público. Ora, o que seria mais rebelde do que um sofista que não se curvava aos tiranos e ainda defendia o mesmo sistema de educação, aplicado até hoje nas escolas mais caras do país, aos filhos dos trabalhadores? É claro que sempre haverá aqueles que questionem os resultados da experiência construtivista na rede pública, até por que para o sucesso que a elite exige no seu eterno discurso “pobre não precisa de universidade e sim de curso técnico” fosse alcançado, uma rede de apoio estatal deveria ter sido criada, o que não ocorreu, por um motivo simples: educação pública não depende só de método, mas de vontade política, e nesse pais, durante quase quinhentos anos, as políticas públicas foram pensadas em favor daqueles que detinham o voto censitário. 

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Paulo Freire sempre foi um educador, mas acima disso seu amor maior era a liberdade do pensamento. “Discordem de mim, não me imitem”, disse. E se para Sócrates a consciência vem do contraste, para Paulo Freire a liberdade de pensamento é a base da educação libertadora e por consequência da democracia. Se é possível ouvir indivíduos de classe média desdenharem de nosso pensador mais famoso o sinal é claro: devemos continuar sua obra e sua busca – liberdade pela revolução da educação, para que ela, no sentido mais amplo da palavra, deixe de formar apenas o exército da burguesia e passe a formar cidadãos conscientes e agentes dos processos democráticos, rumo a um mundo melhor. Quanto aos tiranos, fazem o que sempre fizeram, antes ou depois de cristo: subvertem a lógica dos processos históricos em benefício dos seus e convencem o oprimido de que seu opressor é outro. 

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