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Tereza Cruvinel

Colunista/comentarista do Brasil247, fundadora e ex-presidente da EBC/TV Brasil, ex-colunista de O Globo, JB, Correio Braziliense, RedeTV e outros veículos.

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Quem pode conter a danação externa do Brasil?

"Há um drama particular em relação à política externa de Bolsonaro-Araújo: se a sociedade e as instituições foram capazes de repelir as ameaças golpistas, se Congresso e Supremo têm atuado 'freios e contrapesos' para conter abusos e corrigir erros em várias áreas, o mesmo não tem sido feito em relação à política externa", escreve Tereza Cruvinel, do Jornalistas pela Democracia

Ernesto Araújo, Jair Bolsonaro, Paulo Guedes e Eduardo Pazuello (Foto: Marcos Corrêa/PR)
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Na cúpula virtual do Mercosul, nesta quinta-feira, Bolsonaro recaiu em sua autenticidade conflitiva, que no plano interno vem trocando pela forçada fantasia de “moderado e contido”, ao lançar farpas contra o presidente da Argentina, Alberto Fernandez, que em tom conciliador, pregara a união dos vizinhos “acima das ideologias”. Sabemos que o figurino moderado pode ser descartado a qualquer hora, e que ele passou a envergá-lo para salvar seu governo da rejeição crescente, do fracasso sanitário-econômico-social e dos riscos de impedimento por crimes diversos.

Há um drama particular em relação à política externa de Bolsonaro-Araújo: se a sociedade e as instituições foram capazes de repelir as ameaças golpistas, se Congresso e Supremo têm atuado “freios e contrapesos” para conter abusos e corrigir erros em várias áreas, o mesmo não tem sido feito em relação à política externa.

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Esta observação vem do ex-chanceler Celso Amorim, consternado com a destruição das tradições diplomáticas do Brasil e com a degradação da imagem externa do país.

Na cúpula desta quinta-feira, os parceiros Uruguai, Paraguai e Argentina foram generosos com o Brasil (e indulgentes para com Bolsonaro), poupando referências, no documento final,  ao descontrole sanitário do Brasil, segundo epicentro global da pandemia, embora estejam assustados e lutando nas fronteiras contra a propagação do vírus.  Já Bolsonaro não deixou de cutucar Fernandez, que hostilizou quando era candidato, tendo criticado o “erro” do povo argentino por elegê-lo. Na posse, mandou Mourão depois de ensaiar uma ostensiva ausência do Brasil.

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No primeiro tête-a-tête que tiveram, embora virtual, num encontro com forte ênfase na cooperação para enfrentar as agruras de agora e as que ainda virão, Bolsonaro fustigou Fernandes primeiramente ao criticar o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, que a Argentina reconhece como presidente legítimo, ao passo que o Brasil reconhece o governo autoproclamado de Juan Guaidó. Lamentou ainda que a presidente imposta pelo golpe na Bolívia contra Evo Morales, Jeanine Arbez, não tenha participado mais intensamente dos trabalhos do Mercosul nos últimos meses, lembrando que Morales está exilado na Argentina. O governo de Fernandez, além de abrigá-lo, não reconhece o governo de Arbez. A Bolívia, entretanto, é apenas membro associado do Mercosul, e para tornar-se membro pleno, enfrentaria o  questionamento argentino no tocante à cláusula democrática.

E assim caminha a política externa: conflitos com o principal vizinho e parceiro comercial na América do Sul, servidão aos Estados Unidos, reprovação global à política ambiental, sanitária e de direitos humanos, com riscos para aprovação do acordo Mercosul-União Europeia, sem falar na ridicularização  do próprio Bolsonaro, por seu negacionismo, seu golpismo latente e sua rusticidade.

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Assim segue a política externa, que ninguém controla, que não depende do Congresso, que não é objeto de recursos ao STF, como diz Amorim.

“Como ex-chanceler em três mandatos presidenciais e como diplomata com cinquenta anos de carreira sinto-me  especialmente preocupado. É que nessa frente,  ao contrário do que ocorre em relação a outros temas, não parece funcionar minimamente o que nos resta dos célebres "pesos e contrapesos" (checks and balances), que, bem ou mal,  têm podido conter parte do furor anticivilizatório do atual governo. Não há, em relação aos desmandos na área internacional, o equivalente à devolução, pelo presidente do Senado, de uma medida provisória que viola a autonomia universitária. Ou a uma decisão do STF que restabelece a autoridade de governadores e prefeitos em matéria de política sanitária. Só me recordo de uma exceção a esta regra: a suspensão da expulsão dos diplomatas venezuelanos por um ministro do Supremo, em resposta a um habeas corpus impetrado pelo Deputado Paulo Pimenta. Mesmo assim, porque, além da violação de normas do Direito Diplomático, estavam em jogo graves questões humanitárias, decorrentes da pandemia”.

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Sobre este último ponto ele recorda que “nem mesmo a decisão, totalmente contrária ao senso comum, que precedeu a tentativa de expulsão dos diplomatas venezuelanos  -  a retirada de nossos diplomatas da Venezuela, deixando desprotegidos nossos concidadãos que lá estavam ou lá vivem (sem falar em nosso interesse em evitar conflitos na nossa fronteira) -, foi confrontada com alguma ação legislativa ou judicial”.

O conjunto de atitudes, ações e declarações do atual governo, no campo das relações bilaterais ou multilaterais, que solapam a confiança no Brasil, diz Amorim, “inevitavelmente terá consequências para nossa economia, para o bem estar do nosso povo, ameaçando a vida de milhares de brasileiros”. 

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Quando o pesadelo passar,  diz ainda, nossos diplomatas vão se deparar com uma realidade que nunca enfrentamos antes, nem mesmo após a ditadura militar. Diferentemente daquele período sombrio, não haverá desculpas para explicar nossa anomalia: nem guerra fria, nem autoritarismo oriundo de um golpe de força. “A destruição, proclamada pelo presidente e por ele levada a cabo, com a participação ativa do seu ministro das Relações Exteriores, terá alcançado seu objetivo e tido seu efeito devastador.”

O trunfo maior de um país na área internacional é a credibilidade. E esta, diz Amorim, implica em coerência de princípios, respeito pelos interlocutores e pelas normas, firmeza de atitudes e, sobretudo, independência na tomada de decisões. “São necessários anos para construir uma reputação, através do reconhecimento destes atributos. Por isso a reconstrução será árdua e lenta”.

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Em 2009, o jornalista especializado em política externa David Rothkofp escreveu o já muito citado artigo na revista Foreign Policy, em que chamou Celso Amorim de “o melhor chanceler do mundo”. Depois de enumerar feitos diplomáticos que mudaram a percepção internacional do Brasil – como a construção dos Brics, do G-20 e da relação estratégica com a China, entre outros – e de reconhecer o papel de Lula, com sua “energia, disposição, carisma, intuição e um senso comum tão eficaz, sem que a falta de educação formal fosse empecilho”  – ele justifica o elogio a Amorim: “É difícil pensar em outro chanceler que tenha tão eficazmente orquestrado uma mudança tão significativa no papel internacional de seu país. E se alguém pedisse hoje que eu votasse no melhor chanceler do mundo, meu voto provavelmente iria para Celso Amorim”.

Não sei se o voto dele iria para Araújo, se lhe fosse pedido para votar no pior chanceler do mundo. Nos últimos dias, circularam rumores de que Bolsonaro, depois de livrar-se de Weintraub, que tanto mal fez à Educação, estaria pensando em trocar o ministro das Relações Exteriores e também o do Meio Ambiente, Ricardo Salles.

O último, entretanto, tem mais chances de ser defenestrado. Ele mesmo estaria dizendo-se cansado da pasta e externando o desejo de ocupar outra função no Governo. Sabe que a má reputação do Brasil em matéria de política ambiental chegou ao fundo do poço. Tanto é que, na cúpula virtual do Mercosul, Bolsonaro prometeu que o governo fará um trabalho intenso para “corrigir as opiniões distorcidas” sobre o Brasil, mostrando o que tem sido feito pela Amazônia e pelos índios. Índios que, por sinal, o governo está deixando morrer como moscas, atacados pela Covid19, sem uma política específica de proteção.

E falava isso aos parceiros do Mercosul porque o bloco pode ter o acordo comercial com a União Europeia, que custou 20 anos de negociação, comprometido pela postura criminosa do Brasil em relação ao desmatamento. Macron, presidente da França com quem Bolsonaro já brigou, é um dos que se opõe à assinatura final se o Brasil não tomar jeito. Irlanda, Áustria e Holanda são outros países cujos parlamentos podem não chancelar o acordo. Fundos globais que controlam mais de três bilhões de dólares também emitiram comunicado sobre a dificuldade em investir no Brasil diante de suas condutas ambientais. E Salles é visto, mundialmente, como o maior responsável pelo desastre, principalmente depois que ele propôs que o governo passasse a boiada, desregulando o setor, enquanto imprensa e sociedade estavam ocupados com a pandemia.

Em relação ao meio ambiente, as reações e represálias começam a funcionar como uma espécie de controle externo.

Já em relação à política externa, Amorim tem razão: se as instituições internas não têm interferido na marcha insensata, a comunidade internacional pode apenas ir rebaixando o conceito e a credibilidade do país. Se Bolsonaro não vai cair antes de 2022, como hoje a conjuntura indica (embora ela possa mudar), ate lá os danos causados pela política externa podem se tornar diluvianos. 

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