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Danilo Molina

Jornalista, foi assessor do Ministério da Educação e do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) durante o governo Dilma Rousseff e servidor do Ministério durante o governo Lula

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Silenciaram nosso grito por uma cultura de paz

O avanço do autoritarismo, da violência, do radicalismo e da falta diálogo é um retrocesso que agride a sociedade como um todo, não só os terreiros e os adeptos de religião de matriz africana

Porto Alegre - No dia do combate a Intolerância Religiosa, acontece em Porto alegre, a Marcha pela Vida e Liberdade Religiosa (Marcelo Camargo/Agência Brasil) (Foto: Danilo Molina)
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Apesar do silenciamento da mídia tradicional, o final do mês de outubro e o início de novembro foram marcados por uma série de manifestações, nas principais capitais do país, contra a intolerância religiosa e a favor da liberdade de culto. Organizados majoritariamente por movimentos e dirigentes de religiões de matriz africanas, as passeatas foram um grito de resistência ao crescente número dos casos de agressões contra terreiros no Brasil, que tiveram como estopim a invasão, por traficantes de drogas, a dois terreiros de candomblé na Baixada Fluminense, em setembro.

Em Brasília, os manifestantes entregaram documento intitulado "pela paz e fim da violência contra o povo de axé" a representantes da Câmara dos Deputados e do Supremo Tribunal Federal (STF). O documento reafirma a necessidade de uma ação de Estado que assegure o direito constitucional da liberdade religiosa, o respeito à diversidade e o resgate de uma cultura de paz entre os adeptos das diferentes religiões.

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Além do posicionamento oficial das lideranças de religião de matriz africana frente ao poder público, essas manifestações ganham força e apelo por serem marcadas por um sentimento de resgate da solidariedade e de busca de uma identidade comum entre os terreiros. Isso é, a agressão contra alguns terreiros foi capaz de mobilizar uma massa e deflagrar passeatas de resistência por quase todo país.

Uma pequena fagulha foi acessa. Essas mobilizações emergem como um grito em favor da decisão civilizatória de que a agressão e a intolerância, contra qualquer grupo que seja, devem ser encaradas como um problema de toda a sociedade.

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As manifestações também deixaram claro que a pauta da intolerância religiosa e das minorias deve sobreviver para além da agenda da mídia tradicional. O silenciamento ensurdecedor que a repercussão das passeatas teve nesse segmento midiático revelam que as agressões contra templos e adeptos de religiões de matriz africana só merecem espaço nos chamados "jornalões" em um contexto do sensacionalismo barato, com uso da violência como estratagema na busca desenfreada pela audiência.

A discussão real do problema e a proposição de políticas sérias de combate a esses abusos não interessa a elite tradicional, rançosa e preconceituosa do país. Por isso, atuam para que o tema seja silenciado, não entre na pauta. Para esses, que ainda trabalham pela manutenção de privilégios e, que de forma velada e envergonhada, defendem o modelo Casa-Grande & Senzala, o negro e o pobre, e consequentemente suas tradições e manifestações culturais, artísticas e religiosas, não devem transpassar o quintal do engenho.

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Sob pena de tropeçar no ostracismo e no sectarismo, outra questão que se coloca de forma impetuosa à resistência contra a intolerância religiosa é a necessidade de expansão do discurso para além do próprio movimento. As passeatas de outubro e novembro trouxeram à tona uma massa orgânica capaz de mobilização social sobre a pauta, entretanto, o movimento não deve falar apenas para dentro, mantendo-se alheio a demandas de outros setores historicamente reprimidos, ou estará fadado ao fracasso.

O avanço do autoritarismo, da violência, do radicalismo e da falta diálogo é um retrocesso que agride a sociedade como um todo, não só os terreiros e os adeptos de religião de matriz africana. Exemplo recente da escalada dessa cultura do ódio em nossa sociedade, para além da pauta da intolerância religiosa, foi a decisão do desembargador federal Carlos Moreira Alves, referendada de forma monocrática pelo STF, que permitiu a correção e a atribuição de nota a redações do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) que desrespeitem os direitos humanos.

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Os direitos humanos são valores civilizatórios consagrados em todo o mundo. A disputa pela manutenção desses valores também é, necessariamente, uma luta contra a intolerância religiosa e por um mundo que respeite a convivência pacifica entre os seres humanos, independentemente de raça, de gênero, de condição social, de crença religiosa e de orientação sexual.

Os sinais do avanço da intolerância não param por aí e são, cada vez mais, alarmantes. Nesta terça-feira (7), um grupo ateou fogo em um boneco de uma bruxa com o rosto da filósofa norte-americana Judith Butler, em frente ao local de realização do colóquio "Os Fins da Democracia", do qual a filósofa participava. O debate foi organizado pela Universidade de São Paulo, em conjunto com a Universidade da Califórnia, onde a filósofa dá aulas.

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A perversa carga simbólica da queima de bruxas na fogueira, ação típica da idade medieval e da inquisição católica, foi acompanhada de palavras de ordem em favor da "família" e pela "tradição". Ligado ao judaísmo, Butler é uma das referências mundiais no estudo da teoria de gênero e de defesa da democracia. A filósofa tem se posicionado por um judaísmo não associado à violência do estado.

Nesse contexto, a educação exerce papel fundamental na formação de uma sociedade que respeite integralmente os direitos humanos e, consequentemente, a liberdade religiosa. Por isso, a decisão judicial referente ao Enem e os ataques contra Butler também são retrocessos que atingem todos os que sonham e lutam por uma sociedade que respeite à diversidade cultural e todas as religiões e manifestações do povo brasileiro.

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As passeatas de outubro e novembro deram o pontapé inicial na resistência contra a intolerância religiosa. Entretanto, o avanço e a conquista real estão na expansão da cultura da tolerância e na formação de uma sociedade em que todos sejam respeitados, valorizados e convivam em paz. Esses conceitos são fundamentais para a consolidação da democracia e dos direitos das minorias em nosso país.

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