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Jose Carlos de Assis

Economista, doutor em Engenharia de Produção pela Coppe-UFRJ, professor de Economia Internacional da UEPB

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Um bolo sem fermento!

O que Ciro nos propõe é a exploração de um conjunto de possibilidades concretas de retomada do desenvolvimento em aspectos essenciais. Mas falta um elemento crucial. A forma de financiamento

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O Projeto Nacional apresentado à sociedade por Ciro Gomes é uma corajosa e oportuna iniciativa política que coloca em foco o imperativo de superarmos a imensa perplexidade do momento atual brasileiro. O governo Guedes/Bolsonaro nos empurrou para uma situação extrema. Recuamos décadas. Se não fizermos um esforço para olhar além do horizonte das crises econômica e da pandemia, estaremos fadados a uma situação de profunda desesperança, tendo em vista o caos do curto prazo.

Entretanto, o que Ciro nos propõe é a exploração de um conjunto de possibilidades concretas de retomada do desenvolvimento em aspectos essenciais. Estou de acordo com praticamente todos eles. Mas falta um elemento crucial. A forma de financiamento. Ciro é um parceiro histórico de Mangabeira Unger, e a presença deste último como prefaciador do livro é o melhor testemunho de uma solidariedade intelectual de décadas. Contudo, em economia, ambos são ortodoxos, sem o saberem.

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A obsessão de Mangabeira com a chamada austeridade fiscal e o equilíbrio orçamentário é o principal embaraço à política econômica proposta por Ciro, declaradamente influenciado por ele. Essa obsessão é o eixo central do neoliberalismo e a principal causa do fracasso do desenvolvimento brasileiro dos anos 80 para cá. Curiosamente, Ciro aceita, com razão, que em momentos de crise aguda, como a que vivemos, o Estado deve ampliar seus gastos no que for necessário. Mas para por aí.

Ambos não compreendem que o capitalismo é um sistema que vive em desequilíbrio permanente, e que a busca de eventuais equilíbrios é a função inarredável do planejamento público. Não existe demanda e oferta perfeitamente equilibradas, assim como não há equilíbrio permanente do orçamento público. Para que a oferta se antecipe à demanda, é preciso que o financiamento público deficitário estimule o investimento na produção pública e privada, atendendo ao consumo.

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Diante disso, as propostas de desenvolvimento de Ciro são uma espécie de bolo sem fermento. É uma receita de boas intenções, dignas de figurar numa bela paisagem utópica da realidade futura brasileira, porém, sem instrumentos de implementação. Na estrutura, não tem nada de muito diferente do programa que o PT lançou na perspectiva eleitoral alguns meses atrás: uma receita extensa, diluída em múltiplos objetivos não integrados entre si, e sem mecanismos estruturantes.

Keynes dizia que as lideranças políticas são em geral escravas intelectuais de algum economista defunto. Este é um problema. E é isto que torna a ortodoxia neoliberal tão poderosa na condução da economia política do Brasil. Somos escravos intelectuais de um tipo de teoria econômica que só interessa à classe dominante. Quando se diz que o Estado é como uma dona de casa prudente, que não deve gastar mais do que ganha, entramos num terreno do senso comum manipulado.

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Uma dona de casa de espírito empreendedor que vê uma oportunidade de investir não tem por que não recorrer a crédito. É isto que faz o Estado quando a sociedade requer investimentos que não podem ou não devem ser financiados por tributos. Cria dinheiro ou cria dívida pública, que no fundo é a mesma coisa. O único legado positivo da ditadura foram os imensos investimentos em indústria básica e infraestrutura financiados por crédito externo nos anos 70. 

Quando Barak Obama foi eleito pela primeira vez, Mangabeira Unger, que havia sido seu professor em Harvard, escreveu-lhe uma longa carta com conselhos para seu governo. Li a carta. Sugeria a realização de superávits primários de 7% ao ano para acabar com a dívida pública. Um total despropósito, pois dívida pública bem administrada não faz mal ninguém. Em seu governo, Obama, para enfrentar a crise de 98, realizou um déficit acumulado bem sucedido de U$ 7,5 trilhões até 2014.

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Esse déficit fez retomar a economia e baixar o desemprego, a maior perturbação que historicamente afeta a economia política norte-americana ao longo dos ciclos econômicos. É curioso que também Trump, de um partido igualmente resistente à dívida pública, tenha recorrido a déficits. Mas não há exemplo melhor que o de Joe Biden, que propõe um orçamento deficitário nos próximos anos da ordem de US$ 5 trilhões, para enfrentar a pandemia e os desafios do desenvolvimento chinês. 

Dívida pública são déficits acumulados. E se os déficits anuais são responsavelmente orientados para financiar o desenvolvimento, a ideia esdrúxula de que representam peso para as gerações futuras não passa de uma farsa. As gerações futuras serão beneficiárias diretas do legado em investimentos em infraestrutura, tecnologia e progresso social financiados pelos gastos deficitários do Estado, que se multiplicam em demanda e investimentos também para o setor privado.

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Falta, pois, ao Projeto Nacional de Ciro uma visão clara do papel da moeda e da dívida emitidas pelo Estado nacional, prerrogativa única dele, como eixo central do desenvolvimento do país. Quanto aos objetivos nacionais que aponta, repito, eu os subscrevo. Respeito a experiência dele, como governador, mas advirto que ela não se aplica ao Estado nacional que emite moeda e dívida pública. Estado sub-nacional não as emite, e, portanto, é a ele que se aplica uma política fiscal convencional.

Finalmente, não posso deixar de registrar um aspecto negativo do documento do ex-governador. Para quem se propõe buscar a unidade nacional em torno de um Projeto Nacional, ele está carregado de acusações e ressentimentos que dificultam a construção de um objetivo comum. É do temperamento de Ciro, porém. Mesmo que seja um tributo à verdade, pode perturbar seus projetos eleitorais no momento em que a sociedade, debilitada pela pandemia, prefira os caminhos da solidariedade.

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