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Miguel Paiva

Miguel Paiva é chargista e jornalista, criador de vários personagens e hoje faz parte do coletivo Jornalistas Pela Democracia

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Vivi para ver

"Jamais imaginaria viver para ver um vírus minúsculo e agressivo tomar conta do mundo como este Corona", escreve o cartunista Miguel Paiva

(Foto: Miguel Paiva)
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Por Miguel Paiva, para o Jornalistas pela Democracia

Vivi para ver, ainda garoto, o Brasil vencer a Copa do Mundo de Futebol de 1958. Ouvia os jogos num rádio de pilha comunitário da minha rua. Até o padre ouvia com a gente. Depois fiquei sabendo, meio de longe, sobre a Revolução cubana. Falava-se pouco na época mas já havia uma certa desconfiança por parte da pequena burguesia que me cercava. Vivi para perceber, já em detalhe, que Brasília era inaugurada, Jânio Quadros se elegia com uma vassoura e depois renunciava esperando voltar carregado pelo povo. Não voltou. Veio o Jango e a certeza de tempos difíceis. 

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Vivi também para experimentar a fase mais interessante da minha adolescência. Entrei para o Colégio de Aplicação da Faculdade de Filosofia. Minha vida mudou. Daí pra frente vivi para ver coisas que a minha idade um pouquinho mais avançada me proporcionaria. Ouvir os Beatles, Bob Dylan, Peppino di Capri cantando Roberta. 

Vivi para ver e sentir que alguma coisa acontecia no Brasil. O golpe de 64 avançava ainda distante da minha total compreensão. Mas fui vivendo e vendo que não era coisa boa. Gente sendo presa, escritores, artistas, sindicalistas reprimidos.  O mundo inteiro começava a reagir e eu a perceber. Maio de 1968 explodiu por toda a parte. Dos Estados Unidos às ruas de Paris. Ouvia também a música brasileira que começava a dizer ao que veio. Comecei a viver minha vida de adulto. Fiz sexo pela primeira vez e gostei. Fui morar sozinho. Vivi para ver que não era nada fácil viver, mas era muito bom.

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Os hippies ocuparam as ruas e o AI-5 acabou com as liberdades no Brasil definindo a ditadura como barra pesada. Eu começava a participar, primeiro como estudante e logo depois como jornalista.

Vivi para ver junto com o Ziraldo na casa dele no Lido, o homem chegar à Lua e o Brasil ser tricampeão. Vivi sobretudo para ir para a Itália, mudar minha vida, viver numa democracia. Aprendi outra língua, ouvi outra música e conheci outra cultura. Vivi para ver o computador de mesa ser criado, o CD ser lançado e John Lennon ser assassinado em 1980.

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Vivi também para ver o PT ser criado, a ditadura ser precariamente enterrada e o AIDS aparecer para arrefecer todos os ânimos pós- repressão. O plano Cruzado foi criado e a  nova Constituição lançada. Ver o Muro de Berlim cair deu um certo medo. O que iria acontecer? Mas a alegria era geral. Michael Jackson e Madonna cantaram essa época que eu vivi para ver.

Vivi para ver o celular tocar, apesar do sinal ruim. Aí, clonaram uma ovelha e o Mandela, com o fim do apartheid, virou presidente do país que o prendeu por anos e anos. Preferia não ter vivido para ver o Plano Collor ser aplicado, mas foi. Perdi dinheiro como todo mundo. Perdemos também Kurt Cobain, Cazuza, Steve Ray Vaughn, Freddie Mercury e Tupac Shakur. Também preferia não ter vivido para ver isso. Mas vi o Brasil ser tetra campeão.

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Talvez uma das coisas mais impressionantes que eu tenha vivido pra ver tenha sido o 11 de setembro. Assistir aquelas duas torres vindo abaixo depois de dois aviões se chocarem contra elas era tudo que ninguém imaginava ver um dia. Também não imaginava ver um metalúrgico ser eleito presidente da república. Mas Lula foi eleito e virou o maior estadista que esse país já teve. Saudades. 

O Euro foi criado e um negro eleito presidente dos Estados Unidos. Você imaginaria viver para ver isso? O Brasil foi penta mas já em fase de não fanatismo futebolístico. Foi bom. Ponto. 

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Ver que até Michael Jackson morreria, apesar do sonho de Peter Pan, foi forte como forte foi também elegermos uma primeira presidenta no Brasil. Mas vivi para ver que Dilma sofreu todos os preconceitos e pressões do mundo porque era mulher e de esquerda. Mesmo assim vivemos para ver o Rio sediar uma Olimpíada e o Brasil uma Copa do Mundo. Dilma sofreu um impeachment e Trump foi eleito só para provar que às vezes vivemos para ver coisas injustas.

De lá pra cá vivi para ver coisas que me chocaram mas não me surpreenderam. Temer passou ao largo da História e Bolsonaro foi eleito à base de mentiras e de um fascismo latente do eleitorado brasileiro que rezava ou orava para ver o PT pelas costas. Conseguiram e estamos vivendo para ver o país se despedaçar.

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Mas foi muita coisa que vivi para ver e agora me deparar com um acontecimento inesperado mas devastador. Jamais imaginaria viver para ver um vírus minúsculo e agressivo tomar conta do mundo como este Corona. Espero ainda viver o suficiente para poder contar que sobrevivi ao que vi e que o mundo mudou depois disso tudo. É viver para ver e ver para crer.

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