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Brasil

As mulheres de Atenas

Uma mulher é espancada a cada cinco minutos no Brasil. Somadas as vítimas, mais de 40 milhões de brasileiras já foram atingidas pela violência doméstica

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Uma mulher é espancada a cada cinco minutos, no Brasil, segundo o Mapa da Violência publicado pelo Instituto Sangari neste mês de maio. Somadas as vítimas, mais de 40 milhões de brasileiras já foram atingidas pela violência doméstica, de acordo com o Anuário das Mulheres Brasileiras, do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), em 2011. Elas representam cerca de 40% do total de mulheres no Brasil. Ou seja, podemos afirmar que pelo menos um quarto da população nacional já foi espancada dentro de casa por namorados, maridos, amigos ou familiares. O festival de horrores remete às torturas físicas promovidas em regimes controlados por ditadores ou inquisidores.

Quando não acaba em morte, o sofrimento das agredidas não pode ser dimensionado por nenhuma outra pessoa. Elas são envolvidas em um contexto complexo e tenebroso. Mais do que as marcas físicas, o massacre psicológico é o pontapé inicial do homicídio que, em muitos casos, é o resultado dos socos, chutes, cadeiradas e outros. Imersas nessa realidade, as mulheres têm suas vidas encarceradas pelo medo e vigiadas, mesmo que subliminarmente, pelos punhos, pensamentos e "dizeres" dos agressores. Não é fácil escapar, não é fácil pedir socorro. Para muitas vítimas da violência doméstica, ou da violência contra a mulher, pedir ajuda é como atravessar o oceano atlântico a nado. Entre 2006 e 2010, a Central de Atendimento à Mulher (Ligue 180) só registrou 1,6 milhões de denúncias, sendo que muitas delas não evitaram casos reincidentes.

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No entanto, é preciso considerar que a violência contra a mulher não termina e nem começa na agressão física. O simples fato de abrir a porta de casa e dirigir-se aos locais de rotina, como o trabalho ou até mesmo a escola, já é o suficiente para que ela sofra agressões tão intensas quanto os ataques físicos dentro de casa. É na rua que o preconceito e o machismo violentam centenas de brasileiras. A desigualdade social, ainda uma marca do Brasil, promove constrangimentos morais capazes de deixar graves hematomas psíquicos. Tudo sustentado por uma parcela da sociedade que ainda é doutrinada pelo antiquado chauvinismo masculino.

Segundo o CENSO 2010, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil tem, aproximadamente, 100 milhões de cidadãs, quase 10 milhões a mais do que eles. Porém, como explica um dos principais padrões que regem a sociedade brasileira: os poucos têm muito e os muitos têm pouco. E no mercado de trabalho isso fica bem claro. As mulheres têm 10 milhões a menos de representantes no mercado de trabalho, em relação aos homens, sendo que apenas 40% são trabalhos formais, com a carteira assinada. E elas raramente chegam aos cargos mais altos, como mostra o Anuário. Nas empresas privadas, a participação feminina não chega a 22% nas cadeiras principais, como a diretoria e a presidência. As Universidades entram nesse "ritmo". No país todo, a porcentagem de reitoras é menor do que 20%. E nos principais centros de representação política, como a Câmara dos Deputados, as deputadas eleitas nos últimos três anos eleitorais representam 13% do total de parlamentares escolhidos pela população. E isso tudo acompanhado de um salário que só consegue alcançar 70% do que ganham os homens. O reflexo dessa realidade é a dependência financeira.

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Apesar do boom entre 2000 e 2010, quando o número de mulheres responsáveis, financeiramente, pelos seus domicílios duplicou, elas ainda têm 13 milhões a menos de chefes de famílias do que os homens, segundo o IBGE. E tudo isso, muitas vezes, impulsionado pelo marido, que as aconselha a cuidar das crianças, da casa e do fogão. Sem renda, as mulheres tornam-se carentes, financeiramente, e passam a precisar do parceiro em quase tudo. E essa é uma das situações que fomentam a violência doméstica. O homem se sente no direito de impor à esposa, namorada ou até amiga as suas vontades, sob a pena de ser agredida, caso não obedeça. Alguns agressores, inclusive, chegam a justificar seus crimes com o fato de que custeiam a vida das mulheres com quem viveram, ou vivem, e que elas se comportaram de forma diferente à esperada por eles.

Todavia, é inegável que a mulher é mais preparada, intelectualmente, do que o homem. Além de serem mais alfabetizadas do que eles, devido a uma série de fatores, elas têm mais títulos de graduação, mestrado e doutorado, passam mais tempo estudando e têm adquirido cada vez mais uma alta competência técnica. Mas, mesmo assim, ainda são agredidas socialmente pela falta de segurança e de respeito. A elas ainda são impostos lugares, ocasiões e realidades que foram determinadas por fatos cruéis da história do mundo.

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As mulheres são atropeladas por injustiças que duram quase um século após a série de protestos iniciados por manifestantes russas que marcaram o dia 8 de março com o Dia Internacional da Mulher. De 100 anos atrás até hoje, pouca coisa mudou de fato. Apesar dos contextos distintos, as práticas ainda carregam o ranço dos tempos quem que a humanidade ignorava os preceitos democráticos e os direitos humanos, tempos em que princípios pouco inteligentes ainda coordenavam o que o homem e a mulher deveriam pensar ou fazer. Graças a isso, atualmente, muitas mulheres ainda precisam subir duas ou três vezes o mesmo degrau para serem reconhecidas como seres humanos. Ainda precisam lutar muito para provar a sua capacidade.

Essa batalha cotidiana das brasileiras por igualdade, liberdade e respeito é antiga. O Brasil já conheceu muitas Marias, Joanas, Ritas e Anitas que, empunhando personalidade, resistência e coragem, atravessaram a história por dignidade e persistem firmes na luta por um espaço em um ambiente que é extremamente machista. E não é fácil. Elas foram e são atropeladas pela truculência da discriminação. As culturas religiosas, os modelos econômicos, os sistemas de governo, a justiça ineficiente e uma mídia irresponsável retrocederam o brasileiro na questão da igualdade entre os gêneros.

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A violência contra a mulher é uma tragédia na história do país e do mundo. Simboliza a manutenção de uma ditadura do medo, produzida por criminosos históricos e perpetuada por covardes, no presente. Instituições falidas criaram métodos que coíbem a participação feminina e que atrasaram o desenvolvimento social do Brasil. São esses métodos que ainda hoje transformam mulheres em objetos. Basta ligar a televisão para perceber que o corpo da mulher ainda é mais interessante do que o que ela pensa e quer.

E mesmo com as poucas mudanças que vêm sendo desenvolvidas, timidamente, nesse âmbito, a igualdade entre o homem e a mulher é algo distante. O Governo Federal precisa trabalhar políticas públicas para combater a violência e a desigualdade, entre eles e elas, também com programas de reparação e retratação. E a sociedade tem de se unir para instaurar reformas e mudanças de paradigmas, visando a exclusão permanente de restos dos fracassos históricos de tempos em que éramos menos esclarecidos.

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Hoje, além da Central de Atendimento à Mulher, os mais de cinco mil municípios brasileiros contam com 375 delegacias especializadas no atendimento à mulher, além de outros serviços e centros de atenção direcionados à vítimas de agressão. Entretanto, nem somadas essas instituições são 100% eficientes em combater a violência contra a mulher em um país de proporções continentais. Atualmente, os cidadãos são o principal escudo das mulheres contra a violência, porque têm o direito e o dever de denunciar os agressores, tarefa que antes era exclusiva da vítima. Os brasileiros são, agora, ainda mais responsáveis por eliminar as intimidações morais e físicas sofridas pelas mulheres.

O título deste artigo é uma referência à música do Chico Buarque "Mulheres de Atenas", que trata da violência contra a mulher.

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Rafael Querrer é jornalista, repórter de política e economia e colaborador da ONG Comitê para a Democratização da Informática

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