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Saúde

Bactérias super-resistentes são encontradas em 40% das carnes vendidas em supermercados da Espanha

Infecções causadas por bactérias multirresistentes aos antibióticos matam cerca de 700 mil pessoas todos os anos, segundo a OMS

Brasil suspende exportações de carne bovina à China com confirmação de caso de "vaca louca" 19/10/2019 (Foto: REUTERS/Amanda Perobelli)
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Por Fernanda Bassette, da Agência Einstein - Pesquisadores espanhóis encontraram bactérias super-resistentes a antibióticos em 40% das amostras de carne coletadas em supermercados aleatórios na Espanha. O estudo foi apresentado durante o Congresso Europeu de Microbiologia Clínica e Doenças Infecciosas, realizado na Dinamarca, e coloca em discussão o tema da resistência bacteriana – uma das dez maiores ameaças à saúde pública, à segurança alimentar e ao desenvolvimento global, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). 

As infecções causadas por bactérias multirresistentes aos antibióticos matam cerca de 700 mil pessoas por ano, de acordo com a OMS. A projeção da entidade - caso as tendências atuais se mantenham - é alarmante: estima-se que esse número possa chegar a 10 milhões de mortes anuais até 2050 se nada for feito. Estimativas mais recentes apontam que, no cenário pós-pandêmico, o impacto em termos de mortes e custos para o sistema de saúde pode ser ainda maior.

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No estudo espanhol, os pesquisadores da Universidade de Santiago de Compostela coletaram amostras de 100 alimentos à base de carne em supermercados selecionados aleatoriamente, incluindo peru, frango, carne bovina, carne suína e seus derivados. Após análise do material, eles constataram que 73% das amostras continham E. coli (Escherichia coli) dentro dos limites tolerados para consumo, porém, mesmo com a quantidade certa, 40% delas continham E. coli multirresistente e/ou potencialmente patogênica.

O estudo também destaca que a E.Coli resistente aos medicamentos foi encontrada em 68% das amostras de peru, 56% de frango, 16% de carne bovina e 12% de carne suína. Além disso, os pesquisadores observaram que 27% das amostras de carne analisadas continham E.Coli patogênica extraintestinal, que pode causar danos em outras partes do corpo, além do trato gastrointestinal, como infecções na corrente sanguínea ou no trato urinário, principalmente em pacientes de UTI que utilizam sondas e cateteres.

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Segundo Adriano José Pereira, médico intensivista e pesquisador do Hospital Israelita Albert Einstein, a diferença básica entre as amostras identificadas é que a E.coli “convencional” corresponde a um grupo de micro-organismos mais abundantes, também reconhecidos como coliformes fecais e podem estar presentes nas praias e nos alimentos até uma certa quantidade sem causar problemas à saúde. 

No caso do estudo, os pesquisadores identificaram também a presença de um subtipo da E.coli que é particularmente resistente a antibióticos (a mesma bactéria que pode ser encontrada em hospitais) e, por isso, a possibilidade de haver algum risco à saúde. Dados da OMS mostram que o uso de antibióticos seja ele em casa, nos hospitais, em consultórios de medicina veterinária ou nas fazendas, pode fazer com que as bactérias, ao longo do tempo, se tornem resistentes e isso deve impactar na saúde humana (conceito conhecido como Saúde Única, tradução do inglês, “One Health”).

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“A bactéria identificada em 40% das carnes é uma E.coli mutante, com características que demonstram que ela é capaz de não responder ou não ser afetada por antibióticos convencionais”, disse o médico. Adriano explicou ainda que o fato dessa bactéria estar presente nas carnes não quer dizer necessariamente que ela vai causar infecções diretamente em seres humanos que ingerirem ou tocarem nesses alimentos, mas existe a possibilidade de que, por meio de cadeias complexas de transmissão dessa resistência e disseminação, esses microrganismos possam chegar aos hospitais, em pacientes fragilizados. “Por isso, ela é considerada potencialmente patogênica,”explicou.

O fato de a bactéria resistente ser encontrada principalmente nas aves pode ter relação com a taxa de consumo de antibiótico por esses animais. As aves criadas em regime de confinamento, assim como os suínos, podem adoecer e ao mesmo tempo transmitir doenças infecciosas entre si (especialmente doenças respiratórias) – então, por isso, estão entre os animais que mais consomem antibióticos. 

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Infecções hospitalares

A resistência a antibióticos ocorre naturalmente ao longo do tempo, mas o mau uso desses medicamentos, bem como o seu uso excessivo em humanos e animais, tem acelerado esse processo de resistência. Isso faz com que um número crescente de infecções, como pneumonia, tuberculose e gonorreia, esteja se tornando mais difícil de ser tratado, devido à menor eficácia dos antibióticos normalmente utilizados.

A ciência vem buscando se aprofundar no conhecimento dos mecanismos que levam à resistência bacteriana, bem como encontrar alternativas que caminhem para além do uso racional deles. 

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“A maioria desses animais (bois, porcos, aves) são alimentados com rações misturadas a antibióticos. Os criadores fazem isso para prevenir infecções, que, muitas vezes, podem ser de origem viral (não afetadas pelos antibióticos). Isso exerce uma pressão de seleção e de evolução dessas bactérias, que se reproduzem muito rapidamente e são condicionadas a resistir aos antibióticos usados. Muitas morrem, mas basta uma resistir e ela passa a se reproduzir muito rapidamente, mais resistente ao medicamento”, explicou o médico do Einstein.

O maior impacto, diz Pereira, está na presença dessas bactérias multiressistentes em hospitais. “Acredita-se que, de alguma maneira, haja alguma interferência na cadeia de eventos, desde a alimentação desse animal, passando por quem o manipula, pelas comunidades de moradores que trabalham com isso, até chegar no ambiente hospitalar. Isso precisa ser mais bem descrito, mas existe um racional teórico de que a pressão de seleção que começa nas criações dos animais possa chegar ao ambiente hospitalar e se traduzir em infecções que atingem os seres humanos”, disse Pereira.

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Mesmo com a correta higienização do ambiente, Pereira destaca que as bactérias podem causar infecções no paciente de UTI, por exemplo, por causa do uso de dispositivos (entubação, cateteres, entre outros). Para se ter uma ideia do tamanho do problema, dados do projeto Impacto MR, uma iniciativa do Einstein em parceria entre os hospitais de reconhecida excelência do país (HCor, Sírio-Libanês, Moinhos de Vento, Oswaldo Cruz e Beneficência Portuguesa) e o Ministério da Saúde, por meio do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do SUS (Proadi), apontam que a E.coli foi a 3ª bactéria mais encontrada em infecções hospitalares no país. 

A plataforma engloba informações de hospitais públicos e privados do país e, hoje, reúne dados de mais de 150 mil pacientes – 10% desses pacientes tiveram infecção hospitalar, sendo que cerca de 10% foram causadas pela E.coli resistente. “A E.coli multirresistente foi o terceiro microorganismo mais encontrado como causador dessas infecções. Isso nos permite ter ideia de quão frequente ela é no ambiente hospitalar”, destacou.

Essas infecções, causadas por bactérias multirressistentes, representam hoje uma das principais causas de mortalidade hospitalar. Isso acontece, explica Pereira, porque a frequência de infecções associadas à assistência à saúde e o uso de antibióticos é maior nas UTIs e, por esse motivo, é nesses locais onde a resistência bacteriana mais comumente pode surgir. 

Chamamento global da OMS

O problema das bactérias multirresistentes é tão crônico que em 2015 a Organização Mundial da Saúde fez um chamamento para que os países desenvolvessem planos nacionais ou regionais ao redor do globo para o enfrentamento da questão. 

“Esses dados [encontrados no estudo espanhol] são alarmantes, nos preocupam sim. Mas, de alguma maneira, essa cadeia de eventos já vem sendo descrita e estudada, tanto que a OMS fez um chamamento internacional para que os países se organizassem para o controle das superbactérias. O plano nacional, que está sendo revisto agora, prevê ações conjuntas e intersetoriais, envolvendo por exemplo setores da Saúde e Agropecuária”, disse o médico.

Mais estudos precisam ser feitos para compreender melhor o fenômeno e entender os mecanismos de resistência para então propor alternativas. “Precisamos conhecer melhor o problema para podemos testar intervenções e criar alternativas que possam ser utilizadas no campo para manter a produtividade e ao mesmo tempo garantir a redução segura do uso de antibióticos nessas criações”, completou Pereira.

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