CONTINUA APÓS O ANÚNCIO
Milton Alves avatar

Milton Alves

Jornalista e sociólogo

187 artigos

blog

A encruzilhada de Milei: entre a ‘terapia de choque’ da extrema direita e o macrismo da casta neoliberal

'A população cobrará um pedágio caro sobre a demagogia do discurso eleitoreiro de Javier Milei, o candidato antissistema', escreve o colunista Milton Alves

Candidato presidencial argentino Javier Milei (Foto: REUTERS/Mariana Nedelcu)
CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no canal do Brasil 247 e na comunidade 247 no WhatsApp.

A Argentina tem um novo presidente, eleito no último domingo (19). Trata-se de Javier Milei (A Liberdade Avança), que obteve uma vitória espetacular, alcançando cerca de 56% dos votos válidos contra 44,04% de Sergio Massa, da coligação peronista União pela Pátria.

Javier Milei também venceu em quase todo o país e foi derrotado apenas em três estados: Buenos Aires, Santiago del Estero e Formosa. Apesar da vitória eleitoral no segundo turno na maioria das províncias (estados), o partido de Milei não controla nenhum governo estadual.

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

O quadro de forças no parlamento é desfavorável para o presidente eleito. Na Câmara de Deputados, a composição das 257 cadeiras ficou assim distribuída: União Pela Pátria (bancada peronista), 105 deputados; Juntos pela Mudança (bancada ligada ao ex-presidente Maurício Macri), 92 deputados; A Liberdade Avança, de Milei, 39 deputados; Terceira Via (centro-esquerda), 8 deputados; Frente de Esquerda e dos Trabalhadores, 5 deputados. No Senado, as 72 cadeiras ficaram assim distribuídas: União Pela Pátria (33), Juntos pela Mudança (24), A Liberdade Avança (7), Terceira Via (3) e mais 5 outros senadores sem posições definidas.

A composição das casas parlamentares deixa o governo eleito numa grande dependência de acordos com o bloco político de Macri, mas a aliança com o ex-presidente não garante uma maioria parlamentar. Na Câmara, ainda faltariam 39 deputados para assegurar uma maioria consolidada.

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

Além disso, no bloco macrista, deputados da União Cívica Radical (UCR) têm sérias divergências com propostas apresentadas por Milei durante a campanha eleitoral. O cenário é mais adverso ainda para ele no Senado.

Portanto, a futura governabilidade encontra um primeiro e importante obstáculo na atual composição do parlamento, o que vai demandar uma negociação política arriscada e difícil para obter uma possível aliança com setores do peronismo. Uma tarefa que será delegada para os macristas na Câmara de Deputados e no Senado argentino.

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

Terapia de choque ou gradualismo em defesa da casta neoliberal

No domingo passado, ao discursar durante a comemoração da vitória, Javier Milei adotou a mesma linha aplicada durante a campanha, fez um discurso radical, de ataques aos programas sociais e aos subsídios, anunciou a disposição de privatizar empresas estatais, dolarizar a economia, ameaçou romper com os dois principais parceiros comerciais (Brasil e China) — e mais: que faria tudo isso sem gradualismo.

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

No entanto, ao longo da semana, uma versão mais suave do futuro governo começou a ser delineada, mais neoliberal, mais gradualista. Ou seja, um esforço no sentido de diminuir a rejeição para as futuras medidas de choque ou gestos para testar o nível de normalização e aceitação de sua personagem política, que se apresentou como antissistema. Ao que tudo indica, a vitória de Milei agradou bastante as “castas” dominantes.

Medidas anunciadas na campanha, de forma histriônica e de conteúdo duvidoso, já começam entrar no “modo muy despacito”: fim do Banco Central, por exemplo, qualquer medida nessa direção só após dois anos de governo, segundo declaração do próprio Milei – nesta sexta-feira(24), o presidente eleito voltou a falar no fim do banco. Já a dolarização ficou fora do radar imediato. Porém, é possível alguma medida no terreno cambial combinada com o atual presidente Alberto Fernández. A relação agressiva com o Brasil, de ataques ao presidente Lula, sofreu uma mudança de tom nas últimas 48 horas.

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

Sobre as privatizações, o alvo principal da casta privatista é a petroleira estatal YPF.S.A, reestatizada no governo de Cristina Kirchner. As ações da Yacimientos Petrolíferos Fiscales (YFP) dispararam na última segunda-feira (20) na Bolsa de Valores de Nova York. A Argentina é autossuficiente na produção de combustíveis e a petroleira estatal quebrou um recorde no mês de setembro, produzindo 645.500 barris diários de petróleo.

O fantasma das privatizações poderá encontrar uma enorme rejeição em diversos setores da sociedade argentina. Na memória da população, o processo desastroso conduzido pelo governo de Carlos Menem (1989-1999) ainda é uma amarga lembrança. Menem privatizou a YFP, a Aerolíneas Argentinas (outrora um motivo de orgulho dos argentinos), a Ferrocarriles Argentinos (empresa estatal reestatizada em 2015 pela presidente Cristina Kirchner, que administra a totalidade da rede ferroviária do país) e companhias de saneamento.

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

Milei ameaça avançar nos sistemas educacionais – com a adoção dos infames vouchers para a compra de vagas nas escolas e universidades – e de Saúde Pública, serviços públicos que gozam ainda de relativo prestígio.

Neste sentido, é cada vez mais maior o papel exercido pelo ex-presidente Macri, que defende a indicação de Luis Caputo para o Ministério da Fazenda, o economista ocupou o mesmo cargo no governo macrista. Patricia Bullrich será a futura ministra da Seguridad (segurança).

Analistas políticos avaliam que o ex-presidente Maurício Macri será uma espécie de fiador do governo de Javier Milei, uma salvaguarda para os garantir os interesses da casta neoliberal, que tanto o personagem “anarcocapitalista”, agora presidente eleito, encenou ser contra “todos eles” durante a campanha eleitoral.

Turbulências à vista, piqueteiros nas ruas

Vale lembrar que o extremista Milei venceu uma eleição com um discurso genérico de protesto antissistêmico, agitando fatias da juventude marginalizada e sem perspectivas profissionais, das classes trabalhadoras mais precarizadas e do lumpesinato, segmentos sociais esmagados pelo neoliberalismo e açoitados por erros da política econômica do governo Alberto Fernández. Uma outra relação é retirar direitos já conquistados, sem provocar a ira popular, como os diversos subsídios sociais, que abrangem da compra de alimentos básicos, remédios até os preços das passagens dos transportes coletivos urbanos e intermunicipais.

Movimentos sociais e sindicais já anunciaram mobilizações de protestos e sinalizam amplo desacordo com projetos do novo governo. A Frente Nacional de Luta dos Piqueteiros convocou para os dias 19 e 20 de dezembro uma jornada nacional de luta, com manifestações e acampamentos em Buenos Aires e nas províncias. Por sua vez, a direção executiva da CGT, reunida nesta semana, indicou que prepara uma plataforma de resistência em defesa dos direitos e conquistas dos trabalhadores.

Portanto, Javier Milei não terá uma vida fácil, e a aterrissagem do TikTok ao gabinete presidencial da Casa Rosada, no próximo dia 10 de dezembro, vai cobrar um pedágio caro sobre a demagogia do discurso eleitoreiro de campanha do candidato antissistema. Nós brasileiros, temos a lembrança de Fernando Collor, uma fraude, que não durou dois anos na cadeira presidencial.

iBest: 247 é o melhor canal de política do Brasil no voto popular

Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista:

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO
CONTINUA APÓS O ANÚNCIO
CONTINUA APÓS O ANÚNCIO