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Ricardo Almeida

Consultor em Gestão de Projetos TIC e ativista do movimento Fronteras Culturales

24 artigos

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A pandemia e a realidade brasileira

Se as medidas de prevenção não se tornarem estímulos de domesticação dos corpos e das mentes, a superação deste período pode vir a ser um novo momento de consciência e de liberdade

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A peste pode estar por toda parte, em qualquer canto do mundo, infectando indivíduos de todas as classes sociais e se depositando nas superfícies dos objetos. Diferente de outros vírus do passado, o seu crescimento é exponencial e em poucos dias as pessoas estarão se trancando em suas próprias casas ou rezando em uma seita neopentecostal. Para se salvar os pastores simularão rituais para obter a clemência e o pagamento pelos serviços prestados aos bispos impostores. Até o governo Bolsonaro vai ter que reconhecer a importância das ciências e insistir para que as pessoas não saiam de casa... Mas é impossível prever até onde e quando o coronavírus vai se propagar pelas nossas cidades, pois a realidade brasileira é cheia de omissões e de desafios.

A expansão da pandemia deverá aumentar o ceticismo e a solidão que já existe na sociedade atual, caracterizada por redes remotas de computadores e de smartphones. A convivência e a crença em um futuro melhor, que vinham se definhando, poderão se tornar mais frágeis, pois as pessoas começarão a se relacionar seguindo as normas ditadas por especialistas em surtos, epidemias, endemias e pandemias, em busca de soluções urgentes e viáveis, ou por alguns charlatões dos templos, como se fosse uma punição divina pelos pecados cometidos (que foram vários nestes últimos anos). Se a ciência e a disciplina não forem encaradas como as melhores formas de controlar a propagação do vírus e a possibilidade de garantir um futuro saudável para as nossas famílias e comunidades, os templos, os hospitais e até as residências poderão se transformar em verdadeiras prisões. 

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Algumas pessoas estão reagindo como se estivéssemos vivendo sob um Estado de Sítio, provocado por medidas de exceção e pelo cerceamento da liberdade, enquanto que outras fazem diferentes reflexões sobre a morte, o sentido da vida e a importância do amor, da solidariedade e da compaixão. Tudo isso é um sinal de que, contraditoriamente, a pandemia poderá contribuir para gerar um sentimento de revolta e a valorização do conhecimento científico para controlar a expansão dos flagelos. Como alguns indivíduos deverão se insurgir contra a sua condição de vida e a das suas comunidades, é um momento que também pode servir para estreitar os laços de fraternidade e de união entre as pessoas, mesmo que agora seja predominantemente por meios digitais.

Se as medidas de prevenção não se tornarem estímulos de domesticação dos corpos e das mentes, a superação deste período pode vir a ser um novo momento de consciência e de liberdade. Está passando da hora de a sociedade brasileira aprender que os vírus podem permanecer adormecidos por entre as ruelas abandonadas ou na pele de alguns animais conhecidos. Foi assim durante a Peste Negra, na Idade Média até meados dos 1800, a “gripe espanhola”, no início do século 20, e o surto do H5N1, conhecido como a “gripe aviária”, no início do século 21. 

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Existem algumas semelhanças e diferenças com a realidade brasileira? Sim, pois as cidades medievais eram pequenas vilas, formadas por ruelas, sem esgoto e tratamento sanitário. Foi o medo de contagio que fez com que as elites “se preocupassem” com o saneamento básico e com as condições de vida dos trabalhadores, a partir da segunda metade do século 19. Londres e Paris, por exemplo, realizaram as suas grandes obras sanitaristas e urbanas, em função da expansão de epidemias, pois as suas ruas eram estreitas, com esgoto a céu aberto e uma total falta da luz do sol. Barcelona e outras grandes cidades demoraram para tomar medidas semelhantes até o início do século 20. Enquanto isso, as cidades brasileiras cresceram de forma desordenada, principalmente após o fim da escravidão e durante os regimes militares, com a falta de saneamento básico, o amontoado de casas e de famílias, e a ocupação desordenada do uso do solo, transformando-se em gravíssimos problemas sociais e urbanos. 

Além disso, no Brasil atual temos um governo de costas para o povo, uma elite submissa ao capital internacional, uma estrutura de saúde pública sendo desmantelada e a maioria das famílias sem recursos disponíveis para comprar remédios e alimentos, pois vive de serviços terceirizados – a chamada uberização do trabalho. Com isso, aquela parcela que tinha as mínimas condições de vida perdeu os seus direitos recentemente e, sem trabalho, deverá perder muito mais com as iminentes medidas de confinamento obrigatório. 

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Nesse contexto, a propagação da pandemia na sociedade brasileira deve se dar de maneira distinta da China, da Itália e da Espanha, por exemplo, pois a nossa realidade é muito mais vulnerável. Iremos necessitar de um tratamento de choque desde o início da campanha de prevenção, que imponha uma vigilância permanente nas residências e nas comunidades, sem vacilar. É bem provável que algumas cidades com essas características citadas deverão se transformar em verdadeiros campos de concentração, com a proibição da circulação de pessoas. Cada rua e bairro deverá ter um tipo de síndico para vigiar aos demais e que estará autorizado para adotar medidas drásticas, como solicitar ordens de prisão e internamentos compulsórios. 

Apesar desse esforço cidadão, é certo que muitas pessoas morrerão confinadas em suas próprias casas, das mais saudáveis às que fazem parte da população de risco, enquanto outras ficarão revoltadas e cometerão atos de violência para sair para a rua, em busca de sol e de sustento. Acredito que, aos poucos, o cansaço da sociedade em isolamento deverá nos obrigar e aceitar a adoção de algumas medidas mais duras para defender a vida. Lembrem-se que o medo de contágio fez com que até as elites “se preocupassem” com o saneamento básico e com as condições de vida dos trabalhadores em outros países, mas que não era um tempo de neoliberalismo e nem em um país do capitalismo periférico, com uma elite exportadora dependente. Portanto, se conseguirmos nos organizar para evitar o pior dos cenários, é porque agimos como nunca antes na história desse país.

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O nosso desafio é se prevenir sem deixar que o sonho de uma sociedade baseada na liberdade, na fraternidade e na igualdade radicalizadas se esvaia no ar, como desejam os simpatizantes dos regimes autoritários. Eles querem decidir quem deverá viver e quem deverá morrer, enquanto nós, que conhecemos o lado escuro da vida, jamais defenderemos uma ordem fundada na obediência e no medo, mas sim na criação de alternativas orientadas pelo máximo de consciência individual e coletiva. Sejamos realistas e vamos apostar no que hoje ainda parece ser impossível!

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