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Marconi Moura de Lima Burum

Mestrando em Direitos Humanos e Cidadania pela UnB, pós-graduado em Direito Público e graduado em Letras. Foi Secretário de Educação e Cultura em Cidade Ocidental. Trabalha na UEG. No Brasil 247, imprime questões para o debate de uma nova estética civilizatória

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As leis também existem para Nelson Piquet

Nelson Piquet e Lewis Hamilton (Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil | Reuters)
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Quero falar hoje de uma espécie de semiologia forense do racismo. E em que medida esses atos racistas do ex-piloto e ex-estrela do esporte brasileiro, Nelson Piquet, podem produzir uma onda de impunidade frente ao conteúdo histórico mais podre do Brasil: o racismo! Como assim? 

Semiologia, em grosso modo, é o sentido das coisas. Não me refiro aqui – não é o lugar – sobre o estudo da ciência da Semiologia, no entanto, o básico de sua abordagem, a saber, a relação dos signos linguísticos e sua potência na produção cognitiva do conhecimento das pessoas sobre as coisas. Resumindo: é o significado que brota de cada objeto/evento que vemos ou ouvimos. 

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Forense é um termo jurídico. Guarda relação com o fórum, em etimologia do Latim. Contudo, se amplia ao sentido do exercício jurídico e jurisdicional das coisas legais, particularmente mais utilizado em eventos do Direito Penal. Portanto, fala-se bastante na análise dos efeitos criminais com abordagens forenses. 

Por derradeiro, racismo é o nojo da ação, sensação e vivência humana que separa pessoas em sentido depreciativo. Distingue pessoas por efeitos de raça etc. É o evento  antiético, anti-dignidade, destarte, anti-humano. No Brasil sua potência máxima deriva dos tempos malditos da escravidão do povo africano sequestrado de suas nações do outro lado do Atlântico para serem obrigados à tortura do trabalho escravo nas lavouras e nas pias cheias de louças dos homens brancos (homem aqui é uma remissão ao sentido patriarcal, outro braço podre do Brasil, que se hegemoniza como anti-cultura). 

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Dito esta introdução, por semiologia forense do racismo, verso e inverso, podemos dizer que  é o lugar de fala do Estado brasileiro (sociedade civil e Poder Judiciário) quanto à aceitação ou intervenção diante dos sentidos criminológicos dos eventos racistas. Isto é, a atitude que reitera/chancela, ou que combate/impede o crime de racismo. 

Vamos ao Piquet. Não quero perder tanto tempo de vocês com o caso em si. Resumo: o brasileiro e ex-campeão de Fórmula 1, numa entrevista ao jornalista Ricardo Oliveira em 2021 (em vídeo que vazou somente agora para a imprensa), chama o piloto inglês, Lewis Hamilton, de “neguinho”[1] em tom pejorativo. 

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Embora tenha vindo a público se desculpar alguns dias depois e dizer que não usava o termo de forma ofensiva, nada na fala original justifica o uso da forma coloquial a fluir como uma conversa “natural”, como explica o ex-campeão brasileiro[2]. E mesmo que o fizesse, vivemos em outro tempo em que há necessidade emergente de se romper com expressões que remetem a um passado trágico na história da humanidade em cujas sequelas da escravidão em ordem global afeta sobremaneira – e miseravelmente – tanto as populações atuais do continente africano, como as populações negras nascidas (ou exiladas, ou refugiadas) em todas as nações que as escravizaram. Trata-se, doravante, de não “inocentalizar” expressões e ressignificar os sentidos. 

Portanto, não há justificativas que justifiquem um cara tão famoso (como o Piquet) e sabedor das formas de se comunicar a produzir os sentidos (semiologia) intencionais que ele queira. 

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Para piorar a situação e demonstrar a hipocrisia, a crueldade e os crimes (sim, ele comete crime de racismo previsto na Constituição e nas legislações brasileiras), Piquet reitera em novo vídeo os preconceitos e o racismo do ano passado. 

Na película divulgada pelo sítio “Grande Prêmio”[3] no dia 30 de junho de 2022, Piquet responde a uma pergunta de Oliveira na mesma entrevista (que tem chegado para o público por pedaços, podendo conter ainda mais crimes). Assim diz Piquet: “O Keke [Rosberg]? Era um bosta, não tinha valor nenhum”. E na sequência da resposta, fala do filho de Keke, Nico Rosberg, que venceu Hamilton em 2016 afirmando que o piloto inglês perdera o campeonato somente porque esse “neguinho devia estar dando mais c* naquela época, aí tava meio ruim”. Ou seja, nas palavras de Piquet, Hamilton é melhor piloto que Nico, mas estaria sem foco. É o que compreendemos de seu dizer ao usar estes termos homofóbico e racista. 

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Isto posto, gostaria de passar um recado (espero que não fique somente na comunicação) ao Nelson Piquet: as leis do Brasil também existem para você. Então anote aí, seu racista: i) Constituição Federal, em seu Art. 5º, qual seja, inciso “XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei”; ii) Lei nº 7.716/1989, in verbis: “Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. (…) Pena: reclusão de um a três anos e multa”, podendo ser agravada para 5 anos de reclusão se o crime for praticado a partir de meios de comunicação (ver § 2º deste caput). 

Há inúmeros outros diplomas que denotam o repúdio e a tipificação do crime de racismo. Seus advogados, Piquet, saberão traduzir a você na hora de te defenderem perante um Tribunal, pois tenho a esperança que este texto possa impulsionar alguns movimentos jurídicos e sociais a impetrarem uma Ação Judicial à altura do seu racismo que não apenas é a reiteração da crueldade histórica dos crimes da escravidão brasileira, todavia, dada a importância dos seus títulos como esportista brasileiro, funcionam como uma ressonância sem precedentes ao estímulo para a prática de racismo reiterado na sociedade brasileira. 

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Ou seja: a impunidade e o silêncio – ou ignorar ações – frente aos crimes de Nelson Piquet opera na contra lógica do enfrentamento do racismo e possui uma carga semiológica (produz sentidos) para que o vírus dos preconceitos que habita em cada um de nós, mais elevado ainda à milésima potência nos fascistas de plantão, atue a retroagirmos cinco séculos de maus-tratos ao povo negro deste País.

………………………...

[1] Fala 1 do Piquet, recuperada da entrevista de 2021: “O neguinho meteu o carro e não deixou (Verstappen desviar). O neguinho deixou o carro porque não tinha como passar dois carros naquela curva. Ele fez de sacanagem. A sorte dele foi que só o outro se f*deu. Fez uma p*ta sacanagem”.

É possível encontrar o texto original em todos os sítios de notícias.

[3] Palavras do Piquet, ao se desculpar: “foi mal pensado, e não vou me defender disso, mas quero esclarecer que o termo é ampla e historicamente usado de forma coloquial na língua portuguesa como sinônimo de 'pessoa' ou 'cara', e não foi usado com intenção de ofender”.

Se fazemos exercício simplório de Análise do Discurso, vemos de partida duas coisas relevantes: i) como o cara pede desculpas e diz que “não vou me defender disso”? Não há arrependimento sincero, nem vontade de se retratar; e ii) ao menos numa coisa Piquet está certo – ao inverso – ao trazer o evento “historicamente”. Ou seja, é exatamente o evento histórico a tragédia chanceladora, seja nos discursos coloquiais das pessoas, seja nos discursos institucionais do Estado, seja nos discursos legais e jurídicos produtores ou sequestradores de Direitos, da naturalização do racismo.

A verdade é que ele fingiu pedir desculpas porque corre o risco de perder dinheiro e influência dentro do automobilismo, pois a fala de Piquet foi condenada pela Federação Internacional de Automobilismo (FIA), pela Fórmula 1, por várias equipes e pilotos, além de patrocinadores e toda a sociedade.

[3] Sobre a fala 2 do Piquet nesta mesma entrevista, e recuperada ontem (30), veja por meio do link: https://www.youtube.com/watch?v=jxXH4m38e30 .

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