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Paulo Kliass

Paulo Kliass é doutor em economia e membro da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental do governo federal

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Brasil no pódio da taxa de juros

A manutenção do espírito de austeridade fiscal a todo custo terminou por orientar as propostas conservadoras do Ministério da Fazenda

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MInistro da Fazenda, Fernando Haddad (Foto: REUTERS/Carla Carniel)
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A necessária discussão a respeito dos riscos provocados pela política do neoaustericídio de Fernando Haddad tem colocado em primeiro plano a preocupação com os aspectos da política fiscal. Afinal de contas, desde a proposta do Novo Arcabouço Fiscal encaminhada por ele ao Presidente Lula logo no início de seu terceiro mandato, o Brasil não conseguiu se livrar do fardo que representava o famigerado Teto de Gastos da época de Temer e Bolsonaro. A aprovação da Lei Complementar nº 200/23 em agosto do ano passado passou a estabelecer as orientações para a estratégia do governo na busca da sacrossanta responsabilidade na condução do equilíbrio entre reecitas e despesas governamentais. A manutenção do espírito de austeridade fiscal a todo custo terminou por orientar as propostas conservadoras do Ministério da Fazenda, como a atual meta de zerar o déficit primário para o ano em curso.

No entanto, apesar de toda a capacidade destruidora proporcionada pela obsessão do professor do Insper em atender aos comandos do pessoal da Faria Lima no quesito fiscal, a verdade é que a política monetária segue também trazendo consequências muito graves para a economia e para a sociedade brasileiras. A manutenção do foco e da artilharia do financismo sobre as contas ditas “primárias” busca isentar de toda e qualquer responsabilidade o impacto provocado pelas despesas financeiras sobre o equilíbrio macroeconômico. Assim, o espírito da tesoura se limita a atuar sobre as rubricas orçamentárias como previdência social, saúde, educação, assistência social, segurança pública, salário de servidores públicos, saneamento e toda a sorte dos demais investimentos do Estado. Ninguém ouve ou lê nenhuma crítica da parte da elite da finança reclamando da suposta “farra” ou “gastança” envolvendo os valores escandalosos com o pagamento dos juros da dívida pública.

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Despesas com juros: nada de teto ou limite

Mas o fato é que o Brasil continua batendo recordes sucessivos no cumprimento desse tipo de gasto. Trata-se do segundo maior grupo de despesa orçamentária, ficando apenas atrás das despesas com benefícios previdenciários. Ao longo dos últimos 12 meses, por exemplo, o Tesouro Nacional transferiu exatos R$ 748 bilhões dos cofres públicos para atender aos interesses dos detentores de títulos da dívida pública federal. Assim como ocorre com a regressividade do nosso sistema tributário, a natureza do sistema de despesas também termina por beneficiar os setores do topo de nossa pirâmide da desigualdade social e econômica. Nos momentos em que se ouve a gritaria por maior rigor e controle no gasto federal, porém, nada é percebido quanto a medidas para impor limites, tetos ou contingenciamento sobre esse tipo de dispêndio.

A principal causa de tal distorção reside justamente na política monetária. A manutenção histórica de nossa taxa oficial de juros em patamares estratosféricos impacta diretamente o montante do fluxo de juros que incide sobre o estoque total do endividamento público. Ao longo das últimas décadas, o Brasil sempre ocupou uma posição de destaque na comparação das alternativas de rendimento financeiro pelo resto do mundo. Ao definir os níveis da nossa SELIC em andares bastante elevados, o Comitê de Política Monetária (COPOM) termina por chancelar as expectativas dos grandes operadores do mercado financeiro nacional e internacional. O nosso País sempre foi conhecido como o paraíso do rentismo parasita, uma vez que oferece as maiores taxas de retorno para aplicações puramente financeiras e não exige nenhuma contrapartida para o capital especulativo que para cá se dirige.

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A boa prática de atração de investimentos estrangeiros sugere que, ao menos, a nação interessada em conseguir a vinda do capital externo estabeleça condições, tais como um tempo mínimo de permanência (a chamada quarentena) e a exigência de aplicação de parcela dos recursos em atividades no setor real da economia e que sejam de interesse do governo brasileiro. Aqui, ao contrário, a regra sempre foi a do “laissez faire, laissezpasser”, como se a decisão de aplicar os recursos no Brasil fosse uma generosidade praticada pelos gestores dos fundos especulativos que vicejam no pântano do financismo global.

Brasil: campeão mundial de juros

Apesar de as últimas reuniões do COPOM terem decidido por uma lenta e gradual redução na SELIC, o fato é que a taxa real de juros ainda segue muito elevada. A taxa referencial de juros ficou por muitos meses no patamar de 13,75% e, desde a reunião de agosto de 2023 do colegiado, houve uma diminuição paulatina até os atuais 10,50%. Ocorre que durante o mesmo período verificou-se também uma redução da inflação. Assim, em termos da rentabilidade real das aplicações financeiras, quase nada foi alterado. Isso porque o fator relevante para as tomadas de decisão dos investidores é o saldo resultante da subtração da inflação sobre o valor nominal da taxa de juros.

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Existem várias instituições e consultorias que elaboram ranqueamentos das taxas reais de juros dos diferentes países pelo mundo afora. Atualmente, por exemplo, o Brasil permanece em segundo lugar, perdendo a medalha de ouro para o México. Estamos com escandalosos 5,9%, mas nossos irmãos latinos do Norte oferecem 7,5%. No ano passado, quando ainda o Presidente do Banco Central (BC) insistia em manter a SELIC nos píncaros, o País ocupava o primeiro lugar, com 6,7% reais ao ano. Em anos anteriores também já ocupamos a primeira posição entre 2015 a 2017. Mas nem sempre foi assim. Durante a pandemia, por exemplo, quando a SELIC chegou ao mínimo de 2%, por exemplo, o Brasil ocupou a 12ª posição no ranking global de taxa de juros reais.

Isso significa que é possível reorientar a política monetária para níveis menos “contracionistas”. Esta é, aliás, precisamente a expressão utilizada na Ata das últimas reuniões do COPOM, para expressar o sentimento de unanimidade dentre os membros do colegiado para enfrentar questão do patamar de juros a ser adotado: 

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(...) “Ao fim, concluiu-se unanimemente pelanecessidade de uma política monetária mais contracionista e mais cautelosa, de modo a reforçar a dinâmica desinflacionária.” (...) [GN]

Isso significa dizer que talvez a suposta polêmica relativa à redução de 0,25% ou 0,50% ocorrida no encontro não seja nada tão significativa quanto se supõe. Afinal, os quatro diretores indicados por Lula se mantêm na mesma sintonia da maioria ainda dirigida por Roberto Campos Neto. Ao que tudo indica, trata-se de um diagnóstico consensual quanto à necessidade de se manter a SELIC em patamares elevados. A partir do final do ano, o Presidente da República terá o direito de indicar o novo dirigente máximo da instituição, em substituição ao nomeado por Guedes e Bolsonaro. O que se espera é que essa nova maioria no colegiado do BC sirva para uma guinada na condução da política monetária.

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O Brasil necessita de uma mudança significativa nos patamares da SELIC e não essas variações cosméticas que não afetam em quase nada a variável relevante para esse tema, qual seja, a taxa real de juros. Cabe ao Presidente Lula orientar os responsáveis pela política econômica que a retomada de um projeto de desenvolvimento econômico e social pressupõe a manutenção da taxa oficial de juros em níveis bem mais reduzidos. Além disso, é urgente que os bancos estatais federais sejam também levados a cobrar spreads de seus clientes em níveis mais “civilizados” e deixem de estabelecer suas políticas para a clientela segundo as regras ditadas pelo oligopólio da banca privada.

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