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Hildegard Angel

Jornalista, ex-atriz, filha da estilista Zuzu Angel e irmã do militante político Stuart Angel Jones

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Carta de Lula

Teor da "Carta de Lula ao povo brasileiro" enviada do cárcere em Curitiba para o Jornal do Brasil, e publicada em 29 de junho de 2018

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) (Foto: Ricardo Stuckert/PR)

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Esta carta aberta ao povo brasileiro foi escrita por Lula, atendendo a um pedido do Jornal do Brasil, feito por meu intermédio. Não foi fácil obtê-la. Pedi à presidente do PT Gleisi Hoffmann que intercedesse para isso, e foi preciso insistir muitas vezes. 

 O JB desejava abrir manchete de primeira página com uma carta do ex-presidente Lula, que se encontrava encarcerado e silenciado pela grande mídia, que o deixou no esquecimento, sem fazer qualquer menção a ele, sem lhe dedicar uma linha, durante meses na prisão. Um vergonhoso silêncio sepulcral da grande imprensa, mesmo havendo a vigília permanente em Curitiba, todos os dias, desejando em coro "bom dia" e "boa noite presidente Lula". A imprensa não noticiava. Assim como não noticiava nem repercutia as visitas de personalidades internacionais, artistas, como Danny Glover, prêmio Nobel da Paz, o Perez Esquivel, de estadistas (como Pepe Mujica) e tantos outros. Todos solenemente ignorados pela mídia brasileira. 

E quando o Papa Francisco enviou um emissário com uma carta para Lula na prisão, a imprensa enfim comentou, mas apenas para desfeitear, desacreditar, sugerir que se tratava de um impostor. 

Assim, a iniciativa do Jornal do Brasil furaria esse bloqueio silencioso, quebraria o gelo, demoliria essa blindagem para invisibilizar Lula. Era o que imaginávamos, e foi dito e feito. Tenho que dar o crédito ao então proprietário do jornal impresso, o audaz Omar Perez, que me confiou essa missão importantíssima. 

 O JB deu a manchete, dedicou grande espaço para a carta e, dois dias depois, os chamados "grandes jornais" vieram atrás, abrindo espaço para o maior líder político do país, que eles tanto se empenharam em deixar no esquecimento, congelado na "Sibéria". Um pacto de silêncio entre eles. A mídia estrangeira falava, a brasileira ignorava. Como se Lula tivesse lepra, como se a proximidade com ele estigmatizasse. Sei o preço que se paga. Que vexame! 

Essa história, da qual tenho o privilégio de fazer parte, tem grande significado humano, político e histórico. A democracia é construída e preservada com atos de ousadia e coragem. Nunca somos suficientemente pequenos para ser grandes. 

Teor da "Carta de Lula ao povo brasileiro" enviada do cárcere em Curitiba para o Jornal do Brasil, e publicada em 29 de junho de 2018:

O Brasil voltará a ser dos brasileiros

Enquanto o país prestava atenção à Copa do Mundo, a Câmara dos Deputados aprovou, em regime de urgência, uma das leis mais vergonhosas de sua história. Por maioria simples de 217 votos, decidiram vender aos estrangeiros 70% dos imensos campos do pré-sal que a Petrobras recebeu diretamente do governo em 2010. Foi mais um passo do governo golpista e de seus aliados para entregar nossas riquezas e destruir a maior empresa do povo brasileiro.

O projeto de lei aprovado semana passada é um crime contra a pátria, que exige reação firme da sociedade para ser detido no Senado, antes que seja tarde demais. É uma decisão que entrega de mão beijada campos do pré-sal com potencial de conter cerca de 20 bilhões de barris de petróleo e gás, burlando a lei que garante o pré-sal para os brasileiros. 

Para entender a gravidade desse crime, é preciso voltar ao ano de 2009, quando a Petrobras precisava investir para explorar o recém-descoberto pré-sal. Apresentamos então um projeto de lei em que a União (a quem pertencem as reservas de petróleo, não se esqueçam) vendeu à estatal, em troca de títulos, o direito de explorar até 5 bilhões de barris de petróleo em campos do pré-sal.

Foi a chamada Cessão Onerosa.

Assim, a empresa se valorizou, fez a maior operação de capitalização da história e tornou-se capaz de investir. O resultado é que, em tempo recorde, o pré-sal já produz 1,7 milhão de barris/dia, mais da metade da produção nacional. Como era uma operação especial, para defender interesses estratégicos do país, definimos na Lei 12.276/10, que a Cessão Onerosa "é intransferível". 

Fora dessa área, o pré-sal só pode ser explorado pelo regime de partilha, por meio de uma legislação que garante a soberania do país e direciona essa riqueza para investimentos em educação, saúde, ciência e tecnologia, o nosso passaporte para o futuro. 

Já circulam estudos indicando que o petróleo dos campos de Cessão Onerosa será vendido a preços entre USS 6 e US$ 8 o barril, que é o custo de exploração, quando o preço internacional do barril oscila entre US 70 e US$ 80. As chances de achar petróleo nesses campos são praticamente totais, porque nós, brasileiros, já mapeamos as áreas. Para as petroleiras, é como comprar um bilhete premiado da loteria. Para o Brasil, é como vender a galinha da fábula, que botava ovos de ouro. 

De posse desses campos, os estrangeiros vão comprar sondas e plataformas lá fora, sem gerar um só emprego na indústria brasileira. Vão contratar engenheiros e técnicos lá fora; vão controlar diretamente toda a inteligência de pesquisa e exploração em nosso pré-sal, o que também é um ataque à nossa soberania.

Esse ataque vem acontecendo desde o início do governo golpista, quando aprovaram a chamada Lei Serra, que excluiu a participação obrigatória da Petrobras em todos os campos do pré-sal. Foi mais um golpe na indústria naval brasileira, que se somou à decisão de reduzir para 50% a obrigação de a Petrobras de comprar máquinas e equipamentos no Brasil, o chamado conteúdo local.

Na presidência da Petrobras, Pedro Parente, representante do PSDB, iniciou a privatização de atividades estratégicas, como a produção de biocombustíveis, distribuição de gás de cozinha, produção de fertilizantes e participações na petroquímica. Pôs à venda a Liquigas, a BR Distribuidora, a fábrica de nitrogenados de Três Lagoas e o gasoduto do Sudeste (NTS).

Em outra manobra criminosa, reduziu em até 30% a produção de combustíveis nas refinarias brasileiras. Deixamos de produzir aqui, em reais, para importar em dólares. Fez reajustes quase diários dos combustíveis, acima dos preços internacionais, o que aumentou os lucros dos estrangeiros. A importação de óleo diesel dos Estados Unidos mais que dobrou.

Não podemos esquecer que os primeiros a sofrer com a nova política de preços da Petrobras foram os mais pobres, que passaram a usar lenha e o perigosíssimo álcool para cozinhar, por causa do brutal aumento do botião de gás.

Essa desastrosa política provocou, em maio, a paralisação dos transportes terrestres que tantos prejuízos provocou ao país. O Ipea acaba de informar que a produção industrial caiu 13,4% naquele mês. Não houve queda igual nem mesmo no primeiro mês da crise financeira global de 2008, quando o recuo foi de 11,2% (e cabe lembrar que superamos rapidamente aquela crise).

Em dois anos foram mais de 200 mil demissões de trabalhadores da Petrobras e de empresas contratadas por ela, além de mais de 60 mil demissões na indústria naval. A indústria de máquinas e equipamentos calcula uma perda de 1 milhão de empregos na cadeia de petróleo e gás, em decorrência dessa operação suicida. 

A desvalorização do patrimônio da Petrobras, com a venda de empresas controladas, a perda de mercado no Brasil, a opção por se tornar mera exportadora de óleo cru, entre outras ações danosas de Parente, é dezenas de vezes maior que os alegados R$ 6 bilhões que teriam sido desviados nos casos investigados pela Lava Jato. 

A votação da semana passada na Câmara, em regime de urgência, sem nenhum debate com a sociedade, mostrou que o governo golpista tem uma pressa desesperada para entregar o patrimônio nacional e destruir nossa maior empresa.

A verdade é que o tempo deles está acabando. Correm para entregar o que prometeram aos patrocinadores do golpe do impeachment em 2016: nosso petróleo, nossas riquezas, as empresas do povo, a Petrobras, a Eletrobras e os bancos públicos. Foi para isso, e para revogar direitos dos trabalhadores, que eles derrubaram a honesta presidenta Dilma Rousseff.

Ao longo de dois anos, os golpistas e os entreguistas do PSDB submeteram o Brasil aos interesses geopolíticos dos Estados Unidos e não apenas na Petrobras. A política externa dos chanceleres tucanos voltou a ser ditada pelo Departamento de Estado dos EUA, num retorno vergonhoso ao complexo de vira-latas que tínhamos superado em nosso governo.

Mas o tempo deles acaba em outubro, quando o Brasil vai eleger um governo democrático, com legitimidade para reverter a agenda do entreguismo, do ultraliberalismo, que só interessa ao mercado e não ao país ou ao nosso povo. Quando o Brasil eleger um governo que vai acabar com a farra das privatizações e da entrega do patrimônio nacional.

Podem ter certeza: voltando ao governo com a força do povo e a legitimidade do voto democrático, vamos reverter tudo que estão fazendo contra nossa gente, contra os trabalhadores e contra o país. E o Brasil vai voltar a ser dos brasileiros. 

Luiz Inácio Lula da Silva Ex-presidente e pré-candidato do PT à Presidência da República

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