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Julian Rodrigues

Professor e jornalista, é militante do PT-SP e ativista dos movimentos LGBT e de Direitos Humanos

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Deus e o Diabo na eleição

"Bolsonarismo coloca o tema da religião no centro da disputa: além de ataque à laicidade do Estado, armadilha para esquerda", escreve Julian Rodrigues

Bolsonaro em evento com evangélicos (Foto: Alan Santos/PR)
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Por Julian Rodrigues

(Publicado no site A Terra é Redonda)

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“Explico ao senhor: o diabo vige dentro do homem, – ou é o homem arruinado, ou o homem dos avessos. Solto, por si, cidadão, é que não tem diabo nenhum. Nenhum! – é o que digo. (…) O diabo existe e não existe. Dou o dito. (…) E essas melancolias. O diabo não há! (…) Existe é homem humano.” (Guimarães Rosa, Grande Sertão: Veredas)

Please allow me to introduce myself; I’m a man of wealth and taste; I’ve been around for a long, long years;stole million man’s soul and faith; stuck around St. Petersburg when I saw it was a time for a change; killed csar and his ministers; Anastasia screamed in vain. (Mick Jagger e Keith Richards, Simpathy for the Devil)

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Um espectro ronda as eleições brasileiras. Não é o espectro do comunismo, suposta ameaça terrível – que voltou a integrar com destaque o repertório do pânico moral impulsionado pela extrema direita. Nos últimos dias, inusitadamente, temos visto é o velho e bom Capiroto (o próprio Belzebu mesmo em si) virar grande tema de debate nessa contenda eleitoral – que opõe o ex-presidente-metalúrgico ao ex-milico fascistóide-presidente de plantão.

Em 7 de agosto, a esposa do presidente miliciano, conhecida por seu fervor religioso, denunciou ao país, num culto da Igreja Batista Alagoinha lá na capital mineira, fato gravíssimo: o Palácio do Planalto até recentemente era um local “consagrado a demônios”.

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Mencionou Michelle Bolsonaro especificamente a cozinha do edifício governamental. Todavia, ela nos tranquiliza. Atualmente está tudo bem porque, nas palavras da “conje” do ex-capitão: “[o Palácio é] consagrado ao senhor Jesus; ali, eu sempre falo e falo para ele (Bolsonaro), quando eu entro na sala dele e olho para ele: essa cadeira é do presidente maior, é do rei que governa essa nação; (…)por muitos anos aquele lugar foi consagrado a demônios; e hoje é consagrado ao senhor Jair Messias”.

A campanha Lula decidiu revidar. Em 15 de agosto fez circular texto com o título: Lula é cristão, nunca fechou nem vai fechar igrejas, acompanhado de foto do candidato com as mãos postas (provavelmente tirada em alguma de suas inúmeras entrevistas recentes), como se o presidenciável estivesse a orar – uma evidente ressignificação de gesto corriqueiro, habitual, frequente.

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A maior parte do texto que acompanhou a tal foto nas redes lulistas não é de todo ruim; responde bem às mentiras bolsonaristas, ressaltando o compromisso histórico de Lula com a liberdade e pluralidade religiosas.

Entretanto, a vibe da peça é toda na retranca, recuada – deslizando para o campo semântico-simbólico do inimigo. O argumento central é destacar que Lula é católico. Mas, e se ele fosse ateu, espírita ou umbandista? Seria um problema? Como responderíamos aos neofascistas nesse cenário? A religião do candidato importa mais do que suas ideias e propostas?

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Não foi mencionado em nenhum trecho da resposta petista o basilar princípio do Estado laico. Não se ressaltou que fé ou religião são matérias personalíssimas, relacionam-se à esfera privada, à subjetividade de cada indivíduo. Já as políticas governamentais têm outra natureza. Não podem ser influenciadas pelas crenças pessoais dos governantes – dizem respeito à comunidade, se vinculam à esfera pública.

Desta feita, nem Estados nem governos, muito menos governantes podem reivindicar o direito de impor, privilegiar, prejudicar, incentivar ou discriminar qualquer crença ou religião. Também é vedado que se estigmatize as pessoas que não têm fé/crença – ou seja, aquelas que se recusaram a cultivar o pensamento mágico e optaram pela racionalidade, vivendo em um mundo desencantado, recusando-se, pois, a conversar com ou orar para seres imaginários.

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Garantir e respeitar o direito de não crer é alicerce de qualquer democracia digna desse nome, pelo menos desde as revoluções burguesas.

Voltando ao grão. No trecho final, a postagem da campanha petista erra bem feio, na minha visão.[i] De forma altissonante, afirma-se: “Deus é quem guia os passos de Lula”.

Soa apelativo, bastante artificial. Funde-se de forma tosca política com religião. Flerta-se com o messianismo. Algo que nem é compatível com a trajetória e com as posições do ex-presidente. Pega mal, digamos assim. Até porque Lula sempre governou de forma rigorosamente laica e pluralista.

Tal post parece diatribe de algum marqueteiro querendo agradar e soar criativo, quando, na verdade, apenas navega nas velhas águas da despolitização e se afoga em um oceano de clichês.

Outra lacuna importante na peça publicitária de Lula. Em nenhum momento foi mencionado o direito à não crença. Erro grave, a despeito de bastante previsível. Agnósticos e ateus são comum e displicentemente deletados do mundo. Será que não votam tais bastardos cidadãos? Tudo bem que gente já está bastante familiarizado com o preconceito. Mas, ainda assim nós existimos – e não somos numericamente tão irrelevantes quanto se pensa.

No censo de 2010 o IBGE registrou 8% de pessoas que se identificaram como “sem religião”. Em números atuais, são cerca de 17 milhões de brasileiros e brasileiras. Não somos tão pouquinhos no final das contas.

Pesquisa de 2008, da Fundação Perseu Abramo,[ii] coordenada pelo querido e saudoso Gustavo Venturi mostrou que 42% dos brasileiros sentem aversão aos ateus (percentual similar ao dos que rejeitam usuários de drogas: 41%). Simultaneamente a pesquisa registrou que prostitutas e gays são rejeitados por 22%; e ex-presidiários por “apenas” 21%.

Ou seja: a não crença em deus é a característica pessoal que mais causa repugnância. É pior ser ateu que viado, portanto (o que fazer quando se é bicha e descrente?).

No contexto das eleições, o tema da relação com as Igrejas e líderes religiosos, principalmente evangélicos é objeto de controvérsias, discussões, debates e disputas no campo progressista. Há exemplos de acertos impressionantes como também de erros fenomenais.

Não me esqueço das eleições de 2012 para prefeitura de São Paulo, quando o verme do Silas Malafaia afirmou que iria “arrebentar Haddad”. O petista professor da USP esmagou o sujeito – elegante e firmemente – com uma frase que entrou para a história: “não respondo ao submundo da política”. Pronto. Fernando Haddad colocou os ratos de volta aos seus respectivos buracos. Virou prefeito da capital paulista. Comandou um governo inovador, criando novos paradigmas de políticas sociais e de garantia de direitos.

Geralmente toda vez que nós da esquerda tentamos parecer o que não somos, à guisa de “ampliar”, acabamos de fato é nos afastando dos aliados orgânicos, diluindo nosso programa e borrando nossa identidade. Via de regra ao final pagamos caro por tais aggiornamentos. Seja imediatamente, perdendo a eleição em tela – ou depois, assistindo aos “aliados” operarem o bloqueio das pautas a e sabotagem dos governos.

Sem mencionar o fato de que, em nome da ideia vaga e idílica de alianças amplas, muitas vezes fortalecemos setores conservadores e fisiológicos – que nos odeiam e só querem mesmo extrair vantagem e fazer chantagem enquanto trabalham contra nós. Michel Temer manda beijos.

Qual foi, por exemplo, o papel da Igreja Universal do Reino de Deus no golpe contra Dilma? Edir Macedo havia nomeado seu sobrinho, o melífluo Marcelo Crivella Ministro da Pesca de Dilma.

A turma da Igreja Universal sempre teve influência nos governos petistas. Mais: Macedo fez nossa presidenta, uma comunista old school, comparecer à inauguração daquele troço horrível, exemplo de cafonice, o tal Templo de Salomão. E no momento seguinte a IURD/Record, com seus deputados se somou alegremente ao golpismo e ajudou a concretizar o impeachment sem crime de responsabilidade.

Lula laico, Dilma nem tanto

À primeira vista pode soar como uma contradição. O católico operário Lula fez dois governos mais avançados e laicos do que a (presumidamente) ateia, uma intelectual orgânica da estatura de Dilma Roussef.

Sem personalismos e intepretações rasas: as condições econômicas e sociais nas quais se deram os dois governos foram bem distintas. Assim como eram as margens de manobra e a força simbólica, social e política da mineira-gaúcha vis a vis com as do pernambucano-paulista.

Os dois governos do ex-sindicalista foram capazes de implementar um conjunto de políticas afirmativas inovadoras que promoveram os direitos das mulheres, das negras e negros, das pessoas com deficiência, da juventude, das lésbicas, gays, travestis, transexuais e bissexuais. Lula fez mais de 60 Conferências Nacionais englobando todos os temas com participação ampla e ativa dos movimentos organizados e da sociedade civil.

Foram criados Conselhos, Fóruns, Programas e Políticas Nacionais universais, sistêmicas e participativas. O governo Lula instituiu o Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial, dos Direitos Humanos; e também a Secretaria Nacionais de Juventude, a Coordenação de Políticas LGBT. Implantou uma forte e vanguardista política de cultural com Gilberto Gil, além de diversas políticas inclusivas no MEC de Fernando Haddad.

Sim, já havia naquele período pressão dos setores fundamentalistas religiosos, que eram base do governo, inclusive. É verdade que não tinham ainda a força midiática-social-eleitoral-institucional que adquiriram nos últimos anos. Aliás, cresceram muito com/sob o beneplácito dos governos petistas, provavelmente de maneira ainda mais significativa no período Lula.

No ano de 2004 Lula lançou o Brasil sem Homofobia, primeiro programa consistente de políticas de promoção da cidadania LGBT (do Brasil e talvez do mundo). Em 5 de junho de 2008, Lula abriu a I Conferência Nacional de Políticas LGBT. Além de marco histórico, e evento catártico – foi o início do reconhecimento estatal dessa população historicamente tão discriminada.

Naqueles anos, já havia forte pressão religiosa conservadora de religiosos. E Jair Bolsonaro já fazia seus showzinhos no Congresso, tumultuando eventos LGBT, ridicularizando as políticas de memória e verdade, agitando, criando factoides o tempo todo.

Mas, na época, o cara parecia ser só e tão somente personagem caricato do programa da Luciana Gimenez e do humorístico CQC. O tal capitão-deputado histriônico tinha o hábito de se candidatar à presidência da Câmara dos Deputados. Sua votação oscilava entre 0 e 9 votos. Jair não era mais que uma extravagante caricatura extremista. Bons tempos.

A presença ou não de Lula na abertura da primeira Conferência Nacional das viadas, sapas, travas, e toda uma fauna esquisita (naquela época não se usava o termo queer) consta que foi debatida intensamente no interior do governo. Tinha gente soprando no ouvido do presidente: “não vá”, “o assunto é polêmico”, “ as igrejas são contra”, etc e tal. Aquela burocrática covardia disfarçada de prudência, marca indelével dos acólitos e até mesmo de alguns bem-intencionados.

Entretanto, incentivado/aconselhado pelo gigante Paulo Vannuchi (o melhor ministro dos Direitos Humanos que esse país já teve) seguindo seu instinto e histórico compromisso com os oprimidos, Lula foi lá sim. E arrasou. Ergueu nossa bandeira multicolorida, beijou e abraçou a travesti paraibana mais carismática do mundo, a inesquecível Fernanda Benvenutty. O resto é uma farta iconografia e belas histórias.

Em síntese: os governos Lula tinham ótima relação com as lideranças e igrejas cristãs, e ao mesmo tempo com as religiões de matriz africana, com os povos indígenas, com árabes e judeus. Promovia a pluralidade religiosa, étnico-racial, sexual, cultural (lembram de Gil/Juca e dos Pontos de cultura?).

A laicidade estatal, o reconhecimento da diversidade e dos direitos de todas pessoas foram paradigmas consolidados nos governos Lula.

Antes que me acusem de “passar pano”, reconheço. O governo Lula rompeu sim a laicidade estatal num episódio importante. Foi assinado, nos idos de 2008, acordo entre o Estado brasileiro e a Sé de Roma (conhecida como Santa Sé), que reconheceu formalmente o estatuto jurídico da Igreja Católica no Brasil, validando, por exemplo, o ensino religioso e oficializando imunidades tributárias, privilégios a sacerdotes católicos, entre outros mimos.

Ponderando o quadro geral, todavia, os oito anos de Lula se constituíram como verdadeiro marco civilizatório no tema da laicidade estatal.

A eleição de Dilma em 2010 trazia a perspectiva de ainda maiores progressos. Afinal, tratava-se da primeira mulher a presidir nossa terra brasilis, quadro político experiente, uma militante socialista.

Porém, entretanto, todavia, contudo, a disputa eleitoral de 2010 acabou por inaugurar a manipulação do que depois ficaria conhecido como pânico moral.

José Serra, do PSDB, a despeito de sua trajetória progressista, cruzou a fronteira da velha e boa disputa “civilizada” entre neoliberais (PSDB) e social-democratas (PT). O sujeito patrocinou uma campanha nojenta, de extrema-direita, cheia de mentiras torpes – mirando nos temas dos direitos sexuais e reprodutivos (que muitos, até hoje, chamam equivocadamente de pauta de costumes, ou pior identitarismo).

A campanha Serra na época via e-mail, difundiu massivamente boatos ( ancestrais das atuais fake news) chamando Dilma de lésbica, guerrilheira, assassina, abortista, ateia, comunista, um horror…

Tal ofensiva extremista do candidato tucano induziu Dilma Rousseff a cometer um erro, uma espécie de virada programática que veio a influenciar não só seu futuro governo, como também os parâmetros sob os quais os debates relacionados a essas questões aconteceriam depois. Tentando afastar boatos de que não tinha fé em deus, Dilma Rousseff compareceu à tradicional missa no santuário de Aparecida no feriado de outubro de 2010. Na ocasião, destacou ter formação religiosa forte.

Ao mesmo tempo, ainda na defensiva, a campanha da petista divulgou uma “Carta ao povo de Deus”. Nela, Dilma fez todas concessões e gestos possíveis ao conservadorismo religioso.

Afirmou na ocasião ser “pessoalmente contra o aborto” (o que provavelmente não era verdade, pois além de ser uma mulher socialista Dilma Rousseff, em 2009, disse que “como saúde pública, achamos que [o aborto] tem de ser praticado em condições de legalidade”.

Na tal carta, a candidata petista declara que, eleita presidenta, não fará nada que “afronte a família”. Sobre o projeto de lei que criminalizava a discriminação contra a população LGBT, o histórico PLC 122, Dilma Rousseff prometeu só sancionar “artigos que não violem a liberdade de crença, culto e expressão”, adotando quase a mesma posição dos fundamentalistas – como se o projeto de lei defendido pelo movimento contivesse trechos antirreligiosos ou restritivos à liberdade de expressão.

A futura presidenta optou por aderir acriticamente ao discurso da malta fundamentalista evangélica. Não nos esqueçamos, contudo, do papel da Santa Madre, nossa ICAR. Parte da cúpula católica se destacou na oposição aos direitos das LGBT e das mulheres e contra o PT. O então bispo de Guarulhos, Luiz Gonzaga Bergonzini, chegou a patrocinar massiva distribuição de panfletos que anti-Dilma.

Eleita presidenta, Dilma Rousseff congelou as políticas pró-LGBT (o episódio do kit gay é icônico). Na primeira chantagem da direita hipócrita, seu governo cedeu. O irônico é que, apesar de ter nomeado o maior número de mulheres ministras da história, Dilma Rousseff em muito pouco avançou nas agendas feministas, antirracistas, LGBTI, indígenas e de Direitos Humanos no geral – embora tenha realizado coisas importantíssimas, como as Casas da Mulher e medidas de combate ao feminicídio.

Bem feitas as contas, excluído fatores conjunturais, o governo de uma mulher de trajetória socialista foi mais permeável às pressões do conservadorismo religioso do que o governo do ex-sindicalista cristão. Dilma foi bem mais recuada que Lula, resumindo.

Para que não restem dúvidas: no primeiro governo Lula, a então ministra das Mulheres, a maravilhosa ex-reitora da UERJ, Nilcea Freire, chegou a apresentar projeto de lei de descriminalização do aborto ao Congresso Nacional, entre tantas outras de suas iniciativas pioneiras, como o I Plano Nacional de Política para as Mulheres.

Já no governo Dilma Rousseff, a icônica feminista, professora e também ex-guerrilheira Eleonora Menicucci – amiga pessoal da presidenta, assumiu a pasta dos direitos das mulheres e acabou ofuscada, cumprindo, a rigor, apenas a tarefa ingrata de amenizar pressões dos movimentos sociais, ajudando a justificar mesmices e recuos. De fato, o período Dilma Rousseff foi muito menos poroso às pautas das mulheres e das LGBT – para não mencionar indígenas, negros/as, jovens (a lista é extensa) do que os governos de Lula.

Evangélicos contra católicos? Lula x Bolsonaro?

Entre 2003 e 2016 a força política, ideológica e institucional das lideranças evangélicas conservadoras proporcionalmente parece ter crescido mais até do que o número de adeptos de suas igrejas.

Segundo o IBGE os 23 milhões de evangélicos de 2003 tornaram-se 60 milhões em 2016. Essa multidão tem se inclinado cada vez mais à direita, embora tal fenômeno seja complexo, diverso, com inúmeros recortes.

A última pesquisa IPEC (15 de agosto) dá Lula com 44% e Bolsonaro com 32%. Ocorre que entre católicos, Lula vai a 51%. E Bolsonaro chega a 47% considerando apenas a população evangélica. Lula salta 7 pontos entre os que se declaram católicos e Bolsonaro cresce 15 pontos entre os evangélicos. Vantagem muito mais significativa, um trunfo robusto do atual presidente.

Quando Michelle foi pra cima de Lula e alçou o fator religião ao cerne da disputa eleitoral ela sabia o que estava fazendo. Bolsonaro tem dificuldades para encarnar o personagem fanático cristão, não combina, ele tem outro chip. Todavia, o ex-capitão pode contar com os talentos de sua consorte, a bela Michelle. Inteligentíssima, a esposa do presidente conseguiu pautar a disputa presidencial momentaneamente. Logrou o feito de conduzir o tema religião ao epicentro da batalha eleitoral.

A direção da campanha e o próprio Lula sentiram o golpe em um primeiro momento. Ainda não acharam, ao meu ver, a melhor forma de rebater os efeitos da onda evangélico-reacionária que a esposa de Jair Bolsonaro detonou.

Em seu primeiro evento na campanha oficial, Lulão respondeu frontalmente os bolsonaros denunciando o intuito manipulador do discurso que evoca a religião para, no fundo, enganar o povo.

Mas Lula fez isso manejando linguagem bíblica. Adjetivou o atual presidente como “fariseu” (sinônimo de hipócrita, falso, algo assim). Até aí, ok. Mas, na sequência, Lula escorrega e diz: “se tem alguém possuído pelo demônio, é Bolsonaro”. Ou seja, acabou se deixando capturar pela armadilha do inimigo, aceitando conduzir o debate por esse pantanoso terreno místico-religioso. Até entrou em bate-boca sobre quem, afinal seria o Coisa-Ruim.

Nessas horas em que “barata voa”, é sempre bom voltar aos fundamentos. A gente não quer só ganhar essa eleição. A gente quer mudar o Brasil. A gente não surfa em oportunismos, nem desrespeita a crença do povo. Nossa identidade é de esquerda, é laica, pluralista, diversa, progressista, humanista, transformadora. Então, na dúvida: análise da realidade concreta, papo reto. Política no comando. Apostar sempre na elevação do nível de consciência das massas.

O PT nunca ganhou eleição manipulando a fé dos trabalhadores e trabalhadoras. O PT nunca ganhou eleição fingindo que não é um partido transformador, antirracista, periférico, camponês, feminista, libertário, democrático, popular, laico, pró-LGBT, internacionalista, latino-americanista, ambientalista, indigenista, diverso e pró-diversidade.

Lula não vai ganhar nada se quiser disputar com Michele ou com Jair Bolsonaro quem tem a primazia de tascar no adversário a pecha de demoníaco. Deixem o Tinhoso quieto, poxa. Vamos derrotar o neofascismo no campo da política. Com ideias nítidas e muito debate ideológico. Racional. Lógico. Laico. Programático. Apontando para o futuro, para o país que a gente quer.

Notas

[i] https://lula.com.br/lula-e-cristao-nunca-fechou-nem-vai-fechar-igrejas/

[ii] https://fpabramo.org.br/2010/08/04/em-nome-da-diversidade/

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