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Bruno Fabricio Alcebino da Silva

Bacharel em Ciências e Humanidades e graduando em Ciências Econômicas e Relações Internacionais pela Universidade Federal do ABC. Pesquisador do Observatório de Política Externa e Inserção Internacional do Brasil (OPEB)

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Interpretações estratégicas chinesas e o mar do sul

A nova postura internacional da China não apenas reflete uma política externa mais proativa, é ligada à sua crescente responsabilidade no sistema global.

(Foto: Reuters/Thomas Peter)

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Por Bruno Fabricio Alcebino da Silva, Evelyn Torres de Agostinho e Julia Protes Lamberti - Nas últimas décadas, a China experimentou uma transformação significativa em sua posição no sistema internacional, passando de uma postura passiva para uma ativa e confiante. Essa mudança histórica foi marcada pela abertura do país ao mundo, com a criação de zonas econômicas especiais, a expansão das áreas costeiras e fronteiriças, a absorção de investimentos estrangeiros e a entrada na Organização Mundial do Comércio (OMC) em 2001. Como resultado, a China se engajou de forma ativa na globalização econômica e na cooperação regional, aprofundando sua integração com o mundo. O crescimento exponencial do volume de importações e exportações, o aumento dos investimentos estrangeiros diretos e a ampliação das relações comerciais demonstram o compromisso da China com a liberalização e facilitação do comércio e investimento.

A nova postura internacional da China não apenas reflete uma política externa mais proativa, mas também está intrinsecamente ligada à sua crescente responsabilidade e obrigações no sistema global. Ao abordar questões energéticas e ambientais, a China busca legitimar seu desenvolvimento sob a ótica de um caráter pacífico, destacando a ideia de que a humanidade compartilha uma única casa: a Terra; conceito essencial à visão de Tianxia, pressupondo coexistência e cooperação. No entanto, esta narrativa de desenvolvimento pacífico enfrenta desafios, especialmente relacionados às iniciativas de segurança no Mar do Sul e Taiwan, as quais geram tensões regionais.

Para promover um ambiente internacional pacífico, a China reitera seu compromisso com os Cinco Princípios de Coexistência Pacífica, buscando fortalecer laços de amizade e cooperação com outros países, especialmente seus vizinhos. Através da Iniciativa Cinturão e Rota, a China visa criar uma comunidade global de interesses compartilhados, promovendo o desenvolvimento econômico global e uma ordem mundial mais equitativa. Apesar das divergências, a China reforça seu compromisso com o diálogo e a cooperação para gerir diferenças e promover a estabilidade regional. 

À vista disso, o Movimento Escola Chinesa de Relações Internacionais surge como uma resposta à hegemonia ocidental na produção teórica de RI, buscando criar uma teoria independente baseada na especificidade do pensamento tradicional chinês. Dividido em duas fases distintas, o movimento começou com a Conferência de Xangai sobre Teoria de RI em 1987, impulsionado pelo Partido Comunista Chinês, e evoluiu para uma abordagem mais sólida nos anos 2000, incorporando a experiência histórico-cultural-linguística da China. Motivados por um desejo de criar um contraponto à teoria ocidental dominante, os acadêmicos chineses buscam não apenas enriquecer a pesquisa científica global, mas também difundir pensamentos e práticas internacionais chinesas historicamente ignoradas.

As interpretações chinesas - A disciplina de Relações Internacionais começa a se desenvolver na China a partir da Revolução Comunista, em 1949, como uma ferramenta que orientaria as relações externas chinesas no ambiente e ordem internacionais da época. A “teorização chinesa no domínio de RI poderia ser entendida como “diretrizes para a ação prática, declarações políticas de regras e princípios a serem seguidos, e estratégias do governo para lidar com o mundo e outros atores” (QIN, 2007 apud LEITE, 2013, p. 235). Tratava-se, portanto, de guiar a formulação política internacional, racionalizar as ações e legitimar as decisões governamentais. 

Somente após os contatos com o Ocidente, durante o contexto de reforma e abertura experimentados ao fim da Revolução Culturalista (1966-1976), que os estudos de RI na China entram em uma nova etapa, demonstrando maior preocupação com a reflexão e abstração teórica. Sob a liderança de Deng Xiaoping, as políticas passaram a se preocupar com o desenvolvimento e aprimoramento científico para realizar a modernização chinesa. Nesse período, fases distintas se sucederam no campo das RI, desde reprodução do conhecimento ocidental e visões romantizadas das teorias tradicionais, passando por um momento de reflexões mais críticas e se consolidando, por fim, no Movimento Escola Chinesa. Tal movimento, já em meados dos anos 2000, viria para: elaborar teorias que contrapusessem às ideias e concepções ocidentais de difícil aplicação à realidade da China (como, por exemplo, unidade do Estado, soberania, não-intervenção); evidenciar e valorizar a experiência chinesa como fonte de formulação de teorias, evitando, assim, maiores más interpretações sobre o país; e, embasar o processo de ascensão que em si próprio atrai o desenvolvimento teórico. 

Dentro do debate da Escola Chinesa, três abordagens principais podem ser identificadas. Em primeiro lugar, tem-se a Teoria Relacional de Qing Yaqing, a qual recupera os entendimentos filosóficos e experiências chinesas e aplica às teorias tradicionais, focando, principalmente, no aspecto da relação entre os atores e na síntese harmônica e na coexistência como condições primárias do processo. Em seguida, há a colaboração de Yan Xuetong com o Realismo Moral, chamando atenção para a liderança política e “autoridade humana” como os elementos morais do poder político que possibilitam os Estados líderes conquistarem e se manterem no controle. E, por último, tem-se as contribuições do Idealismo de Zhao Tingyang, caracterizadas por discussões filosóficas e abstratas, em que o sistema Tianxia compatibilizaria os três mundos (físico/geográfico, psicossocial e político) visando definir os interesses a partir do todo e alcançar uma política mundial.

A apresentação dessas abordagens se faz necessária pois, embora não exista uma teorização sistemática uniforme no campo das RI, os diversos discursos elaborados pelos acadêmicos chineses sustentaram e ainda sustentam, “em algum sentido, o pensamento diplomático chinês, e implícita ou explicitamente afeta a formulação de sua política externa” (REN, 2010 apud LEITE, 2013, p. 249). Exemplo disto pode ser visto na década de 1990, quando as análises tinham maior teor crítico e a China mudou sua postura e passou a apostar em atuações bilaterais e multilaterais para lidar com questões de segurança, economia e desenvolvimento em fóruns intergovernamentais, tornando a política externa mais institucionalizada e declarando oficialmente “seu caminho de desenvolvimento pacífico e seu papel na manutenção da paz e na estabilidade mundiais com base na sua história de relações regionais e tradições teóricas” (LEITE, 2013, p. 246). 

A partir de 2013, com o governo de Xi Jinping e a apresentação formal da estratégia Striving for Achievement (SFA), a política externa chinesa passa a ter caráter ativo, buscando criar mais credibilidade estratégica e uma rede de aliados e estruturar ativamente o contexto de atuação. Esta nova abordagem se enquadra numa transição que Yan Xuetong caracterizaria como uma passagem de liderança de Estado inativa (Keeping Low Profile) para liderança de Estado proativa, que afirma sua responsividade diante do cenário de conflito estrutural internacional e assume que o prosseguimento da ascensão chinesa depende de um ambiente favorável. Tal atualização do papel internacional da China, prevendo mais obrigações e responsabilidades – anteriormente ocupado somente por países centrais –, já havia sido mencionado no documento de 2011 China’s Peaceful Development:

“A historic transformation turning China from a closed or semi-closed state to one featuring all-round opening up has been realized. (...) China has taken an active part in economic globalization and regional economic cooperation (…). China maintains business and trade ties with 163 countries and regions. It has signed ten free-trade-zone agreements, bilateral investment treaties with 129 countries, and double taxation avoidance agreements with 96 countries. All this shows that China is actively promoting liberalization and facilitation of trade and investment. (…) China has been working to build a framework in which its relations with other major countries are generally stable and mutually beneficial and develop in a balanced way, and which ensures that China and its neighbors share opportunities and develop together.” (CHINA, 2011)

O “desenvolvimento pacífico”, título do White Paper citado acima, aparece para substituir a expressão “ascensão pacífica” e carrega uma crítica à narrativa ocidental de que todo país em ascensão causa conflitos e ameaças; a China, na verdade, quer demonstrar que dispõe de sabedoria e instrumentos que podem oferecer ao mundo a criação de uma ordem mundial alternativa. Nessa linha de raciocínio, é possível identificar o discurso de que o desenvolvimento chinês é a maior contribuição para a paz e estabilidade mundiais – e regional também.

“China actively enhances friendly cooperation with its neighbors and works with them to promote a harmonious Asia. (…) China does not seek regional hegemony or sphere of influence, nor does it want to exclude any country from participating in regional cooperation. China’s prosperity, development and long-term stability represent an opportunity rather than a threat to its neighbors.” (CHINA, 2011)

No trecho, observa-se, também, a retomada da Teoria Relacional de Qin Yaqing, que enxerga na diferença a condição primeira para a existência do Outro, não devendo, pois, ser eliminada. Assim, num movimento dinâmico de transformação e complementaridade entre os elementos distintos, haveria uma síntese inclusiva e harmônica capaz de gerar a cooperação e o diálogo e não o conflito. No documento de iniciativa de segurança de 2019, China’s National Defense in the New Era, essa perspectiva relacional chinesa é reiterada:

“Asia-Pacific countries are increasingly aware that they are members of a community with shared destiny. Addressing differences and disputes through dialogue and consultation has become a preferred policy option for regional countries, making the region a stable part of the global landscape.” (CHINA, 2019)

Na Belt and Road Initiative, de 2013, já havia menções ao “desenvolvimento pacífico” chinês como benéfico para todos, e que mesmo tendo sido criada para a China, a iniciativa entregou ganhos reais para os países participantes e contribuiu para a resolução de desafios do desenvolvimento global, além de ter assegurado esforços para a criação de uma comunidade global de interesses e destino compartilhados (2013).  O discurso oficial chinês também traz a questão energética e ambiental para legitimar seu alegado desenvolvimento de caráter pacífico. Pode-se, assim, ver a retomada do sistema Tianxia, abordado por Zhao Tingyang, no qual o mundo é visto como uma unidade e a humanidade tem apenas uma casa – a Terra. Por conta disso, os interesses políticos devem ser definidos de forma mundial, pelo Estado-líder, tentando compatibilizar o mundo natural (geográfico) e o mundo político, criando interdependência e coexistência entre eles e os indivíduos. Segundo sua própria visão, a China

“It is also one of the countries which have made the greatest efforts in energy saving and emission reduction and which have made the fastest progress in developing new and renewable energy sources in recent years. (…) China seeks to promote common development and prosperity in the Asia-Pacific region by pursuing bilateral cooperation and participating in regional and sub-regional cooperation.” (CHINA, 2011)

Contudo, como sistema internacional é repleto de ambiguidades, a adoção da política externa mais ativa, a partir do governo de Xi Jinping, trouxe à luz o choque/conflito existente entre o discurso culturalista chinês – de paz e harmonia através das diferenças e de uma comunidade humana de destino compartilhado – e os interesses nacionais. A conciliação entre os dois elementos defendidos pela China passa a ser mais complexa e, consequentemente, refletir na maneira como o país conduz suas relações com outros países – seja no âmbito regional ou internacional. Nesse sentido, as contradições entre os discursos oficiais e a postura chinesa – principalmente com alguns países vizinhos – passaram a despertar críticas e dúvidas quanto à veracidade das intenções dos empreendimentos da China, haja vista que iniciativas como a Belt and Road (2013) fornecem uma narrativa mais apresentável externamente para a presença econômica chinesa nos países, enquanto, por trás do capital para investimento em infraestrutura, estão sendo enviadas as próprias empresas chinesas. O discurso do “desenvolvimento pacífico” seria, portanto, uma armadilha da China para expandir seu domínio no mundo – principalmente na Eurásia? Ou seria uma propaganda enganosa de desenvolvimento sustentável? Tais ressalvas podem ser mais bem vislumbradas a seguir a partir da análise das políticas praticadas pela China na região do Mar do Sul.

As políticas chinesas no mar do sul - É interessante, para a análise vigente, examinar as políticas e tensões vigentes na região do mar do Sul da China. Antes do final dos anos 1960, não havia uma tensão aparente sobre as Ilhas Nansha, embora a posse delas fosse reivindicada por diferentes dinastias e governos da China e do Vietnã. No entanto, tais reivindicações muitas vezes ocorriam sem o conhecimento do outro reivindicante e raramente alguma das partes recorria à força. Entre as décadas de 1930 e 1950, a posse era frequentemente afirmada por outros demandantes, como a França, o Japão e ocasionalmente um particular filipino. Desde a década de 1970, as Filipinas e a Malásia entraram na disputa (WU, 2013 apud CHAO, 1990, p. 152-153). As disputas entre os vários países foram ainda mais complicadas pelo direito a uma zona econômica exclusiva (ZEE) de 200 milhas náuticas, conforme estabelecido pela Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar de 1982 (UNCLOS).

Apesar da grande inovação na regulação de normas internacionais proporcionada pela UNCLOS, é possível que ela tenha contribuído para exacerbar problemas de delimitação. Mais precisamente, as formulações relativas às ZEEs aumentam a possibilidade de reivindicações territoriais sobrepostas em mares fechados como o mar do Sul da China. Na região, o efeito real disso tem sido que as nações que fazem fronteira com o mar têm se apressado em estabelecer assentamentos — na maioria dos casos, postos militares — nas pequenas ilhas do local para estabelecer reivindicações territoriais únicas tanto a uma ZEE quanto a uma plataforma continental. As margens territoriais se sobrepõem e diversos conflitos de soberania são o resultado. Dos seis países que reivindicam partes das contestadas ilhas Spratly, todos, exceto Brunei, estabeleceram algum tipo de presença militar em pelo menos uma das ilhas - seus postos militares e outras instalações demonstravam a seriedade de suas reivindicações de soberania (WU, 2013). Todos os países alegam que suas reivindicações territoriais são plenamente apoiadas pelo direito internacional em geral e, em particular, pela Convenção sobre o Direito do Mar de 1982 (BURGESS, 2003).

Grande parte do interesse dos países nessas regiões se dá por conta do potencial de exploração de petróleo e gás nos recursos subaquáticos, os quais já são explorados nas áreas sul do Mar da China Meridional, ao norte de Brunei e Malásia (ver mapa 1). Ao mesmo tempo, a geologia e o clima da região se combinam para criar um ecossistema único, do qual dependem as atividades econômicas tradicionais da área — desde a pesca tradicional até o cultivo costeiro moderno de ostras e camarões (BURGESS, 2003).

Na perspectiva chinesa, as bases para reivindicar a soberania de ilhas são históricas e arqueológicas, referindo-se a expedições navais pela Dinastia Han no ano 110 d.C. e pela Dinastia Ming no século XV. A China também reivindicou o mar como tal com base histórica. Em 1947, ela divulgou um mapa, agora famoso, com nove linhas pontilhadas indefinidas e reivindicou soberania sobre todo o território dentro dessas linhas. Em 1992, o país aprovou uma lei reafirmando seus direitos. Desde então, entretanto, a China tem buscado cada vez mais fundamentar suas reivindicações de zonas marítimas no direito internacional. Para fazer valer suas reivindicações, a China atualmente ocupa oito das ilhas Paracel e vários recifes nas ilhas Spratly (BURGESS, 2003).

Em tentativas de manter a paz, a Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN), juntamente da China, assinou a Declaração sobre a Conduta das Partes no Mar da China Meridional em 2002. Segundo o documento,

“as partes comprometem-se a exercer autodisciplina na condução de atividades que possam complicar ou escalar disputas e afetar a paz e a estabilidade, incluindo, entre outras, abster-se de habitar em ilhas, recifes, bancos de areia, caios e outras características atualmente desabitadas e resolver suas diferenças de maneira construtiva.” (DECLARAÇÃO SOBRE A CONDUTA DAS PARTES NO MAR DA CHINA MERIDIONAL, 2002, ART. 5)

Apesar de um período relativamente pacífico na região, entre 2002 e 2009, com a assinatura da declaração, a situação passou a escalar novamente em meados de 2010, quando Malásia e Vietnã fizeram uma submissão conjunta sobre os limites externos da plataforma continental além de 200 milhas náuticas à Comissão de Limites da Plataforma Continental. Além disso, o Vietnã realizou também uma submissão nacional sobre os limites externos da plataforma continental além de 200 milhas náuticas a partir das linhas de base vietnamitas (WU, 2013, p.152).

A China objetou às duas submissões, alegando que infringiram sua soberania, direitos soberanos e jurisdição no Mar da China Meridional, além de infringir o Art. 5 da declaração. Apesar disso, os países envolvidos na disputa passaram a declarar os territórios disputados em sua legislação nacional - principalmente o Vietnã, que anunciou oficialmente a aprovação da Lei do Mar do Vietnã em 2012, em meio à crescente tensão na região. A lei faz referência explicitamente às Ilhas Xisha e Nansha, e entrou em vigor a partir de janeiro de 2013. Em resposta, o Ministério de Assuntos Civis da China anunciou a aprovação do Conselho de Estado para o estabelecimento da cidade de Sansha na Ilha Yongxing (Ilha Woody). Além disso, a China anunciou que colocaria à disposição nove blocos offshore no Mar da China Meridional para licitação, incluindo áreas que se sobrepõem com blocos nos quais o Vietnã já começou a explorar e desenvolver em conjunto com a Índia. O Vietnã protestou contra a ação da China como uma violação da soberania vietnamita (Wall Street Journal, 2012). A China respondeu ao protesto do Vietnã destacando que o anúncio está em conformidade com a legislação doméstica da China e práticas internacionais (WU, 2013, p.153).

Em novembro de 2012, o Comitê Permanente do Congresso Popular Provincial de Hainan aprovou uma versão revisada do Regulamento para a Gestão da Segurança Fronteiriça Costeira e da Ordem Pública na província de Hainan. Esse regulamento define quais atividades são consideradas violações à segurança em águas sob a jurisdição da província de Hainan, especialmente em relação a navios e pessoal estrangeiros. As Filipinas manifestaram sua objeção ao regulamento revisado, acusando a China de aumentar as tensões no Mar da China Meridional. Em resposta, um porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China afirmou que a China conduz suas atividades de gestão marítima de acordo com as leis internacionais e domésticas. Ele destacou a importância de proteger a liberdade de navegação que os países têm no Mar da China Meridional, conforme estipulado pelo direito internacional. Vale observar que o novo regulamento tem como objetivo principal implementar os Artigos 19 e 21 da UNCLOS, visando esclarecer o regime de passagem e o direito de passagem inocente de navios estrangeiros dentro do mar territorial da China. Esta nova versão é uma adaptação de um regulamento anterior, de 1999, e não concede poderes adicionais de aplicação às autoridades locais. Além disso, é importante destacar que o regulamento revisado é, na verdade, uma resposta ao aumento da atividade pesqueira do Vietnã nas proximidades das Ilhas Xisha e se aplica somente dentro do mar territorial, a 12 milhas náuticas das linhas de base já oficialmente estabelecidas (WU, 2013, p. 154).

Contudo, com a ampliação das disputas, países não-reivindicantes se envolveram também no problema, como os Estados Unidos. Em 2010, os EUA reportaram que alguns altos funcionários chineses se referiram ao Mar da China Meridional como um “interesse central” da China durante uma reunião privada com dois dignitários dos EUA, sinalizando uma preocupação estadunidense de que, ao rotular o Mar da China Meridional como um “interesse central” em pé de igualdade com Taiwan, Xinjiang e Tibete, a China elevará a importância estratégica do mar e o protegerá a todo custo, incluindo o uso da força. Contudo, vários estudiosos chineses afirmam que isso seria apenas uma interpretação equivocada das palavras originais, defendendo que China nunca anunciou publicamente uma política de tornar o Mar da China Meridional um interesse central, e declarando que as falas reais eram, na verdade, “a resolução pacífica do Mar da China Meridional é o interesse central do governo chinês” (WU, 2013, p. 158).

“Tudo sob o céu” - Diante do exposto, embora a China alegue que as diferenças e disputas são abordadas através do diálogo e da consulta, sendo uma opção política preferida pelos países regionais, e que a situação no Mar do Sul da China seja “geralmente estável e tenha progredido” (CHINA, 2019), ainda há controvérsias. O governo chinês afirma com todas as letras que as ilhas do Mar do Sul constituem parte de seu território e a implantação de infraestrutura e “capabilities” defensivas nesse local são ações do exercício de sua soberania nacional – retomando o objetivo de “safeguard national sovereignty, unity, territorial integrity and security” presente no paper de defesa nacional de 2019.

A presença de forças armadas chinesas em locais considerados estratégicos e espaços de sua soberania corrobora a perseguição a qualquer custo da integridade chinesa, mesmo nos discursos oficiais seja cultuada a coexistência harmônica e pacífica. Percebe-se, dessa forma, que as interpretações chinesas de RI estão presentes tanto nos discursos e documentos oficiais de política externa quanto nas próprias decisões tomadas pela China em relação aos outros atores regionais e internacionais.

Referências bibliográficas 

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WU, Shicun. Solving Disputes for Regional Cooperation and Development in the South China Sea: A Chinese Perspective. Oxford, Philadelphia, 2013. XUETONG YAN. From Keeping a Low Profile to Striving for Achievement. The Chinese Journal of International Politics, Volume 7, Issue 2, Summer 2014, Pages 153- 184. Disponível em: . Acesso em: 13 mar. 2024.

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