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Gustavo Conde

Gustavo Conde é linguista.

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Jamais subestime o leitor

"Com suas 'facilitações gramaticais', com seus 'títulos fáceis', com seus textos 'mastigadinhos', com suas 'caricaturas' de mundo, de política e de sociedade, eles conseguiram a proeza de criar uma legião de leitores precarizados, que mal conseguem distinguir entre democracia e ditadura", diz o linguista Gustavo Conde, sobre a precarização do texto jornalístico na grande imprensa

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Há algum tempo, um amigo colunista da Folha me dizia: "eu não posso aprofundar muito, senão o leitor da Folha não entende".

Era o prenúncio do efeito-rebote que toda a imprensa brasileira experimenta hoje: ela criou subleitores.

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Com suas 'facilitações gramaticais', com seus 'títulos fáceis', com seus textos 'mastigadinhos', com suas 'caricaturas' de mundo, de política e de sociedade, eles conseguiram a proeza de criar uma legião de leitores precarizados, que mal conseguem distinguir entre democracia e ditadura.

As consequências são muitas.

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A primeira delas é Bolsonaro. Faça-se uma enquete entre os subleitores da Folha e descubra-se em quem eles votaram para presidente. Seria uma lavada.

Outras consequências são o mercado editorial brasileiro completamente sucateado e nivelado por baixo. O que vende é autoajuda, textos motivacionais e fofoca de subcelebridades.

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Os "críticos literários" da Folha lamentam periodicamente a cena devastada do mercado editorial brasileiro, colocando a culpa no "povo brasileiro que não lê", claro (a culpa é sempre do povo, inculto e vagabundo).

Mas o grau de indigência da leitura no Brasil tem patrono: é a imprensa.

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Eles querem se eximir sempre de qualquer responsabilidade por qualquer coisa. São neutros, imparciais e fazem apenas o serviço de "informar" (risos, por favor).

Ocorre que esse "serviço" que o jornalismo subdesenvolvido brasileiro nos presta com imensa paixão experimenta neste momento a amarga resposta da história e da linguagem.

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Os leitores de Folha, Globo e Estadão atingiram um nível tão baixo de competência leitora (aceitando teses esdrúxulas, mentiras óbvias e textos desprovidos de coerência e coesão básicas), que os colunistas agora, a despeito de sua conhecida falta de talento, são obrigados a escrever para essa legião de débeis mentais.

Resultado: nem se o jornalista ajoelhar no milho do arrependimento cognitivo, pedir perdão aos céus e tentar escrever uma análise conjuntural ou econômica digna do nome, ele conseguirá (pois o subleitor cativo desses veículos não irá entender).

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É o efeito-rebote. Criou subleitores? Agora aguenta a manutenção da clientela.

Óbvio que há exceções e nem preciso mencioná-las aqui, já que são de domínio público (Janio de Freitas e Mariele Felinto que não me deixem mentir).

O divertido mesmo é observar que os melhores textos e as melhores reportagens destes elefantes machos e brancos chamados "jornalões", são aqueles produzidos por repórteres mais jovens, recém-contratados (e ainda não estragados).

Na outra ponta, temos o seguinte fenômeno: jornalista veterano arrependido que ainda tenciona produzir um texto não infantilizado e adesista ao mercado financeiro, ou se demite ou é demitido (e passa a escrever na internet, o verdadeiro termômetro crítico do debate público a ser levado a sério, goste-se ou não).

São tantos exemplos que admito a preguiça de elencá-los.

Mas, caro leitor indócil, amor da minha vida, permita-me que eu conte porque dei a escrever esta pequena pensata justo hoje, ante-véspera de natal, essa data tão linda.

Porque fui ler, como todo pesquisador de linguagens e costumes incorrigível, o artigo do jornalista Vinícius Mota, também secretário de redação da Dona Folha.

Leiam, por favor, esta pequena passagem-pérola do artigo deste glorioso missivista:

"Doria descobre que a vida de governador de São Paulo também pode ser dura. Huck continua dissolvido no caldeirão. Ciro onde estará?"

É a típica construção de quem não consegue mais produzir qualquer espécie de formulação crítica. A formas feitas, a sintaxe facilitada, a seleção lexical pretensamente lúdica e o absoluto vazio de sentido na menção a Ciro.

Esse é o dilema. A subleitura que sobrou foi essa. No meio-fio entre a falsa crítica ao status quo e a covardia tradicional dos representantes mascarados do sistema, colunistas se arrastam pela mediocridade dos clichês, produzindo essas pérolas que um dia serão corpora para arqueólogos da linguagem.

Esses executivos do jornalismo subestimaram o leitor, trataram-no como meros consumidores, como 'gado', tão à maneira de um certo bolsonarismo que nos esmaga o sentido da vida.

Do ponto de vista do discurso e da linguagem, o bolsonarismo é filho direto do jornalismo brasileiro. É, na verdade, sua evolução natural: o clichê mastigadinho elevado à décima potência.

Como lição deste triste fenômeno de avacalhação dos processos de leitura, eu diria: jamais subestime o leitor (porque se assim o fizer, estarás subestimando a si mesmo).

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