Lira, segundo na linha de sucessão, ao desfilar na Beija-flor ajoelhou e teve de rezar
No carnaval de 2024, quem pisou na avenida foi o segundo homem na linha de sucessão ao presidente da República
Sim. Nada de impacto. Políticos cariocas, nessa época, se misturam aos bicheiros, que por sua vez ganham destaque como patronos das escolas de samba e os jornais trocam seus perfis, da página policial, para cadernos especiais da folia. Os tratam com intimidade e até “naturalidade”, pois sem eles (a grana, muita grana), a festa não acontece.
Uma coisa, porém, é ver saracoteando na avenida deputados, o prefeito do Rio e outros nomes da cena política local - e até mesmo deputados federais e senadores. O Rio acolhe e o carnaval também. Acontece que, no carnaval de 2024, quem pisou na avenida foi o segundo homem na linha de sucessão ao presidente da República.
Qual é o mal em termos o presidente da Câmara se divertindo e tentando desajeitadamente dar uns passos na passarela do samba? O mal é que, estando no palco onde se misturam carnaval e financiamentos escusos mais patronos do jogo-do-bicho, que já entraram e saíram de presídios, exibindo algemas de presos, ele quebra o rigor do cargo de quem eventualmente pode substituir o presidente.
E o que fazer? Não ir? É. Não ir. Ainda que a homenageada seja a capital do seu estado, como foi o caso de Arthur Lira. Sem contar o zum-zum-zum em torno do financiamento – muito mal explicado – de R$ 8 milhões de repasse à escola carioca. A prefeitura de Maceió emitiu nota, explicando que os recursos vieram dos seus cofres. Mas como foram parar lá? Que verba é essa?
Há quem tenha aventado a hipótese de ser dinheiro escoado das emendas parlamentares. Pode ser... Desde que o orçamento foi transformado em terra de ninguém, por engenharia do general Ramos no nefasto governo anterior, que é difícil dizer qual o DNA da verba, que chega aos municípios pelos mais diversos caminhos. Ainda que a ministra Rosa Weber tenha considerado a prática “ilegal”. Como de fato é, mas digamos que a prática fez uma plástica, mudou de feição e continua acontecendo de forma mais “limpinha”, para desespero do atual governo.
Está bem. Ficamos combinados assim. Vamos supor que a verba seja mesmo da prefeitura daquela cidade (Maceió), onde bairros inteiros perderam a sua história, naufragada na lama, e seus moradores reclamam até hoje que as devidas indenizações não foram pagas. Há, porém, algo ainda mais grave nessa história.
De uniforme da diretoria da escola Beija-flor, de Anísio Abraão Davi, o rei de Nilópolis, município da Baixada Fluminense e controlador absoluto do jogo do bicho na área, Lira não apenas desfilou, mas como era previsível (é assim o ritual dos homenageados pelos patronos do samba), foi para o beija-mão. Teve de cumprimentar Anísio, num gesto que as fotos e imagens eternizaram.
Era fatal que o faz de conta terminasse assim. Ajoelhou, Lira teve de rezar, misturando-se (ele, um dos cargos mais altos da República), com alguém que tem uma biografia conspurcada não apenas com o jogo do bicho, mas também com as práticas bárbaras da ditadura.
No livro: “Os Porões da Contravenção – Jogo do Bicho e ditadura militar: a história da aliança que profissionalizou o crime organizado”, os jornalistas Aloy Jupiara e Chico Otavio, descrevem minuciosamente a trajetória de Anísio, da tomada e controle dos pontos do bicho à conquista de toda a região:
“Com o AI-5, o bicho sofreria um revés: o regime decidiu reprimir o jogo e chegou a prender, na Ilha Grande, bicheiros como Natalino José do Nascimento, o Natal, donos das bancas de Madureira e patrono da Portela, e Castor de Andrade, herdeiro do jogo em Bangu e na zona Oeste do Rio. Em Nilópolis, Anísio aproveitou o enfraquecimento dos antigos bicheiros da região para tomar pontos (como os de seu Ângelo) e conquistar territórios cada vez maiores, até estender seus domínios a toda região. A concentração do jogo nas mãos de uma única família, apoiada na proteção política, de policiais e militares amigos, explica por que Anísio ficaria relativamente a salvo, podendo agir e ampliar os seus negócios”. O trecho, do capítulo “Política, jogo e drogas”, já dão uma palinha de tudo que o livro conta sobre o patrono da Beija-flor.
Apenas a título de curiosidade e de homenagem, Aloy Jupiara, um brilhante amigo jornalista, morreu após ser entubado e lutar bravamente, esperando a compra de vacina da Covid-19. Lamentavelmente, Aloy foi uma das 700 mil vítimas do negacionismo de Bolsonaro.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

