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Miguel do Rosário

Jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje

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Lupi e a batalha dos consignados

Lupi acabou por montar uma armadilha para as próprias organizações de esquerda e para as próprias direções dos bancos estatais

(Foto: Reprodução)
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Os escorchantes juros praticados por nosso sistema bancário são o principal obstáculo para o desenvolvimento econômico do país. Nesta sexta-feira, a secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda publicou o seu Boletim Macroeconômico, publicação periódica que sempre traz estimativas, compilados e comparativos para se entender o cenário econômico nacional e internacional.

Um dos gráficos traz um comparativo entre os juros reais praticados no Brasil com os de outros países.

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A mera presença desse ranking (que não consta em nenhum relatório anterior) é uma inovação do novo governo, um recado explícito ao Banco Central e à sociedade, de que o governo quer baixar os juros do Brasil, e usará todas as ferramentas disponíveis para atingir esse objetivo.

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Como se pode ver no gráfico, o Brasil tem os maiores juros reais do mundo. Os juros reais do Brasil estão em 7,4% ao ano, contra -2,1% no Canadá, -4,9% na Alemanha, -1,6% na Rússia, 1,4% em Israel e -1,5% no Japão, para citar alguns. A razão apresentada pelo Banco Central, e pela mídia aliada aos interesses do mercado financeiro,é sempre a inflação. Os juros altos seriam o melhor remédio para combater a inflação.

Bem, o mesmo gráfico confirma o que inúmeros economistas, jornalistas especializados e políticos vem dizendo há anos: juro alto não é o melhor remédio para inflação.

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O economista André Lara Resende defende inclusive, em seu último livro, “Camisa de Força Ideológica”, que juros altos tem o efeito inverso, de pressionar para cima a inflação do país.

“Ao elevar a taxa de juros para conter a demanda e, supostamente, reduzir a inflação, o Banco Central está na realidade definindo uma inflação mais alta”, afirma Lara Resende, no capítulo 13.

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Repare ainda que a inflação do Brasil encontra-se hoje em níveis compatíveis com os países mais desenvolvidos, abaixo inclusive da inflação do Canadá, Estados Unidos, Alemanha e Reino Unido.

Outro gráfico do Boletim mencionado mostra a evolução da taxa Selic, que é a taxa básica de juros, definida pelo Banco Central a cada três meses, desde outubro de 2019. A disparada é assustadora. A Selic saiu de 2% em fevereiro de 2021, o que estaria em linha com os padrões internacionais, para os atuais 13,75%, por ano.

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O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, em recente entrevista para o Roda Viva, tentou afastar as críticas de que seria um ministro partidário, e partidário de Bolsonaro, alegando que, se quisesse mesmo ajudar Bolsonaro a se reeleger, teria reduzido os juros em 2022.

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A afirmação é incrivelmente cínica, porque o efeito dos juros nunca se faz sentir imediatamente. Ao elevar os juros, Neto ajudou sim ao presidente Bolsonaro, porque ampliou as margens de lucros de todo o sistema rentista que aprovava a gestão do então ministro da Economia, Paulo Guedes. Os efeitos dos juros sobre a economia real estão explodindo apenas agora, na gestão Lula.

Os técnicos da Fazenda reduziram a estimativa de crescimento econômico em 2023 para 1,61%. Em novembro esperava-se um crescimento de 2,1% este ano. Segundo eles, os juros altos explicam o declínio das expectativas.

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As primeiras polêmicas importantes do presidente Lula, desde que assumiu o governo, tem sido as críticas duras que faz à política de juros adotada pelo Banco Central. Uma pesquisa Quaest mostrou que a maioria esmagadora da população (76%) apoiava a posição de Lula. O próprio presidente do Banco Central passou a dar entrevistas em tom defensivo, depois de constatar que muitos operadores econômicos relevantes chancelavam as críticas do presidente da república.

Por outro lado, o presidente também foi bombardeado pelos suspeitos de sempre: jornalistas e economistas comprometidos com ideias neoliberais, e operadores de mercado financeiro.

A insatisfação do mercado financeiro com Lula ficou evidente num outra pesquisa Quaest, divulgada dias atrás e feita apenas junto a executivos do setor financeiro (82 entrevistas). Aqui os números se invertem: 95% acham que o Banco Central está correto ao manter a atual taxa de juros.

Toda a comunicação do governo e dos partidos aliados, especialmente os de esquerda, vem se mobilizando, há meses, para criar um movimento organizado, popular, mas também amplo, com apoio entre economistas, formadores de opinião e setores políticos de centro, em prol de juros civilizados, condição sine qua non para o Brasil crescer a taxas mais generosas, abrir espaço para investimentos em infra-estrutura, gerar mais empregos e oferecer melhores perspectivas para a juventude.

É nesse contexto que devemos ler a iniciativa do ministro da Previdência Social, Carlos Lupi, de forçar uma redução dos juros dos empréstimos consignados para aposentados.

A decisão se deu no âmbito da última reunião do Conselho Nacional de Previdência Social (CNPS), o qual, sob provocação de Lupi, reduziu os juros mensais de empréstimos consignados de 2,14% para 1,70% ao mês. A decisão do CNPS foi publicada no Diário Oficial no dia 15 de março.

Qual o problema da iniciativa? No mérito, aparentemente nenhum. Quanto mais baixo o juro, para aposentados ou não, melhor.

O problema central é que, pelo que temos lido em todos os jormais, e pela própria manifestação de Lula em recente reunião ministerial, Carlos Lupi não articulou a iniciativa com a Casa Civil e a presidência da república.

Lupi agiu como um soldado que dispara um tiro de canhão na direção correta, ou seja, na direção do principal inimigo hoje do desenvolvimento, que são os juros altos e a cultura fanaticamente neoliberal do mercado financeiro.

Mas disparou o tiro antes da hora, sem respeitar a ordem do general, atrapalhando a estratégia e ajudando os adversários, que ganham tempo para se mobilizar e contra-atacar.

O anúncio também gerou uma fissura na unidade do governo, e obrigou a administração federal a recuos retóricos inteiramente desnecessários. Na prática, e esperemos que apenas no curto prazo, a consequência da decisão de Lupi foi dramática para os aposentados, porque as instituições financeiras privadas imediatamente suspenderam todos os empréstimos consignados para eles. Ou seja, o aposentado do INSS que estaria prestes a pegar um empréstimo consignado para comprar alguma coisa importante para si ou para a família, agora levará um não  do gerente do banco.

A Caixa e o Banco do Brasil, provavelmente seguindo a orientação do governo, também suspenderam os empréstimos, à espera de uma solução política definitiva para o caso.

A decisão é particularmente desastrada porque o recuo retórico do governo não pode ser facilmente seguido, por exemplo, pelas organizações mais à esquerda, como sindicatos, centrais e alguns partidos, pelas dificuldades em explicar, de maneira simples, à sua base militante que eles são favoráveis a qualquer redução de juros, mas que qualquer medida precisa obviamente ser coordenada a nível superior com o ministério da Fazenda, a Casa Civil, a presidência e a Secom, até mesmo para que ela se materialize concretamente.

Em política, tudo que se precisa explicar, é uma derrota. Dessa maneira, Lupi acabou por montar uma armadilha para as próprias organizações de esquerda e para as próprias direções dos bancos estatais.

De nada adianta aprovar uma redução de juros, posar de heroi nas redes sociais, enquanto o aposentado fica sem crédito. Seria injusto, além disso, culpar os bancos públicos pela decisão de também aderir a suspensão, visto que eles cuidam de uma parcela pequena desses consignados. Poder-se-ia alegar que eles poderiam aproveitar a oportunidade para ampliar seu market share. Sim, podem fazê-lo, mas é exatamente por isso que essa é uma estratégia que precisa ser coordenada inclusive com eles. O que pelo visto não foi o caso. Carlos Lupi não falou com o Banco do Brasil, não falou com a Caixa, não falou com Lula, não falou com Rui Costa, não falou com Haddad.  Como é possível isso?

E agora assistimos, entre fascinados e perplexos, alguns militantes que haviam feito críticas duríssimas a entrada de Carlos Lupi no governo, colocando-o agora num pedestal justamente porque ele criou uma situação negativa para Lula. Essas atitudes realçam, a propósito, o erro de Lupi, pois é evidente que uma iniciativa natimorta, que não produz nenhum resultado prático para a população, e ainda se converte em motivo de ataques ao presidente de república, não é algo do qual um ministro de Estado deve ser orgulhar.

Um ministro é um oficial graduado da tripulação de um navio, cujo piloto é o presidente da república. Ministros tem que ajudar o presidente, e não colocá-lo em dificuldades, sob o risco do barco afundar com toda a tripulação (e todo mundo) dentro.

Uma medida como essa, para dar certo, precisaria, naturalmente, ser coordenada em alto nível com as esferas superiores do governo. É o mínimo que se espera de um ministro: articulação com o próprio governo!

Segundo a Febraban, há 14,5 milhões de aposentados do INSS que usam o empréstimo consignado, movimentando cerca de R$ 215 bilhões nas linhas de empréstimo e cartão.

Tem sido um tanto curioso, a propósito, assistir militantes de partidos de ultraesquerda, que sempre prezaram a necessidade de unidade e coesão dentro de suas organizações, elogiarem uma decisão ministerial tomada sem o conhecimento do governo central. A unidade de um governo não é mais importante? Imaginem um ministro da União Soviética anunciando um aumento do salário mínimo no país sem antes comunicar e se articular com o Comitê Central?

Todos nós queremos que os juros caiam no Brasil. No entanto, esse será o nosso desafio político mais complexo, em virtude tanto da autonomia operacional do Banco Central, aprovada no Congresso, quanto da hostilidade violentíssima dos mercados financeiros ao governo Lula. Justamente por ser um desafio tão grande, é preciso muita mobilização popular, muita inteligência, e muita articulação política.

As bravatas sobre um suposto poder de Lula de “demitir” o presidente do Banco Central e seus diretores são ridículas e despolitizadas. Entendo que o conceito de correlação de forças foi usadao inúmeras vezes, inclusive por governos de esquerda, para justificar covardia e resignação. O governo Lula precisa ser audacioso, mas isso não pode significar imprudência. A responsabilidade de Lula é muito grande. Apesar do conceito “correlação de forças” ter sido tão usado por picaretas na política, ele ainda é tão válido e necessário hoje como em qualquer época da história.

Lula não está interessado em se tornar mártir da esquerda, brasileira ou mundial, um líder com excelentes intenções, mas obstaculizado pelas elites. Uma vítima de seus grandes acertos… Não é o estilo de Lula. O presidente está se preparando para uma guerra social, em favor dos mais pobres, e voltou da prisão disposto, mais que nunca, a vencê-la.

Com apoio popular, boa coordenação política, e uma equipe coesa, UNIDA, harmônica, o presidente pode fazer um governo com grandes realizações. Para isso, precisará consolidar um governo forte, e, portanto, me parece irracional que setores da militância acham que podem ajudar o Brasil a ter juros mais baixos enquanto enfraquecem o único governo realmente comprometido com esse objetivo.

Quanto a alguns militantes de rede social, seria ótimo que se desarmassem. O senador Cid Gomes já deu a linha: não é produtivo fazer política com o fígado. Lupi é ministro de Lula. O que ele fizer de certo ou errado, é visto pelos eleitores como uma iniciativa de Lula. As eleições de 2022 já deixaram bem claro que as agitações de Twitter não fazem nem cócegas na opinião popular.

O governo Lula é o maior interessado em reduzir os juros no Brasil. O presidente já o disse. É o que a base que o apoiou deseja. É o governo eleito por 60,5 milhões de votos, a maior votação da nossa história. É o que temos por hoje.

De qualquer forma, agora o leite já foi derramado e cabe ao governo Lula fazer desse limão uma limonada. Carlos Lupi é um ministro honesto e bem intencionado, e há um lado bom nesse debate, que é novamente lançar luz numa questão central para o desenvolvimento.

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