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Heraldo Campos

Graduado em geologia (1976) pelo Instituto de Geociências e Ciências Exatas (UNESP), mestre em Geologia Geral e de Aplicação (1987) e doutor em Ciências (1993) pela USP. Pós-doutor (2000) pela Universidad Politécnica de Cataluña - UPC e pós-doutorado (2010) pela Escola de Engenharia de São Carlos (USP)

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Mercúrio que mata*

(Foto: Felipe Medeiros/Amazônia Real)

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A contaminação dos solos e das águas, sejam águas superficiais ou subterrâneas, por elementos, compostos ou organis­mos que possam prejudicar a saúde do homem, de animais e da vegetação pode ocorrer tanto no meio urbano ou rural e é umas das grandes preocupações do mundo moderno. 

Quando a contami­nação não tem origem natural, provocada por constituintes dissolvidos de minerais das rochas e dos solos, ela é proveniente de atividades humanas e acabam atingindo os mananciais.

O tratamento dos solos e das águas é bastante complexo e uma das formas para se tentar trazê-la mais próxima das condições naturais é através da remediação, que consiste em retirar ou atenuar a concentração do contaminante do solo. Ela é feita com o emprego de diversos métodos de engenharia para que a concentração seja reduzida a limites pré-determinados na avaliação de risco da saúde humana, apoiado na legislação vigente.

De um modo geral, pode-se dizer que os métodos de remediação incluem várias etapas. A escavação, a remoção e a destinação do solo contaminado; o bombeamento e o tratamento das águas superficiais e subterrâneas; a extração de vapores do solo; a construção de barreiras reativas permeáveis; a oxidação química e a redução química in situ e a biorremediação, entre outras etapas. A biorremediação é uma técnica de remediação e se baseia na utilização de micro-organismos na degradação dos contaminantes existentes no solo e nas águas. Esses microrganismos podem ser adicionados ao ambiente contaminado ou estimulados ao crescimento por meio de nutrientes. 

“Quando inalamos, ingerimos ou somos expostos ao mercúrio, o elemento pode atacar nosso sistema nervoso central e periférico, bem como nosso trato digestivo, nosso sistema imunológico, nossos pulmões e nossos rins. Sintomas específicos podem incluir tremores, insônia, perda de memória, dores de cabeça, fraqueza muscular e, em casos extremos, morte. Bebês não-nascidos cujas mães têm altos níveis de mercúrio no sangue podem nascer com danos cerebrais e problemas de audição e visão.” [1]  

Recentemente a grande mídia divulgou que os Estados Unidos ajudariam na descontaminação de mercúrio no solo e águas nas áreas garimpadas na Amazônia. Nesse caso específico, o processo eletroquímico, que extrai o mercúrio da água para formar uma liga, pode ser uma das técnicas a serem aplicadas na área dos territórios Yanomani, ressaltando a grande escala em que ocorreu o garimpo ilegal na região.

Aqui cabe uma pergunta: os Estados Unidos apoiariam os estudos e os trabalhos de descontaminação do mercúrio em grande escala, com aporte de verbas para a sua execução, ou esses custos de decontaminação seriam debitados nas contas dos mandantes dessa atividade predatória e criminosa? A situação é grave e não se trata de “garimpeiros de pequena escala”. Muito pelo contrário. 

“Os garimpeiros de pequena escala usam o mercúrio regularmente para ajudá-los a separar o ouro de outros materiais, e a maior parte desse mercúrio acaba permanecendo no meio ambiente. Em 2015, de acordo com a Avaliação Global de Mercúrio de 2018 do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), a mineração artesanal e em pequena escala emitiu cerca de 800 toneladas de mercúrio no ar, cerca de 38% do total global, e também liberou cerca de 1.200 toneladas de mercúrio na terra e na água. O envenenamento por mercúrio também representa uma ameaça séria e direta à saúde de 12 a 15 milhões de pessoas que trabalham no setor em todo o mundo. Reduzir as emissões e liberação de mercúrio da mineração é um objetivo fundamental da Convenção de Minamata, que exige que os países com mineração de ouro em pequena escala produzam planos de ação nacionais para reduzir ou eliminar o mercúrio do setor.” [1] 

Nunca é demais lembrar que a remediação dos solos e das águas é complexa e pode custar caro, como por exemplo, as extensas áreas contaminadas por mercúrio pela atividade predatória, ilegal e criminosa, como vem ocorrendo na Amazônia e invadindo território Yanomani. Então, como devemos proceder diante dessa agressão ao meio ambiente? Espera-se que esses invasores da Amazônia que há tempos vêm  desmatando, queimando, grilando, garimpando e contaminando seus solos e águas sejam devidamente identificados, responsabilizados e punidos de acordo com a lei. 

Mesmo que a legislação permita a destruição do maquinário para extração do ouro em território Yanomami, sob a alegação de que a retirada dessas áreas invadidas seria “inviável do ponto de vista logístico”, será que uma vez identificados os responsáveis não caberia a eles a responsabilização pela retirada desses equipamentos? Não seria uma solução razoável a transferência para outras áreas mais distantes da região Amazônica desses equipamentos (motores e bombas), onde poderiam sofrer adaptações e reaproveitados na captação de água, como em regiões mais carentes desse recurso? O Semiárido Brasileiro, que se estende por nove estados da região Nordeste e também pelo norte de Minas Gerais, poderia ser uma dessas áreas de transferência. Outros equipamentos, como tratores e escavadeiras poderiam ser confiscados e utilizados na etapa de escavação para remediação das áreas contaminadas, por exemplo.

Uma vez que esses equipamentos entraram na floresta Amazônica, por terra, água ou ar devem, pela lógica, conseguir sair do mesmo jeito e a conta com esses custos deve ser debitada aos invasores além, obviamente, da recuperação das áreas degradadas com a descontaminação do mercúrio nos solos e nas águas, incluindo a recuperação da floresta com árvores nativas. Por outro lado, como existe a preocupação social com o grande contingente de garimpeiros que atuaram no garimpo ilegal e predatório - que de certa forma ficaram “deslocados do mercado de trabalho” - aqueles que não são os mandantes e sem antecedentes com a justiça poderiam ser reaproveitados como mão de obra no replantio da vegetação retirada, desde que devidamente cadastrados junto aos órgãos fiscalizadores e monitorados, controlados e vigiados nessa importante etapa de recuperação das áreas degradadas.

Um parêntesis. Esse tipo de cenário parece um filme antigo. Devastação e desgoverno ocorreram como enredo de outra ditadura, a iniciada em 1964 e que durou até 1985, e que tristemente assistimos agora, com a atividade garimpeira criminosa na Amazônia. Mesmo guardando as diferenças abissais de cenários e situações, com um tipo de mineração predatória de granito na região Sudeste do país, pode-se dizer que os olhos oficiais também eram bem fechados para esse tipo de atividade, como o que ocorreu nos últimos quatro anos. 

“Em Ubatuba, município de forte vocação turística localizado no Litoral Norte do Estado de São Paulo, nos anos 80 do século passado, a extração de granito verde corria solta e a fiscalização do governo federal era pífia. Do imposto que deveria ser recolhido por causa da sua extração, para sua posterior comercialização, o antigo IUM (Imposto Único Sobre Minerais), quase nada ficava para o município que era o território que mais sofria pela prática predatória na retirada desse tipo de minério, geologicamente bem raro, e usado para o chamado “revestimento fino” na construção civil.

Grandes blocos (paralelepípedos com algumas toneladas) eram exportados para a Europa, Estados Unidos, e Japão e não eram difíceis de serem identificados, a olho nu, sobre as grandes carretas que trafegavam pelas estradas federais da região. Só não via quem não queria.” [2] 

Por outro lado, estudos recentes, como o relatório “Yanomani sob ataque”, desenvolvido pela Hutukara Associação Yanomani e Associação Wanasseduume Ye'kwana, aponta um quadro de violação na Terra Indígena Yanomami. 

“O relatório tem por objetivo descrever a evolução do garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami (TIY) em 2021. Trata-se do pior momento de invasão desde que a TI foi demarcada e homologada, há trinta anos. Apresenta como a presença do garimpo na TIY é causa de violações sistemáticas de direitos humanos das comunidades que ali vivem. Além do desmatamento e da destruição dos corpos hídricos, a extração ilegal de ouro (e cassiterita) no território yanomami trouxe uma explosão nos casos de malária e outras doenças infectocontagiosas, com sérias consequências para a saúde e para a economia das famílias, e um recrudescimento assustador da violência contra os indígenas.” [3]

“Pensam que uma grama de ouro vale mais que a vida de uma criança Yanomani.” (Avelin Buniacá Kambiwá)

Fontes

[1]https://www.unep.org/pt-br/noticias-e-reportagens/story/o-mercurio-e-uma-ameaca-cotidiana-para-saude

[2]https://aterraeredonda.com.br/filme-antigo/

[3]https://acervo.socioambiental.org/acervo/documentos/yanomami-sob-ataque-garimpo-ilegal-na-terra-indigena-yanomami-e-propostas-para 

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