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Carlos Carvalho

Doutor em Linguística Aplicada e professor na Universidade Estadual do Ceará - UECE.

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Normopatia

Como achar normal a morte de mais de 650 mil pessoas ou que um governante gaste uma fortuna em passeios e comidas caras, enquanto parte da população passa fome?

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Em época de raposas e leões há uma tendência a se normalizar o absurdo, o que obriga muitas pessoas a condicionarem seu modo de ser e de agir de maneira que possam se adequar àquilo que é socialmente exigido. Como não existe almoço grátis, quando o ser humano se submete a tais normas e condutas, acaba por abrir mão da sua liberdade, permitindo que as opiniões externas pesem cada vez mais nas suas decisões. Isso se dá, uma vez que é sua aceitação pelo outro que interessa ali, na cotidianidade. 

Para muitos, sem esse tipo de aceitação pouco ou nada realmente interessa. Contudo, como afirma Agnes Heller: “o homem da cotidianidade é atuante e fruidor, ativo e receptivo, mas não tem nem tempo nem possibilidade de se absorver inteiramente em nenhum desses aspectos; por isso, não pode aguçá-los em toda sua intensidade”. Mesmo que tivessem o tempo que a contemporaneidade exige, homens e mulheres, por mais “insubstanciais” que fossem não conseguiriam viver somente na cotidianidade da normalização das coisas, dos atos e dos dias. 

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Mesmo assim, seguimos normalizando o “inormalizável”, afinal, como diz a canção: “de normal bastam os outros”. O problema é que nós somos nós, mas ao mesmo tempo também somos os outros. Neste sentido, “achar normal que algum boçal atire bombas na embaixada” não tornará esse tipo de ato normal. Também não é normal aceitar que uma pessoa em situação de rua seja espancada ou que uma outra seja discriminada pelo seu tom de pele ou pelo seu gênero. Mas há gente que acha tudo isso perfeitamente normal. Entre tantos, há até aqueles que, em meio a uma pandemia, consideram aceitável que se “flexibilize” a vida, concordando com a abolição do uso de máscaras. 

Como achar normal a morte de mais de 650 mil pessoas ou que um governante gaste uma fortuna em passeios e comidas caras, enquanto grande parte da população passa fome? Como normalizar aqueles que abençoam armas e extorquem miseráveis em seus balcões de negócios? Se para tudo se tem um nome, para essa doença a nomenclatura é normopatia ou normose, nomes estes que designam a patologia da normalidade; descrita em livro por Pierre Weil, Jean-Yves Leloup e Roberto Crema. Segundo os autores, normopatia é um conjunto de hábitos considerados normais pelo consenso social que, na realidade, são patogênicos e nos levam à infelicidade, à doença e à perda de sentido na vida. 

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A noção de normose se dá, afirmam os autores, quando o contexto social no qual estamos inseridos se caracteriza por um desequilíbrio crônico e predominante.  A partir daí, e tomando como referência o conflito Rússia x Ucrânia, uma pergunta se faz: como se normaliza, por exemplo, a guerra? Como resposta, conforme o contexto das normoses gerais, a normalização da guerra se justificaria quando se considera que as guerras são meios necessários e indispensáveis para que os conflitos entre nações sejam resolvidos, logo, a guerra é tida como algo “normal”. Neste contexto, o ato bárbaro de estuprar e castrar soldados inimigos também é considerado “normal”, assim como violentar, amarrar ao poste e açoitar minorias indefesas também o é. Quanto mais fraturas sócio-históricas e culturais, mais fértil o terreno para a germinação da normopatia, o que a faz se proliferar de maneira epidêmica. 

Retomamos Heller, quando diz que a vida cotidiana é a vida de todo homem. Todos, diz ela, a vivem, sem nenhuma exceção, qualquer que seja seu posto na divisão do trabalho intelectual e físico. Ninguém consegue, continua a autora de O cotidiano e a história (2016), identificar-se com sua atividade humano-genérica a ponto de poder desligar-se inteiramente da cotidianidade. Por esta razão, é possível deduzir que as normoses que se abatem sobre o ser humano contemporâneo exigem cuidados e atenção.

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Assim sendo, é necessário e urgente “desnormalizar” a idiotia, o absurdo, a distopia e a fascistização das sociedades, para que se possa ir adiante. Logo, a fome não pode ser considerada algo normal. Também não é normal que um ministério responsável pela educação formal de um povo seja rapinado por vendilhões da fé alheia, pois a formação de um ser humano não pode ser pesada em um quilo de ouro. O autoritarismo e a censura também não são aceitáveis.  Como forma de desconstruir a normopatia, é preciso normalizar o que realmente importa, ou seja, a vida, a rua e a luta por dias melhores. 

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