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Luiz Fernando Padulla

Professor, biólogo, doutor em Etologia, mestre em Ciências, autor do blog 'Biólogo Socialista'

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O ópio do povo?

Ainda que digam que "o futebol é o ópio do povo", merecemos um pouco de distração. Afinal, o verde e amarelo é nosso!

Richarlison (cabelo loiro) e o técnico Tite (terno) (Foto: Reprodução)
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Não me recordava mais quando tinha sido a última vez que havia realmente torcido pela seleção brasileira de futebol. Tenho vagas lembranças da Copa de 86 no México, e da de 90 na Itália, quando Caniggia eliminou o Brasil nas oitavas, e a Argentina começou a despertar meu interesse nesse país. Em 94 acredito que tenha sido a última grande torcida pelo Brasil, admirando aquela que foi a última disputada por Maradona. O tetra suado, nos pênaltis, contra a Itália. Depois disso, passei a não torcer tanto. Pelo amadurecimento crítico e questionador que comecei a ter, não me via representado naqueles jogadores-estrelas. O vexame dos 3x0 contra a França (tenho lá minhas teorias conspiratórias) em 98 foi o estopim. Em 2002, acompanhei o pentacampeonato com as madrugadas de jogos, mas não conseguia torcer para a seleção que tinha Ronaldo - e mais tarde, a aversão ao tal fenômeno só seria comprovada.

Depois vieram as Copas que assumi definitivamente minha torcida pela Argentina. Foi assim em 2006 na Alemanha, 2010 na África do Sul, 2014 no Brasil. Dessas tenho algumas lembranças, como a linda e inesperada campanha dos hermanos no vice-campeonato em pleno solo brasileiro com a invasão da torcida e seus cantos arrepiantes nas praias cariocas. E veio 2018. Desta, nem recordava onde tinha sido. E isso me incomodou. Tentando entender, acho o motivo: era ano eleitoral. E uma eleição que colocou à prova nosso futuro que se mostrou desgraçado pelo bolsonarismo. Não me lembro de quase nada porque a atenção - e tensão - estava voltada ao risco que se concretizou. Os discursos de ódio, o empoderamento da extrema-direita maquiada como "força de expressão", nos destruía a cada dia. E nisso a Copa passou. Quatro anos de resistência, lutas muito desiguais, perseguição, ameaças, mortes.

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O verde e amarelo nos foi sequestrado, orquestrando hordas baderneiras e nazifascistas. Criamos asco pela camiseta da seleção, empunhada e vestida pelos "cidadãos de bem" e "patriotas", junto com nossa bandeira. Mais do que esse sequestro, novamente não existiam jogadores que levantassem a voz contra todos os retrocessos. Era mais uma seleção "pão e circo", tendo como padrinho mor aquele adulto eternamente mimado chamado Neymar. O mesmo que mais tarde revelaria seus interesses estando ao lado do fascismo. Tudo em nome de seu "Jesu$". Não foi apenas nojo e raiva das cores, mas igualmente do número 17 e depois do 22. 

E assim chegamos na Copa de 2022. Posterior a mais um embate eleitoral, com disputa apertada em 1º e 2º turnos - e com patriotários desejando um 3º - pudemos respirar momentaneamente com a vitória da democracia e a eleição de Lula. 

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(Dia 30 de outubro. Às 19h43 deu a virada. Somando os números: 17. Às 19h57 a confirmação da vitória épica de Lula. Virada sobre o aparelhado Estado,  sobre as fake news, sobre os milhões de votos comprados com o orçamento secreto e corrupto. Somam-se os números: 22. Ufa! Resgatamos esses números para nossa normalidade).

Novos ares parecem soprar sobre nossa nação. Igualmente em nossa seleção. Nomes de craques, dentro e fora do campo, como Richarlison e Éverton Ribeiro, sob o comando do igualmente assumido democrata Tite, me inspiram a torcer novamente pelo verde e amarelo.

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Ainda que digam que "o futebol é o ópio do povo", merecemos um pouco de distração. Afinal, o verde e amarelo é nosso! E nos inebriarmos depois de anos tão desgastantes, é merecido e necessário - sem que, obviamente, nos descuidemos das lutas diárias. Um momento de folga para recarregarmos nossa energia, pois os anos seguintes serão árduos e muita resistência.

Para aqueles que contestam e desejam separar o futebol da política, insisto em dizer: não é apenas futebol. 

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Além do jogo, há sempre um contexto social, geopolítico, como recentemente nos fazem lembrar os suíços Shaqiri e Xhaka que manifestam e denunciam publicamente os crimes da Sérvia contra Kosovo. Sem falar na vitória histórica de Marrocos contra a Espanha, emocionante pela disputa das penalidades, mas mais ainda por se tratar de um país que há anos sofreu com o colonialismo europeu. Uma vitória com um gosto além do futebol. E o que dizer da visibilidade da causa Palestina? Luta invisibilizada pela mídia alinhada aos interesses sionistas, mas que agora, com a Copa do Mundo, não consegue esconder as inúmeras bandeiras e declarações dos entrevistados "ao vivo" em apoio à causa, abrilhantando os espaços cataris e tornando pública a discussão.

Essa é a beleza do futebol em seu contexto social. É isso que tornou Maradona grandioso não apenas por seu hábil e valoroso futebol. Maradona era a voz do povo humilhado que ecoava para dentro do campo. Foi assim com o time do Napoli na década de 80 e com a seleção Argentina - incluíndo "la mano de dios", que muitos deturpam e avaliam como uma fala arrogante de Diego, ignorando o contexto da guerra da Malvinas, justamente contra os ingleses.

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São jogadores assim que precisamos. Mas a mídia segue "babando-ovo" para os marqueteiros, que posam com relógios de milhões, ou vão se banquetear com a tal carne banhada a ouro por mera ostentação enquanto milhões de brasileiros estão passando fome. Certos ídolos do passado, que inclusive negam suas origens, ainda tentam defender essas atitudes com discursos meritocráticos e até mesmo invertendo a narrativa. E quando lhes faltam argumentos, atacam os argumentadores chamando-os de invejosos.  

O que é preciso inverter é quem é valorizado hoje em dia. O futebol e a Copa do Mundo são importantes ferramentas de conscientização de massa que devemos usar para deixar de lado certas figuras patéticas e arrogantes como o "menino" sonegador - que sofre com a síndrome de Peter Pan - e apoiador daquele que foi o pior presidente da história do Brasil. Curiosamente, o tal "menino" disse ter os mesmos valores que ele (racismo, homofobia, xenofobia, tortura, ódio). Isso não merece qualquer idolatria.

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Temos que valorizar jogadores como Richarlison e outros jovens politizados, que não se escondem enquanto cidadãos. Jogadores que mais do que atletas, lutam pela justiça social, são vozes ativas contra o racismo, a desigualdade e o negacionsimo. São eles que devem inspirar as gerações futuras. E é por eles que orgulhosamente volto a torcer pela seleção de futebol. Jogadores-cidadãos, empáticos e conscientes do que se passa em seu país de origem, e não aqueles pulhas alienados em seu mundo particular. 

Assim sendo, quando Marx foi parafraseado em sua frase "a religião é o ópio do povo" para ter essa mesma referência com o futebol, temos aqui essa importante ressalva. O futebol consciente não é irracional e alienador, mas um mecanismo que promove o debate, traz o discurso e a materialidade para todos. Cabe a nós assumirmos a postura dessa educação contextualizadora, abrindo os olhos e os corações de cada espectador.

E, ainda que seja tratado como ópio do povo, tal como toda substância analgésica, o que determinará sua atuação como remédio ou veneno é justamente sua dosagem. Façamos bom proveito!

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