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Moisés Mendes

Moisés Mendes é jornalista, autor de “Todos querem ser Mujica” (Editora Diadorim). Foi editor especial e colunista de Zero hora, de Porto Alegre.

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O poder político e econômico agressor do meio ambiente não é negacionista

“A destruição planejada do meio ambiente rural e urbano não é obra da negação da ciência e da realidade”, escreve o colunista Moisés Mendes

Enchente no Rio Grande do Sul (Foto: Reuters/Amanda Perobelli)

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Escrevo pensando no presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, professor Renato Janine Ribeiro, e na contribuição que ele e a SBPC podem dar à contenção de um equívoco que se repete por toda parte.

Não é negacionismo a praga que infesta o Rio Grande do Sul em meio à tragédia que destruiu áreas de mais de dois terços das cidades do Estado. Um clichê nos ensina que a ciência não sabe tudo, mas alguns cientistas deveriam saber que não há prevalência de negacionismo no caso gaúcho.

Pouco ou nada do que precede a cheia e do que acontece agora são causas ou efeitos de negacionismo, ao contrário do que, entre outros, escreveu Conrado Hubner Mendes, professor da USP, na Folha.

Não há negacionistas nem nas camadas superiores nem nas faixas intermediárias ou subalternas de quem cuida do planejamento e execução de ações destrutivas com repercussões coletivas, em instâncias públicas ou privadas.

Não há entre eles negacionistas que rejeitam verdades, por mais gasosas que essas sejam, professor Hubner Mendes. Não existem negacionistas, no sentido de que negam as evidências entre o que pensam e fazem e os danos que provocam.

O governador Eduardo Leite não é negacionista, tampouco o prefeito Sebastião Melo. Não são negacionistas os líderes do agro pop, do empreendedorismo imobiliário, dos negócios que vendem e receitam venenos para lavouras e de máquinas gigantescas que compactam ainda mais o solo.

Hubner Mendes pode vir a Porto Alegre e encontrar um ratão do banhado no centro da cidade. Mas não vai achar negacionistas entre figuras públicas e privadas que representam o que é hoje a antiga direita absorvida pela extrema direita gaúcha. Não há mais, professor Janine, nem conservadores sinceros entre eles.

Há ativistas que nunca foram tão ativos na imposição do que defendem. Nem na ditadura, para repetir outro clichê, a direita gaúcha foi tão ativa como é agora como aliada do bolsonarismo destruidor.

Hubner Mendes pode procurar e encontrar negacionistas nos contingentes que seguem o que os considerados líderes negacionistas pregam. Encontrará negacionistas entre as tais camadas médias, entre religiosos que têm Deus acima de tudo, entre mulheres que negam vacinas contra a poliomielite aos filhos e entre gente que paga para participar de simpósios sobre a Terra plana.

Mas não há negacionistas entre os que permitem ou estimulam a degradação de rios, margens de rios, solos, matas, cidades à beira ou não de rios. Eles não são negacionistas. Chamá-los de negacionistas é atenuar os danos e crimes que cometem.

Não é a negação da ciência que mobiliza essa gente contra o ambiente em que moram ou exploram. Eles sabem o que está comprovado cientificamente pelo que conseguem ver e pelo que observam em dados estatísticos.

Sabem o que é a verdade que os denuncia como agressores de leis, normas e regras de convivência. Não são negacionistas. Os deputados gaúchos que revogam leis de proteção ao ambiente não são negacionistas.

Eduardo Leite sabe o que faz, mas destruiu toda a legislação ambiental do Rio Grande do Sul. Sebastião Melo sabe que, como já sabiam desde os anos 70, quando construíram as barreiras contra a cheia em Porto Alegre, que a cidade está sob a ameaça permanente das águas.

Os dois sabem que as leis ambientais protegiam um meio ambiente já degradado e que destruir as estruturas contra as águas seria como demolir muros de proteção das cidades no tempo das invasões. 

O agro pop sabe, as grandes corporações imobiliárias sabem que a desocupação desordenada não é negacionismo. Altos executivos que os rodeiam e que cercam o interesse privado também sabem. Mas abrem as porteiras para as boiadas e torcem para que o caos seja gerido. Até o dia em que as águas invadem as cidades.

Nem Leite, nem Melo, nem os empresários, nem os fazendeiros, muito menos os vendedores de venenos e de máquinas ignoram que destroem o meio ambiente rural e urbano, contaminam rios e acabam com o que ainda resta dos bichos de campos e matas.

Eles não fazem parte das camadas que, pelos mais variados motivos, refutam os saberes da ciência para negar coisas que a ciência explica e faz funcionar. Todos eles são vacinados. Todos usam filtro solar, muitos são veganos.

Eles não são negacionistas, no sentido do que essa palavra significa desde muito antes de assumir os significados popularizados pela pandemia. Eles não negam a ciência e a realidade.

Eles são, professor Hubner Mendes, líderes de ações destrutivas. São, mesmo que muitas vezes como capatazes, os que planejam e executam, com ou sem mandatos, o que o interesse econômico determina. Por isso destroem rios, solos e cidades. Eles abrem as porteiras.

Não agem por negacionismo, mas por prerrogativa, assegurada por algum poder político, como representantes de quem manda em tudo, dentro e fora do setor público, pela imposição do poder econômico.

As ações contra o meio ambiente e contra as cidades são deliberações de quem age em nome desse poder, como executivo ou como legislador e até como bem mandado nos estamentos burocráticos sequestrados por essas forças.

Os líderes políticos e empresariais gaúchos são os emissores da mensagem pretensamente negacionista que será absorvida por grupos de tios do zap. Mas eles não são negacionistas. Não os absolvam com a desculpa da ignorância.

Negacionista pode ser, lá no fim da fila, o receptor a serviço da disseminação do bolsonarismo. Por ser defensor do empreendedorismo a qualquer custo e da meritocracia ou porque simplesmente tem Jesus no coração. Esse pode ser, por falta de discernimento básico, um negacionista ou alguém que finge negacionismo.

Mas os líderes do projeto de destruição daquilo que o Estado deveria proteger são tão negacionistas quanto Roberto Campos Neto no Banco Central ou os lobistas dos acionistas da Petrobras na Faria Lima. 

Eles criam realidades paralelas e passam a boiada, que geralmente é dos outros. Até a boiada sabe que eles são entreguistas e não são negacionistas.

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