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Ronaldo Lima Lins

Escritor e professor emérito da Faculdade de Letras da UFRJ

199 artigos

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Os tentáculos do medo

Moise Mugenyi Kabagambe (Foto: Reprodução)
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Numa manhã de julho de 1942, o professor de matemática e filosofia Jean-Toussaint Dessanti, enquanto transitava pela Place du Panthéon, em Paris, assistiu a uma cena impactante: um grupo de crianças judias, sentadas sobre suas malas e vigiadas por agentes armados da polícia. Imediatamente, uma voz interior lhe disse: matar, matar, matar, não para punir, nem para vingar, mas a fim de que se saiba que nem tudo se permite contra inocentes. A evocação ultrapassa os limites do período e continua ecoando. Volta à cena cada vez que uma grave injustiça se instala. Recupera os instantes de atrocidades e circula nas ruas do Rio de Janeiro diante da morte de Moïse Mugenya Kabagambe, o congolês que havia buscado meios de sobrevivência no Brasil.

Dessanti falava da angústia diante da barbárie – e do medo e da necessidade de vencê-lo. Já sabemos que ele funciona como um polvo, tentacular, voltado para todas as direções. Desperta sentimentos de recolhimento, refúgio dentro de si, e superação, quando a humanidade é capaz de ir além de seus limites e manifestar a sua indignação. 

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Não nos equivoquemos. Fatos não existem isolados, cada um como uma mônada, um átomo, inspirando e expirando à maneira de um ser inferior. Fatos se ligam uns aos outros. É no conjunto que revelam a sua verdadeira face e explicitam o que guardam para comunicar. Numa atmosfera de autoridades que defendem o comércio de fuzis, que pregam o reino dos lobos e se divertem quando uivam, o que se espera, senão que as desavenças exorbitem até a medula ou a matança? Ali, nos quiosques da Barra da Tijuca, estabeleceu-se uma realidade perversa, feita de milicianos e egressos da polícia militar, o pessoal que aceita assassinar, desde que em favor de seus interesses.

Dessanti, em 42, na Place du Panthéon, assistia a um surto do fascismo, já dono da situação em boa parte do mundo, a partir da Itália e da Alemanha. Não teria como tirar da cabeça a vontade de lutar contra a injustiça...

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Na nossa realidade, chamamos de extrema direita, ou conservadorismo extremado, o ponto de encontro entre a superficialidade política e a arrogância destemida, pronta para bater até depois da morte. Afinal, estamos longe de viver num ambiente pacífico, aqui ou no restante do mundo. No Leste europeu, entre as tropas da Rússia e da OTAN, capitaneadas pelos Estados Unidos, um rastilho de pólvora parece bastante para que experimentemos outra vez a força das armas, agora em torno da Ucrânia. A vontade de matar abunda e espicaça. É um dos tentáculos do medo se fazendo predominante lá, como cá. E nós, que líamos Tchekov!...

Se, pelo menos, Moïse Kabagambe, mesmo negado em seus direitos de cidadania, nos leve a agir como aconselha Dessanti, ainda poderemos dizer que não morreu em vão. Já se viu que a violência tem sete faces, muitos braços e pernas, muitas cabeças. Não se extingue num único movimento. É necessário que, como num relógio que bate depois da meia-noite, recomecemos de onde paramos, para que voltemos a despertar. Para tanto, temos de enfrentar o medo e derrotar os fantasmas dos torturadores herdados da ditadura. Então, levantaremos a voz e diremos que não, que a barbárie não vencerá.

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