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Inez Lemos

Psicanalista e autora de "Berro de Maria", ed. Quixote.

15 artigos

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Política e perversão

Somos sujeitos pulsionais que precisam ser investidos, orientados para o bem - inseridos na civilização

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Há um tempo que venho interessada em debater a importância de investigarmos a produção de subjetividades perversas. Não tenho a pretensão de sugerir que estudem psicanálise ou façam análise, mas atentem pela tendência do momento. Acredito que o avanço tecnológico e a ausência de uma formação crítica em que temas que envolvem cidadania, respeito ao espaço público, diferenciando-o do privado, exercitando o pensamento investigativo sobre os rumos do mundo atual, deflagraram uma persona, sujeito esvaziado de consistência humana. Nos tornamos mais parecidos com objetos do que com o ser sensível, preocupado em ser reconhecido pelo bom caráter - honesto, solidário, gentil. Avançamos no consumo excessivo, estética padronizada - vida pouco autêntica, espontânea. Copiamos, reproduzimos sem questionar conteúdos. Recuamos nas excelências interiores. Buscamos novidade da moda mas não de espírito, conhecimento. Muito lixo informativo, fake news e pouco tempo nos livros. A formação humanista se completava nos clássicos. Dostoievski, em Crime e castigo, pontua o papel do superego - se responsabilizar pelos seus crimes, se colocar no lugar do outro. Contudo, se nos tornamos seres dessubstancializados - sem substância própria, circulamos na subjetividade alheia, a que nos renderá mais likes. A política da era Bolsonaro expôs o odor, o bueiro que produzimos junto aos avanços do capitalismo e seus correspondentes: neoliberalismo, tecnocultura - redes sociais, espetacularização. Como melhorar as referências ao educar os filhos sabendo que o pai pode ser um entre os terroristas da extrema-direita? Como prevenir para não colocar no mundo seres sem consciência política, neonazistas, fanáticos sem rumo e desejo de futuro honrado? Por que, às vezes, agimos de forma desonesta, manipuladora, perversa? Se somos feitos de afetos - algo afeta, entra, faz revolução, nem sempre conseguimos controlar. Muitas vezes acabamos fazendo o que não concordamos, algo escapa ao bom senso. E se assim não fosse, seríamos animais desprovidos de sentimentos, emoções - arremedos de robôs. Sentimos raiva, ódio, amor, inveja e por aí seguimos fazendo estragos. Trabalhar as pulsões malignas, perversas é mais que necessário. Somos sujeitos pulsionais que precisam ser investidos, orientados para o bem - inseridos na civilização. Diferente de ser domesticado, bombardeado com narrativas perversas. Estamos desumanizando o mundo ao deixar crianças serem alfabetizadas nos smartphones - quando perdem a singularidade. Ao entupir os filhos de bugigangas, dificultamos o contato deles com o desejo - o qual advém da falta. É ela que nos enchem de alegria pra continuar a viver, lutar por sonhos. Sonho meu! Sem essas intensidades seríamos molúsculos, um vulto que apenas gesticula, balbucia, não registraria em sua trajetória os sintomas - medos, carências, traumas. Talvez seja por isso que a convivência humana é tão turbulenta. Ao ser humano resta tornar-se melhor, se lapidar, repensar conceitos, posturas, higienizar pulsões, faxinar sentimentos. Embora tenhamos nascidos em um corpo biológico, é ao longo da vida que vamos emporcalhando o corpo erótico. Somos marcados, educados e formatados por um conjunto de pessoas e culturas. Ao nos desvencilhar dos mal feitos, um trabalhão há de ser realizado. Sem isso, repetiremos a barbárie. Há vários exemplos: Hitler, Stalin, Bolsonaro, Marcos do Val, Daniel Silveira e seus ascetas. Nascemos um pedaço de carne, mas logo podemos nos tornar um cozido de imperfeições. Que tal o movimento da boa educação - formação cidadã e humana em casa e nas políticas públicas? Oferecer artes: literatura, música, bons filmes debatendo machismo, racismo. Seduzir as crianças pelo belo. Mais Chico César e menos Tik Tok. Puro Estado de poesia. Vamos, com determinação, tornar o difícil, possível? 

Uma aluna da UFPI (Universidade Federal do Piauí), Janaína, garota linda e cheia de futuro, numa festa na universidade foi estuprada por dois jovens, colegas de faculdade e, de lá, saiu morta. Que tipo de educação teriam recebidos os monstrinhos? Como trabalhar na desconstrução do estupor misógino que assombra as jovens, embalado pela falência de alteridade?

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