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Thiago Esteves

Thiago Esteves é Professor de Sociologia, Doutor em Educação e Vice-presidente da Associação Brasileira de Ensino de Ciências Sociais.

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Tarcísio e Feder atacam a educação, novamente

Fica evidente que Tarcísio e Feder têm utilizado a rede estadual de educação de SP, a maior da América Latina, como um laboratório de políticas retrógradas

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Tarcísio de Freitas e Renato Feder (Foto: Divulgação)
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Fica cada vez mais evidente que o governador Tarcísio de Freitas e o secretário Renato Feder têm utilizado a rede estadual de educação de São Paulo, a maior da América Latina, como um imenso laboratório de políticas públicas retrógradas, sem amparo científico e dissociadas das realidades socioeconômica e educacional existentes nas comunidades escolares pelas quais eles são responsáveis. E isto sem o conhecimento ou consentimento dos(as) professores(as), demais profissionais da educação, mães, pais, responsáveis ou estudantes e diante do silêncio cúmplice das fundações e institutos empresariais, que em outras instâncias se mostram aguerridos, fervorosos e influentes agentes em atuação no campo educacional, a exemplo da Reforma do Novo Ensino Médio. 

No segundo semestre de 2023, professores(as) e estudantes tiveram instalados em seus telefones celulares pessoais, sem nenhum tipo de autorização, os aplicativos “Minha Escola” e “Minha Escola SP”. Estes aplicativos foram instalados de maneira remota pela própria Secretaria de Estado de Educação, que reconheceu em nota a “falha”. Por coincidência, uma “falha” semelhante ocorreu anteriormente no Paraná, quando o mesmo Renato Feder ocupava o cargo de secretário de educação deste estado.

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Ainda em 2023, o próprio secretário de educação noticiou que o estado de São Paulo não utilizaria mais os livros e materiais didáticos distribuídos gratuitamente pelo Ministério da Educação (MEC), por meio do Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD). Sem apresentar qualquer prova, Renato Feder justificou a substituição dos livros didáticos físicos por materiais digitais, alegando ausência de qualidade nas obras distribuídas pelo MEC. Feder só esqueceu de dizer que não possui formação docente que o habilite a fazer tal avaliação e que os livros didáticos distribuídos por meio do PNLD são selecionados por comissões indicadas pelo MEC e compostas por docentes com elevada experiência, altamente especializados e reconhecidos como referência  em suas respectivas disciplinas de atuação. Além disso, os livros distribuídos gratuitamente para os estudantes das redes públicas são os mesmos utilizados em muitas escolas de elite da rede privada. Para o mercado editorial dos livros didáticos, uma aprovação no PNLD equivale a um selo de qualidade para a obra. Após uma série de denúncias envolvendo os elevados custos de aquisição e erros elementares no conteúdo disponibilizado nestes materiais digitais, a Secretaria de Educação de São Paulo voltou atrás em sua decisão.

O fetiche do secretário Feder, que é acionista de uma empresa do ramo de eletroeletrônicos e informática, que atua na fabricação, importação e comercialização de produtos do setor tecnológico e do governador Tarcísio, em torno da utilização de tecnologias informacionais, não parou na tentativa frustrada de uso de materiais didáticos digitais. Desconsiderando inúmeros estudos publicados por prestigiadas instituições de diferentes partes do mundo, incluindo, em 2023, o relatório de monitoramento global da educação A Tecnologia na Educação: uma ferramenta a serviço de quem?, da UNESCO e,  desconsiderando as legislações que restringem o uso de tecnologias nas salas de aula promulgadas em diferentes países, incluindo membros da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), instituição responsável pelo Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA), Tarcísio e Feder indicam que a Secretaria de Estado da Educação de São Paulo iria iniciar a utilização de ferramentas de Inteligência Artificial (IA) para a elaboração de materiais didáticos para serem utilizados pelos docentes paulistas. Parece que vemos o surgimento de um novo tipo de negacionismo - o negacionismo tecnológico, uma vez que, a despeito de todos os alertas quanto a utilização das tecnologias informacionais e da IA no processo educacional, parece que o secretário e o governador ainda não estão convencidos dos impactos e prejuízos incomensuráveis a que foram submetidos os(as) estudantes, professores e professoras no período do ensino remoto decorrente da pandemia da Covid-19. No último dia 21/05, a Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (ALESP) aprovou o Projeto de Lei Complementar nº 9/2024, que instituiu o Programa Escola Cívico-Militar. Aqui eu não irei me ater novamente nas diversas críticas aos modelos pedagógico e de gestão das escolas cívico-militares ou militarizadas, já apresentadas no artigo Desvendando a farsa das escolas Cívico-Militares, publicado aqui no Brasil 247; também não irei me debruçar sobre as inúmeras denúncias de crimes cometidos no âmbito destas instituições de ensino, tais como agressões físicas e verbais, assédio moral e sexual, violência sexual, racismo, misoginia e interferência na liberdade de cátedra, o que vêm sendo objeto de estudos, artigos, reportagens e denúncias judiciais. Vou me ater, porém, em alguns pontos que foram aprovados neste projeto de lei complementar que eu gostaria de chamar a atenção de vocês.Todos os custos para a manutenção do Programa Escola Cívico-Militar serão exclusivamente oriundos da Secretaria Estadual ou das Secretarias Municipais que aderirem, incluindo o pagamento dos(as) monitores, isto é, policiais militares aposentados(as). Isso significa que a mesma secretaria que paga para os professores e as professoras um salário de R$ 4.505,00 por uma jornada de trabalho de 40 horas semanais (8 horas diárias) vai pagar para um(a) soldado(a), cabo ou sargento(a) aposentado(a) o valor correspondente a 2,5 Unidades Básicas de Valor (UBV), ou em valores de maio de 2024, o equivalente a R$ 301,70 pela mesma carga horária de 8 horas diárias. Se o(a) monitor(a) for um(a) oficial(a) aposentado(a) da polícia militar, ou seja, Tenente, Capitã(o), Major ou Coronel(a), esse valor será acrescido de 50% totalizando R$ 452,55 por dia trabalhado. Para termos ideia da discrepância, se tomarmos como referência o mês de maio de 2024, um(a) professor(a) da rede estadual de São Paulo recebeu por dia útil trabalhado a quantia de R$ 195,87; o salário mensal de um(a) Praça para atuar no programa seria de R$ 6.939,10; enquanto um(a) oficial(a) receberia R$ 10.408,65, além das suas aposentadorias e outros benefícios. E isto no estado em que o governador, ao justificar os baixos salários pagos, afirmou que os(as) “docentes têm muito amor”. Se a linha de pensamento do governador estiver correta, os(as) policiais militares de São Paulo trabalham com ódio no coração?!Outro fator que chamou a minha atenção no Projeto de Lei Complementar nº 9/2024 foi a forma encontrada pelo secretário Feder para solucionar uma das grandes críticas aos programas de escolas cívico-militares, que é a comprovação da qualidade do ensino ofertado. No artigo 9º do PLC nº 9/2024 são nomeadas as instituições não elegíveis para participar do programa, ou seja, são excluídos os colégios que ofertam o ensino noturno, a educação de jovens e adultos e as escolas rurais, indígenas e/ou quilombolas. Não é coincidência que estes grupos de estudantes estejam entre aqueles(as) que historicamente apresentam as maiores dificuldades para concluir as diferentes etapas e níveis da educação formal, que apresentam maior distorção idade-série, menores índices de rendimento escolar e que obtém as piores médias nas avaliações educacionais em larga escala. Além destes grupos de estudantes, não é admitida a participação de escolas de municípios que possuam uma única instituição de ensino na área urbana. Neste caso, como as matrículas são obrigatórias em instituições de ensino públicas, não seria possível para a Secretaria de Educação segregar os estudantes de menor rendimento em outra escola. Sem qualquer pretensão de fazer futurologia, sou capaz de afirmar que as notas das escolas que aderirem ao programa cívico-militar no estado de São Paulo terão um aumento das médias nas próximas avaliações educacionais, graças ao truque do Feder.  Além do financiamento e dos critérios de seleção de estudantes destacados, chamaram a minha atenção, também, a obrigação da oferta de formação continuada aos profissionais que atuarão nas escolas cívico-militares, quando, em muitos casos, estas redes não fornecem nenhum tipo de incentivo para que os(as) docentes realizem cursos de formação em nível de graduação ou pós-graduação; chama a minha atenção a ausência de critérios para seleção dos(as) policiais militares aposentados(as) para atuar no programa; e a ausência da matriz curricular, de propostas político-pedagógica e didático-pedagógica, bem como os componentes curriculares (disciplinas/matérias) que devem ser ofertados no ensino fundamental e médio. Destaco ainda, que uma das marcas do PLC nº 9/2024 são as evasivas, ausências e omissões de dados – mesmo quando estes dados foram produzidos pela própria Secretaria da Educação do Estado de São Paulo. O texto de Lei é um compêndio de afirmações genéricas e sem amparo na realidade e a profusão de erros gramaticais e trechos que carecem de sentido lógico, demostrando que o projeto foi escrito apressadamente por alguém que pouco conhece do campo educacional e que não foi revisado antes de ser submetido para apreciação na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo.

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Após a militarização, a próxima medida do governo paulista parece ser a privatização de escolas, projeto no qual está sendo acompanhado pelos governadores do Paraná e de Minas Gerais. Além dos três governadores de oposição ao governo federal, cabe alertar que estudos sobre a viabilidade da privatização das escolas públicas tem contado, indiretamente, com a  participação da União por meio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). As poucas informações disponíveis sobre estes projetos apontam para um modelo muito semelhante ao que ocorreu na área da saúde nas décadas passadas, quando estados e municípios terceirizaram os serviços de administração, gestão e contratação de profissionais dos equipamentos públicos, como hospitais, postos de saúde, unidades de pronto atendimento, clínicas da família, dentre outros. Os resultados destas privatizações, concessões, terceirizações, parecerias público-privadas ou qualquer outro nome com que se queira batizar este modelo é do conhecimento de todos e todas: desvio de recursos públicos, corrupção, superfaturamento de insumos, sobrecarga de trabalho, atraso no pagamento dos profissionais, rebaixamento de salário, prejuízo para os cofres públicos e muito sofrimento para a população atendida. Cabe destacar que esta iniciativa não é pioneira da dupla Tarcísio-Feder e vêm sendo testada, ao menos desde meados da década passada em estados, como Goiás, e municípios, a exemplo de São Paulo. 

Finalizo, com a certeza de que estes não são os únicos, nem os últimos experimentos urdidos pelo governador Tarcísio “o moderado”, para colunistas e comentadores(as) da imprensa comercial, ou Tarcisão, como os órfãos e esperançosos da extrema direita o tem chamado, e pelo secretário Feder, neste gigantesco laboratório de políticas educacionais em que se transformou a rede pública de ensino de São Paulo.

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