"1, 2, 3, salve todos": a brincadeira ardilosa da Câmara dos Deputados
Propositalmente, a Câmara dos Deputados aprovou um texto genérico, ajurídico, para beneficiar não só Ramagem, como também o ex-presidente Bolsonaro
O “Esconde-esconde” ou “Pique-esconde” é uma brincadeira antiga das crianças, ao menos antes da era dos jogos eletrônicos e dos celulares. Quem vivenciou esta época se lembrará perfeitamente que o grito de “1,2,3, salve todos” de um jogador que ainda não tinha sido encontrado salvava os demais, no entanto, uma vez todas encontradas, ninguém se salvava mais.
E parece que os membros da Câmara dos Deputados, nesta quarta-feira, 07 de maio, saudosos talvez, tentaram reviver esta brincadeira, contudo, ardilosamente, ao aprovarem a sustação da ação penal no Supremo Tribunal Federal (STF) relacionada à tentativa de golpe de Estado, na qual está incluído o deputado Delegado Ramagem (PL-RJ). Aprovada em Plenário por 315 votos a 143 e 4 abstenções, a sustação foi promulgada na forma da Resolução 18/25.
Propositalmente, a Câmara dos Deputados aprovou um texto genérico, ajurídico, para beneficiar não só Ramagem, como também o ex-presidente Bolsonaro, assim dispondo: “Fica sustado o andamento da Ação Penal contida na Petição 12.100, em curso no Supremo Tribunal Federal, em relação a todos os crimes imputados”.
Nessa briga de foice para capitanear as atenções da mídia e criar situações aparentemente passíveis de legalidade e constitucionalidade, fica patente que o objetivo, no fundo – aqui mora o ardil de toda essa aventura – não é garantir a imunidade do parlamentar fluminense e tampouco “salvar” Bolsonaro, mas, simplesmente, recrudescer a crise entre os Poderes Legislativo e Judiciário, criando factóides e promovendo “likes”, engajamento, neste “Pique-esconde” moderno, bem mais perigoso que a brincadeira infantil de idos tempos.
Os deputados conhecem muito bem as regras, aliás, reiteradas pelo Ministro do STF, Cristiano Zanin, há alguns dias, quando, devidamente provocado, deixou claro que no caso de Ramagem, isso limitaria a suspensão apenas aos crimes de dano qualificado ao patrimônio e deterioração do patrimônio tombado, os demais crimes - associação criminosa armada, golpe de Estado e abolição do Estado democrático de direito, sabem muito bem, ocorreram antes da diplomação, como também sabem que não adianta se arvorarem a juízes togados, taxando os crimes investigados como continuados, pois esta competência é do Judiciário, e ponto.
A aberração e acinte de tentarem suspender o processo criminal como um todo, aliás, indigna qualquer estudante de direito, percorrendo os primeiros passos do direito penal e processual penal.
O STF não deixará de se pronunciar, como de costume e devidamente provocado, que o será, pela inconstitucionalidade desta suspensão, questão até sumulada pela Suprema Corte no sentido de que a "imunidade parlamentar não se estende ao corréu sem essa prerrogativa" (Súmula 245) ou a aberração de tornar essa prerrogativa extensiva ao processo como um todo, beneficiando todos os demais réus e impedindo a atividade jurisdicional para, beneficiando um, salvar os demais.
Triste, para se dizer o mínimo, é ver essa brincadeira ardilosa esgarçar cada vez mais as relações entre os Poderes de Estado, crises fabricadas em nome da subversão deliberada de conceitos e regras basilares, compreendidas de modo fácil e cristalino, inclusive por esses atores políticos, a quem parece somente interessar manter a corda esticada e o show continuando, defendendo o indefensável, nesta terraplanagem discursiva que, ao certo, não existia em tempos mais remotos e menos complexos, nos quais a verdade valia mais que a narrativa pessoal e interessada desta, como nos tempos do “Pique-esconde” e suas regras claras, só quem não tinha sido encontrado poderia gritar “1,2,3, salve todos.”
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