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Erika Kokay

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1964-2016: a tragédia e a farsa

As vias para se conduzir governantes ilegítimos ao poder podem ser diferentes, mas a lógica de ambos os golpes é exatamente a mesma: as elites se uniram para violentar a democracia, a soberania nacional, os direitos e o bem-estar do povo brasileiro

No período da ditadura militar, o Brasil conheceu uma sucessão de líderes tiranos (Foto: Erika Kokay)
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"A história se repete, a primeira vez como tragédia e a segunda como farsa", já nos dizia o filósofo alemão, Karl Marx. 1964 e 2016. Ontem, falávamos de um golpe militar perpetrado pelas botas, baionetas, tanques e fardas literais. Hoje, estamos diante de uma nova modalidade de golpe, de caráter jurídico, midiático e parlamentar, praticado pelos paletós apertados, sapatos de couro, togas, canetas e microfones.

As vias para se conduzir governantes ilegítimos ao poder podem ser diferentes, mas a lógica de ambos os golpes é exatamente a mesma: as elites se uniram para violentar a democracia, a soberania nacional, os direitos e o bem-estar do povo brasileiro.

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Em 1964, sob a alcunha de "revolução", as elites empresariais nacionais e estrangeiras uniram-se aos militares para impetrar um golpe de classe contra João Goulart, eleito democraticamente pelo voto popular. Esses setores tinham pavor de Jango realizar quaisquer mudanças estruturais na sociedade brasileira, a exemplo, das reformas de base por ele propostas no histórico discurso realizado no dia 13 de março de 64, no Rio de Janeiro, discurso esse que serviu de estopim e pretexto para a sua derrubada.

O fato é que o golpe, que nada tinha de "revolucionário", calou a democracia brasileira por duas longas e sombrias décadas e instalou o Terrorismo de Estado como política de governo.

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O Estado passou a praticar o terror sobre os corpos daqueles que eram considerados dissidentes, lançou mão da violência sem reconhecer limites, sem qualquer preocupação de ordem política, ética ou moral, na certeza de que tais atos cumpriam determinação do status quo, e, por isso mesmo, seriam solenemente naturalizados e ignorados pelo establishment.

Perseguir, prender, humilhar, torturar e matar era a lógica de enfrentar os "inimigos" do regime, os "comunistas", todos aqueles e aquelas que ousaram se levantar contra o arbítrio e o autoritarismo.

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Para quem não faz ideia do que significou esse período, apresento um dos relatos mais cortantes sobre a tortura, descrita pelo jornalista Cid Benjamin, líder estudantil e dirigente do Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR8), em seu livro de memórias intitulado "Gracias a la vida".

Cid traz reflexões brilhantes do psicanalista Hélio Pellegrino, sobre a tortura, o torturado e o torturador. Para Pellegrino, "a tortura reivindica, em sua empreitada nefanda, uma rendição do sujeito... busca, à custa do sofrimento corporal insuportável, introduzir uma cunha que leve à cisão entre o corpo e a mente".

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O autor relata que o sofrimento maior de quem é quebrado pela tortura é a "dor da alma". A dor física passa, mas a dor de não resistir e entregar informações que poderiam levar à prisão ou morte de companheiros de luta é uma dor que acompanha os torturados sobreviventes pelo resto da vida.

São inúmeras as semelhanças entre o golpe de 1964 e o de 2016. Sob o pretexto de derrotar "a corrupção", a "baderna" e o suposto avanço do "comunismo" no Brasil, a elite se uniu para golpear Jango. Chavões similares foram vistos nas ruas durante as manifestações verde e amarelas, insufladas pela grande mídia e favoráveis à derrubada de Dilma Rousseff.

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Em 1964, os militares justificaram o golpe contra Goulart como fundamental para colocar "ordem" no Brasil. Hoje, o slogan do governo ilegítimo de Temer é exatamente "Ordem e Progresso".

Ambos os golpes guardam entre si o desprezo das elites pelos valores democráticos e foram praticados em momentos cruciais da vida política nacional, quando o povo experimentava maior liberdade e avançava na conquista de direitos.

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A história brasileira - marcada por períodos traumáticos como a escravidão, o colonialismo e as ditaduras - nos mostra que a elite brasileira não tolera qualquer tipo de avanço em direitos para as classes minorizadas, qualquer tipo de ameaça aos seus privilégios.

É por isso que essa mesma elite não hesita em desestabilizar e atropelar governos democráticos e populares que decidam desenvolver de forma soberana o Brasil, ampliar direitos à sua população e aprofundar a democracia. Foi assim com Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek, João Goulart, Lula e Dilma.

Mesmo com a promessa de "ordem", a ditadura militar significou duros retrocessos às liberdades individuais e coletivas, a intervenção em sindicatos, a perseguição aos movimentos sociais e de resistência, além das políticas de arrocho salarial e concentração de renda que levaram ao aumento da desigualdade e da pobreza.
Embora a ditadura tenha colocado fim à estabilidade do emprego, ela não teve a ousadia de avançar de forma tão demolidora sobre os direitos do povo brasileiro como querem os golpistas de 2016.

A ruptura democrática expressa no impeachment sem crime de responsabilidade contra Dilma Rousseff, tem em sua gênese o desmonte do Estado e das conquistas asseguradas em nossa Constituição Cidadã de 1988.
O próprio Temer, em discurso para empresários e investidores nos EUA, deixou sua máscara cair ao afirmar que Dilma Rousseff foi arrancada do Palácio do Planalto por ter rejeitado implementar o tal programa "Ponte para o Abismo", um programa neoliberal idealizado por PMDB e PSDB, radicalmente oposto àquele vitorioso por quatro vezes consecutivas nas últimas eleições.

Se o golpe de 64 mostrou sua face mais cruel e acabada com o Ato Institucional nº 5, baixado em 1968, o qual vigorou por dez anos e permitiu que os militares tivessem plenos poderes para punir de forma arbitrária seus "oponentes, o golpe de 2016 também mostra o seu próprio AI5 ao aprovar a Emenda Constitucional (EC 95) que paralisa todos os investimentos públicos brasileiros por 20 anos, deixando o País totalmente vergado aos interesses insaciáveis do sistema financeiro e do rentismo.

Mas o "Terrorismo de Estado" do golpe de 2016 não se limita à EC 95. O golpe, para pagar a conta com os setores que o apoiaram e dão sustentação, chantageia o Congresso Nacional e faz propagandas milionárias para incutir no povo brasileiro a ideia de que seus direitos e garantias fundamentais devem ser solapados, pois essa é a única saída possível para a "crise".

Trabalhadores e trabalhadoras são os únicos convidados a pagar a conta do ajuste fiscal recessivo, e, por isso mesmo, devem abrir mão do direito à aposentadoria, aceitar a flexibilização das leis trabalhistas e se contentar em trabalhar em empregos terceirizados precários, com salários menores e jornadas maiores.

O golpe de 2016, urdido nas sombras da democracia e da República, está em curso e ainda não teve seu desfecho completo. O seu êxito depende fundamentalmente de duas coisas: aprovar no Congresso as reformas da previdência e trabalhista; e impedir qualquer possibilidade de Lula ser candidato para as eleições de 2018.

O resultado das votações da terceirização irrestrita e da PEC que permitia a cobrança de pós-graduação latu senso nas universidades públicas, demonstra que o governo terá sérias dificuldades para aprovar a PEC da reforma da previdência, que necessita de, no mínimo, 308 votos. Por isso, o PL 6787/16, que trata do desmonte da CLT e depende apenas de maioria simples, se transformou na agenda prioritária do golpismo no curto prazo para acalmar o "deus mercado", esse que quer transformar trabalhadores e trabalhadoras em coisas, a serem dadas em sacrifício.

O golpe de 2016 tem sofrido forte resistência nas ruas ao mesmo tempo em que o movimento da direita tem perdido força. Apesar do absurdo ter perdido a modéstia e de defensores da ditadura terem saído do armário, ainda temos algum fio de democracia nesse País que precisa ser urgentemente defendida.

Para evitar que o dia 17 de abril de 2016 dure longos e sombrios anos tal qual o dia 31 de março em 64, "é preciso ir contra a corrente, até não poder resistir, pois faz tempo que a gente cultiva, a mais linda roseira que há, mas eis que chega a roda-viva e carrega a roseira pra lá", assim como diz a canção.

Para que não se esqueça, para que nunca mais aconteça!

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