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Lelê Teles

Jornalista, publicitário e roteirista

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2013, o ano do desapego

Peguei uma rabanada murcha na geladeira e liguei a TV. Passava uma dessas retrospectivas. Como de hábito, um mix de notícias ruins. Parece que o ano de 2013 foi o pior de todos os tempos

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Nas varandas dos vizinhos, continuam os pisca-piscas navideños. Ainda se ouve gritos de alegria e estouro de champanhes. 

O vizinho do lado foi farrear na orla e deixou o cãozinho em desespero, joguei-lhe uma coxa de peru suja de farofa e ele se calou. 

O vento que sopra forte vindo do mar, virou o Papai Noel de cabeça para baixo. Era para dar a impressão de que o fanfarrão da Lapônia invadia a varanda do vizinho da frente, mas o vento inverteu tudo e parece que o nosso Santa salta para um suicídio.

Peguei uma rabanada murcha na geladeira e liguei a TV. Passava uma dessas retrospectivas. Como de hábito, um mix de notícias ruins. Parece que o ano de 2013 foi o pior de todos os tempos. 

É mentira. É apenas um ponto de vista, e o ponto de vista é a visão a partir de um ponto, de um lugar de fala, como diria Foucault. 

Eu falo daqui da minha varanda, observando um pedaço de mar e o pisca-pisca colorido das luzinhas chinesas. E daqui vejo outra coisa, 2013 foi um ano interessante.

O vaticano elegeu um papa argentino. Chicão, o jesuíta, fez sua entrada triunfal no Brasil. Não em suntuoso Papamóvel blindado, mas em um jipe aberto; um jumentinho. 

O pontífice já havia recusado as suntuosas regalias papais, dispensou suítes luxuosas, demitiu o bispo alemão Franz-Peter Tebartz-van Elst, que havia gasto quase 100 milhões de reais na aquisição de uma residência, e convidou 4 moradores de rua para o seu aniversário de 77 anos.

Em julho, durante a Jornada Mundial da Juventude, Chicão mandou um recado para os jovens de todo o mundo: é tempo de desapego.

Mas ele não é o primeiro e nem o único. Em total desapego vive Mujica, não o nosso Zé do Caixão, mas o presidente do Uruguai. Descrito como o "presidente mais pobre do mundo", Pepe Mujica vai ao trabalho dirigindo o seu próprio fusca (um jumentinho), mora em uma chácara modesta e doa 90% do seu salário, grana que é usada para a construção de casas populares.

Perguntado sobre o inusitado desapego, o uruguaio responde: “este dinheiro me basta, e tem que bastar porque há outros uruguaios que vivem com menos”. 

Mujica foi à posse do seu ministro da economia sem gravata, sem meias, com uma camisa mal passada e de sandálias. As sandálias da humildade.

Mais desapego?

Ricardo Darín, ator argentino, em entrevista ao programa Animales Sueltos, disse ter recusado um irrecusável papel em Hollywood. Mas com mil diabos, como?, pergunta o entrevistador estupefato com essa absurda forma de desapego. 

"Darín", insiste o entrevistador, "como recusar ter um carro incrível em Los Angeles, viver cercado de estúdios, filmar dois filmes por ano, casa em Santa Mônica, esse fim de semana é de sol em Santa Mônica... tranquilo, lancha, ski, não te interessa isso? Não trabalharias…" 

Darín o interrompe, sereno como sempre, "eu não sinto essa pulsão. Hollywood não me tira o sono, o Oscar não me tira o sono".

E conta que os produtores de Hollywood se sentiram ultrajados, como alguém poderia recusar dinheiro para fazer o que quer que seja: “é uma questão de dinheiro? Mas isso não é nenhum problema”, disseram. 

O argumento pareceu bem convincente para o apresentador que insiste com Darín: "mas você ganharia mais dinheiro".

"Pra que serve?, retrucou Darín. "Para viver melhor", respondeu o entrevistador sem hesitar. "Melhor do que eu vivo? Eu tomo dois banhos quentes por dia. A ambição pode te levar a um lugar muito obscuro, muito desolador. Eu sou o mais feliz que posso sem olhar para outro lado. (…) Tenho uma situação privilegiada, as coisas estão bárbaras, as pessoas me querem na rua, vejo sorriso, as pessoas vem e me abraçam… o que mais você quer? Pra que mais?"

Não é que Darín não goste de dinheiro, é que Tony Scott, irmão do grande Ridley Scott, queria que ele protagonizasse um traficante mexicano, essa coisificação do latino, do bandido e ele disse não. Lembrei-me de Sabotage.

Certa vez, perguntaram ao rapper Sabotage, após excelente papel no filme O Vingador, se ele pretendia fazer outros papéis no cinema, ele disse que sim desde que não fosse para ficar amarrado a um tronco levando chicotadas.

Darín lamenta que ainda há os que “não podem chegar a ver nem a compreender que há códigos além do dinheiro que, alguns, no entanto, ainda possuem”.

Mais desapego?

O cantor e escritor Eduardo, ex-facção Central, recusou um convite para ir ao badaladíssimo Programa do Jô, na Rede Globo, para falar sobre o seu livro "A guerra não declarada na visão de um favelado". 

Para o escritor, o que importa é falar para a periferia e isso ele já está fazendo dando palestras e escrevendo livros.

E por falar em rapper, GOG, o poeta da periferia, recusou um convite da Globo e da Fifa, veja você. Ele postou em sua página no Facebook: 

"A Rede Globo me mandou outro convite: Querem que eu suba ao palco na Esplanada dos Ministérios em 15 de junho de 2014, em um evento produzido em parceria com a Fifa e com transmissão para todo o planeta"; e o rapper conclui: 

"Não aceito o convite, não negocio com vocês, não me procurem mais, esqueçam o meu nome. Ah, vocês patrocinam o apartheid brasileiro. Bando de racistas! Tirem o nome de Nelson Mandela dos noticiários sujos de vocês!"

Foi ou não foi um ano interessante?

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