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Sara Goes

Sara Goes é jornalista e âncora da TV 247 e TV Atitude Popular. Nordestina antes de brasileira, mãe e militante, escreve ensaios que misturam experiência íntima e crítica social, sempre com atenção às formas de captura emocional e guerra informacional. Atua também em projetos de comunicação popular, soberania digital e formação política. Editora do site codigoaberto.net

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25 de março, liberdade, Dragão do Mar e Bolsonaro

O julgamento de Bolsonaro no dia da liberdade cearense é também a oportunidade de devolver a palavra “liberdade” ao seu verdadeiro campo

Chico da Matilde, o Dragão do Mar (Foto: Domínio público)

Poucas palavras sofreram tanto quanto "liberdade" nos últimos anos. Arrancada das mãos de quem a construiu com luta, ela foi apropriada por quem sempre a combateu. Foi gritada em atos golpistas, impressa em camisetas que pediam ditadura, usada como pretexto para sabotar vacinas, zombar dos mortos, atacar a democracia.

E é por isso que o 25 de março de 2025 carrega um simbolismo que precisa ser explicado aqui:Neste dia, o Ceará celebra sua Data Magna, quando, em 1884, se tornou o primeiro estado brasileiro a abolir oficialmente a escravidão — quatro anos antes da Lei Áurea. E será também neste dia que Jair Bolsonaro, o homem que sequestrou a palavra liberdade para justificar o autoritarismo, será julgado pelo Supremo Tribunal Federal por tentativa de golpe de Estado.

É a História cobrando coerência.

A Data Magna não é um feriado protocolar. Ela carrega o gesto de um povo. De um movimento abolicionista popular e urbano. E de um trabalhador que o Brasil inteiro deveria conhecer: Chico da Matilde, o Dragão do Mar.

Jangadeiro de profissão, livre por nascimento, tornou-se símbolo de coragem ao recusar-se a transportar pessoas escravizadas do porto de Fortaleza até os navios negreiros. Seu gesto interrompeu o tráfico humano e acelerou o processo abolicionista no Ceará. Ele não esperou leis, não implorou favores da Corte. Ele desobedeceu — por consciência.

Enquanto o Dragão do Mar travava o comércio de escravizados com um remo nas mãos, Bolsonaro tentou travar a democracia com uma minuta na gaveta e um golpe no horizonte. Enquanto um atuava em nome da vida, o outro agia contra ela.

A coincidência da data não é apenas histórica. É política. O julgamento de Bolsonaro no dia da liberdade cearense é também a oportunidade de devolver a palavra “liberdade” ao seu verdadeiro campo: o da luta coletiva, da dignidade, da recusa à tirania.

A liberdade de Bolsonaro era a liberdade para os seus — os mesmos que se dizem "cidadãos de bem" enquanto pedem tanques nas ruas. A liberdade de Chico da Matilde era para todos — especialmente para os que nunca a tiveram.

Que o Brasil reconheça essa diferença. E que o 25 de março marque, mais uma vez, a escolha pelo lado certo da História.

A liberdade não é silêncio. É coragem. Não é concessão. É conquista. E jamais será sinônimo de impunidade.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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