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Pepe Escobar

Pepe Escobar é jornalista e correspondente de várias publicações internacionais

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A águia, o urso e o dragão

"Dói tanto admitir que o centro político/econômico de um novo mundo multipolar será a Ásia – na verdade, a Eurásia", diz o jornalista Pepe Escobar em mais uma reflexão sobre a geopolítica.  [...] "Para combinar a abrangente integração em andamento da Eurásia, da qual as Novas Rotas da Seda são o símbolo gráfico, a fúria da águia, solta, não tem nada a oferecer – exceto uma guerra contra o Islã associada ao encurralamento armado do urso e do dragão"

A águia, o urso e o dragão
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Por Pepe Escobar, tradução de Olívia Ramos - Antigamente, tarde da noite, sentado ao redor da fogueira em vários acampamentos que fiz, eu costumava contar uma fábula sobre a águia, o urso e o dragão – para o deleite dos meus interlocutores árabes e persas.

Tratava-se de como, no jovem século 21, a águia, o urso e o dragão haviam tirado suas luvas (peludas) e se engajado no que se tornou a Guerra Fria 2.0.

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Conforme nos aproximamos do fim da segunda década deste século já incandescente, talvez seja frutífero atualizar a fábula. Com todo o respeito a Jean de La Fontaine, peço licença enquanto beijo o céu (do deserto) novamente.

Já se foram os dias em que um urso frustrado oferecia repetidamente cooperar com a águia e seus lacaios em uma questão premente: mísseis nucleares.

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O urso defendia repetidamente que a utilização de mísseis e radares naquele território de cegos liderando uma cega – a Europa – representava uma ameaça. A águia defendia repetidamente que era para nos proteger daqueles persas desonestos.

Por outro lado, a águia – alegando que o dragão estava levando vantagem nessa história – destruiu todos os tratados que viu pela frente e se dispôs a utilizar mísseis nucleares em determinadas partes orientais do território de cegos que lideram cegos, essencialmente tendo como alvo o urso.

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Tudo o que brilha é seda

Cerca de duas décadas após o que o urso-mor Putin definiu como "a maior catástrofe geopolítica do século 20", ele propôs uma versão light da URSS; um órgão político/econômico chamado de União Econômica Eurasiática (UEE).

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A ideia era que a UEE interagisse com a UE – a principal instituição do grupo heterogêneo reunida como um cego guiando cegos.

A águia não somente rejeitou a possível integração; ela apresentou um cenário de revolução colorida modificado para desconectar a Ucrânia da UEE.

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E bem antes disso, a águia queria criar uma Nova Rota da Seda sob seu controle total. A águia havia convenientemente esquecido que a antiga Rota da Seda ligou o dragão ao Império Romano durante séculos – sem intrusos de fora da Eurásia.

Assim, pode-se imaginar o estupor da águia quando o dragão irrompeu no palco global com suas novas Rotas da Seda – atualizando a ideia original do urso de uma área de livre comércio "de Lisboa a Vladivostok" para um corredor de conectividade múltipla, terrestre e marítimo, do leste da China à Europa Ocidental e tudo entre os dois extremos, abrangendo toda a Eurásia.

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Diante desse novo paradigma, os cegos, pois bem, permaneceram cegos por tanto tempo quanto se pode lembrar; simplesmente não conseguiam se organizar.

A águia, enquanto isso, aumentava os desafios progressivamente. Lançou o que representava, para todos os efeitos práticos, um cerco cada vez maior do dragão.

A águia fez uma série de movimentos que chegaram a incitar as nações que fazem fronteira com o Mar do Sul da China a antagonizar o dragão, enquanto reposicionavam uma série de brinquedos – submarinos nucleares, porta-aviões, caças – cada vez mais perto do território do dragão.

O tempo todo, o que o dragão viu – e continua a ver – é uma águia agredida tentando se livrar de um declínio irreversível; tentando intimidar, isolar e sabotar a ascensão irreversível do dragão de volta à sua posição original ocupada por 18 dos últimos 20 séculos; entronizado como o rei da selva.

Um vetor-chave é que os atores da Eurásia sabem que, sob as novas leis da selva, o dragão simplesmente não pode – e não será – relegado ao segundo plano. E os atores da Eurásia são espertos demais para embarcar em uma Guerra Fria 2.0 que vai prejudicar a própria Eurásia.

A reação da águia à estratégia Nova Rota da Seda do dragão levou algum tempo para passar da inação à demonização total – complementando a descrição conjunta do dragão e do urso como ameaças existenciais.

E, no entanto, apesar de todo o fogo cruzado, os atores da Eurásia não estão mais impressionados com a ideia de um império da águia armado até os dentes. Especialmente depois que o brasão da águia foi severamente danificado pelos sucessivos fracassos caçando no Afeganistão, Iraque, Líbia e Síria. Os porta-aviões Eagle que patrulham a parte leste do Mare Nostrum (Mar Mediterrâneo) não estão exatamente assustando o urso, os persas e os sírios.

Uma "reconfiguração" [das relações] entre a águia e o urso sempre foi um mito. Demorou algum tempo – e muita dificuldade financeira – para o urso perceber que não haverá nenhuma reconfiguração. E o dragão, por sua vez, só vislumbrava uma reconfiguração para o confronto aberto.

Depois de se estabelecer de maneira lenta, mas segura, como o poder militar mais avançado do planeta, com um know-how hipersônico, o urso chegou a uma conclusão surpreendente: não nos importamos mais com o que a águia diz – ou faz.

Sob o vulcão em fúria

Enquanto isso, o dragão continuava se expandindo, inexoravelmente, em todas as latitudes asiáticas, bem como na África, na América Latina e até mesmo nos pastos infestados de desemprego dos cegos atingidos pela austeridade que lideravam os cegos.

O dragão está firmemente assegurado de que, se acuado ao ponto de recorrer a uma opção nuclear, ele detém o poder de fazer explodir o enorme déficit da águia, degradar sua classificação de crédito para status de lixo e causar estragos no sistema financeiro global.

Não é de se admirar que a águia, sob uma nuvem paranoica de dissonância cognitiva, alimentando a incessante propaganda do Estado a seus súditos e lacaios, continue expelindo lava como um vulcão furioso – dispensando sanções a grande parte do planeta, entretendo sonhos molhados de mudanças de regime, lançando um embargo total de energia contra os persas, ressuscitando a "guerra ao terror", e com o objetivo de punir imediatamente qualquer jornalista, editor ou delator que revelasse suas maquinações internas.

Dói tanto admitir que o centro político/econômico de um novo mundo multipolar será a Ásia – na verdade, a Eurásia.

À medida que a águia se tornava cada vez mais ameaçadora, o urso e o dragão se aproximavam cada vez mais da parceria estratégica. Agora, tanto o urso quanto o dragão têm demasiados elos estratégicos em todo o planeta para serem intimidados pelo imenso Império de Bases de uma águia ou por coalizões periódicas dos (um tanto relutantes) dispostos.

Para combinar a abrangente integração em andamento da Eurásia, da qual as Novas Rotas da Seda são o símbolo gráfico, a fúria da águia, solta, não tem nada a oferecer – exceto uma guerra contra o Islã associada ao encurralamento armado do urso e do dragão.

Depois, temos a Pérsia – aqueles mestres jogadores de xadrez. A águia vem perseguindo os persas desde que se livrou do procônsul da águia, o xá, em 1979 – e isso depois que a águia e o pérfido Albion já haviam esmagado a democracia para colocar o xá, que fez Saddam se parecer com Gandhi, no poder em 1953.

A Águia quer todo esse petróleo e gás natural de volta – sem mencionar um novo xá como o novo gendarme do Golfo Pérsico. A diferença é que agora o urso e o dragão estão dizendo "de jeito nenhum". O que a águia deve fazer? Configurar a operação de falsa bandeira para acabar com todas as operações de falsa bandeira?

É onde estamos agora. E mais uma vez, chegamos ao fim – embora não ao final. Ainda não há moral para esta fábula repaginada. Continuamos a sofrer os golpes do destino ultrajante. Nossa única esperança é que um bando de homens ocos obcecados pela segunda vinda [de Cristo] não transformará a Guerra Fria 2.0 em Armagedom.

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