A anistia seria reset constitucional e civilizacional
"Não se trata apenas de apagar um crime, mas de corromper o sistema jurídico e simbólico do país para aceitar a transgressão como regra"
A invasão das sedes dos Três Poderes em Brasília no dia 8 de janeiro de 2023 foi um ato de barbárie antidemocrática e deve ser descrito sem eufemismos: tratou-se de uma tentativa grotesca e covarde de golpe de Estado, articulada por uma massa radicalizada, incentivada por discursos conspiratórios, pelo negacionismo eleitoral e por lideranças criminosas, interessadas em instalar uma ditadura para poderem roubar impunemente.
Os bandoleiros e vândalos, pois é isso que são, e não "manifestantes", destruíram com violência símbolos da República, depredaram o patrimônio público e ultrajaram os valores constitucionais com um ódio irracional que não pode ser atribuído a mera "insatisfação política". Foi uma ação articulada, planejada, premeditada, com financiamento e apoio logístico, que visou subverter a ordem democrática, deslegitimar o resultado das urnas e instaurar, na marra, um regime autoritário sob o pretexto de "patriotismo".
Essa tentativa de golpe foi, de fato, um ataque frontal ao Estado de Direito, à soberania do povo expressa pelo voto e à estabilidade institucional do Brasil. O Congresso Nacional, o Palácio do Planalto e o Supremo Tribunal Federal, sedes dos três pilares do sistema republicano, foram invadidos, profanados e vandalizadas por uma turba que clamava por uma "intervenção militar", ignorando deliberadamente o fato de que vivemos sob uma Constituição.
O episódio foi a consequência direta da retórica golpista, alimentada por meses, por parte de setores políticos e midiáticos que desprezam as regras do jogo democrático quando os resultados não lhes agradam.
O conluio criminoso entre fanáticos, financiadores obscuros e agentes públicos resultou nos crimes exibidos, com orgulho, pelos seus próprios praticantes em seus perfis nas redes sociais.
O que ocorreu naquele domingo não foi um protesto, nem um ato isolado de desobediência civil, mas sim uma tentativa deliberada, criminosa e articulada de golpe de Estado, protagonizada por extremistas que se recusavam a aceitar o resultado legítimo das eleições presidenciais de 2022.
A turba, alimentada por meses de desinformação coordenada, teorias conspiratórias e incentivos de figuras públicas irresponsáveis, marchou contra o próprio coração da democracia brasileira com o intuito de implodir o Estado de Direito e instaurar um regime autoritário e corrupto, à revelia da soberania popular expressa nas urnas.
Tudo foi conduzido com violência orquestrada. Obras de arte foram destruídas, documentos públicos violados, instalações depredadas e símbolos institucionais profanados. Foi uma ofensiva não apenas física, mas simbólica: o objetivo foi quebrar moralmente a espinha dorsal da República.
A ação foi articulada por grupos organizados, financiados e conectados por redes digitais e logísticas bem articuladas, o que caracteriza a prática de associação criminosa. O dano qualificado ao patrimônio público também foi evidente, com a destruição deliberada de bens culturais e históricos de valor inestimável. Além disso, as condutas também se enquadram em incitação ao crime e apologia de práticas criminosas, tendo em vista os discursos públicos e digitais que incentivaram e celebraram os atos, antes e depois do ataque.
O Supremo Tribunal Federal passou a julgar diretamente os envolvidos, dada a dimensão do crime e seu impacto institucional. Centenas de pessoas foram denunciadas e indicadas, e algumas condenadas, inclusive financiadores e articuladores políticos e empresariais que sustentaram o insidioso movimento golpista. Autoridades coniventes, como o então secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, foram afastadas e investigadas. O STF, por sua vez, firmou entendimento de que a liberdade de expressão não é escudo para a defesa de rupturas institucionais, reforçando a jurisprudência de que não há espaço na democracia para quem atenta contra ela.
O 8 de janeiro não foi um erro de cálculo, mas uma agressão consciente e planejada contra a democracia e o povo brasileiro. Foi uma tentativa covarde de instaurar o caos, que mereceu não apenas repúdio moral, mas punição exemplar. O Estado brasileiro não pode contemporizar com golpistas. A história já mostrou que a leniência diante do autoritarismo é a porta de entrada para a tirania.
A complacência diante de intentonas golpistas só abrem espaço para novos atos contra a democracia.
Após o fracassado Putsch da Cervejaria em 1923, Hitler foi julgado e condenado, mas recebeu uma pena branda e cumpriu menos de um ano de prisão, tempo em que escreveu "Mein Kampf". A leniência do sistema judicial da República de Weimar com Hitler e o Partido Nazista permitiu sua reorganização e, posteriormente, sua chegada ao poder em 1933.
Jango, ao assumir após a renúncia de Jânio Quadros em 1961, tentou governar com conciliação, mesmo diante de setores militares e civis que já conspiravam abertamente contra seu governo. Preferiu não punir militares envolvidos em insubordinações, o que contribuiu para fortalecer o campo golpista.
Salvador Allende também foi tolerante com setores militares e opositores civis. Nomeou Augusto Pinochet como comandante do Exército, acreditando que ele seria leal à Constituição. Essa confiança equivocada culminou no golpe militar de 11 de setembro de 1973, liderado por Pinochet, que o matou e implantou uma ditadura canalha e brutal que durou até 1990.
Analisando os fatos do 8 de Janeiro sob a perspectiva jurídica, podemos classificar as condutas praticadas, identificar os tipos penais aplicáveis e reafirmar, com veemência, o dever do Estado Democrático de Direito e da sociedade de reagirem, com firmeza institucional, contra atos de natureza golpista e antirrepublicana.
A conduta dos indivíduos envolvidos não pode, sob qualquer falso argumento de liberdade de expressão ou direito à manifestação, ser enquadrada como protesto legítimo. Trata-se, com todas as letras, de uma tentativa concreta de subversão da ordem constitucional e deposição do regime democrático legitimamente constituído, com emprego de violência contra as instituições.
O tipo penal introduzido pela Lei nº 14.197/2021, que revogou a antiga e vergonhosa "Lei de Segurança Nacional", tipifica claramente a tentativa de abolir, com violência ou grave ameaça, o Estado Democrático de Direito. Um tipo penal claramente identificável na conduta dos golpistas é o crime de Golpe de Estado, tipificado no Art. 359-M, do Código Penal. As provas colhidas nos inquéritos demonstraram que os envolvidos agiram com o objetivo explícito e evidente de deslegitimar o resultado das eleições de 2022 e de instaurar uma intervenção militar ou ditadura cívico-militar, em benefício próprio.
Também ficou caracterizada a Associação Criminosa, tipificada no Art. 288 do Código Penal, pois houve organização, articulação e premeditação para o crime cometido, incluindo atos preparatórios, financiamento de transporte, organização de acampamentos e forte articulação digital.
Outros tipos penais também podem ser mencionados, como o Dano Qualificado ao Patrimônio Público, previsto no Artigo 163, § único, III, do Código Penal, devido à destruição de bens públicos, inclusive obras de arte, móveis históricos e configura dano qualificado, agravado por ter sido cometido por motivo de vandalismo e contra o patrimônio da União; a Incitação ao Crime e Apologia, confirme os Artigos. 286 e 287, do Código Penal, pois houve discursos públicos e postagens nas redes sociais com o objetivo de incitar expressamente a prática dos crimes já mencionados, com apologia explícita a tais atos amplamente veiculada, antes e depois do evento; o Atentado contra o Funcionamento das Instituições Democráticas, presente no Artigo 359-N, do Código Penal, que prevê a punição de atos que, com violência ou grave ameaça, buscam impedir o funcionamento de instituições públicas. As sedes dos Três Poderes foram atacadas com o evidente objetivo de inviabilizar as suas atividades.
Além da responsabilização penal individual, impõe-se também a responsabilização civil e administrativa dos financiadores, organizadores e autoridades coniventes ou omissas, especialmente em relação à segurança pública do Distrito Federal.
A responsabilização patrimonial e reparatória também foi ser buscada, com o bloqueio de bens dos envolvidos para custear os danos ao erário e ao patrimônio cultural da União, em consonância com os princípios da responsabilidade civil objetiva do Estado e da função social da pena.
A ordem jurídica brasileira não apenas autoriza, mas impõe uma resposta rápida, firme e exemplar do Estado, no sentido de punir com o rigor da lei todos os envolvidos, autores materiais, intelectuais, financiadores e autoridades omissas.
A complacência com ações dessa natureza representa não apenas um risco imediato à democracia, mas uma autorização escancarada para que crimes contra a Constituição se tornem rotina. O Estado Democrático de Direito, conquistado com esforço e sangue ao longo da história brasileira, não pode ser negociado, relativizado ou arranhado impunemente.
Propor uma anistia aos atos criminosos do dia 8 de janeiro de 2023 é um absurdo jurídico, ético e político por diversas razões, e todas elas apontam para o risco de se normalizar a tentativa de destruição do Estado Democrático de Direito.
Do ponto de vista jurídico, a Constituição Federal de 1988 veda expressamente, no artigo 5º, inciso XLIV, a concessão de anistia a crimes inafiançáveis e imprescritíveis, como a prática de tortura, terrorismo e ações armadas contra a ordem constitucional e o Estado Democrático. Os atos de 8 de janeiro, embora não tenham sido formalmente enquadrados como terrorismo, possuem características claras que poderiam configurar tal crime, como sua motivação ideológica, a destruição em massa de patrimônio público, a tentativa de causar pânico social e a interrupção das instituições democráticas.
Propor anistia para uma tentativa de golpe é, eticamente, uma traição à memória democrática do país. É fechar os olhos para o perigo real que esses atos representaram: um ataque direto à soberania popular, à legitimidade das eleições, à normalidade democrática e às bases da República. Seria como dizer que tentar destruir a democracia não tem consequências, criando um precedente perigoso para novas tentativas de ruptura no futuro.
Do ponto de vista político e histórico, o Brasil já experimentou os efeitos nefastos da anistia seletiva. A Lei da Anistia de 1979, que visava perdoar crimes políticos durante a ditadura militar, acabou sendo usada para garantir impunidade a torturadores e agentes da repressão, o que gerou décadas de frustração, de sofrimento e de total ausência de justiça para as vítimas da ditadura. Repetir esse erro agora seria relegitimar e normalizar a impunidade como política de Estado, aprofundando a sensação de que o poder e a violência valem muito mais do que a lei.
Anistiar os criminosos golpistas é desmoralizar o próprio sistema de Justiça. Até aqui Supremo Tribunal Federal tem atuado com firmeza, julgando e condenando os responsáveis de forma técnica e baseada em provas. Conceder anistia neste momento seria um ato político de interferência na independência do Judiciário, enfraquecendo a confiança da sociedade nas instituições.
A democracia não é um pacto frouxo, onde tudo se perdoa em nome da paz,mas um sistema de valores e princípios que precisa se defender, inclusive com o uso da lei penal, quando atacada de maneira tão grave. Anistiar golpistas é abdicar da autoridade moral e jurídica que sustenta o Estado Democrático de Direito.
Conceder perdão aos responsáveis pelos atos de 8 de janeiro seria transformar a Justiça em farsa e a democracia em meta retórica vazia.
A proposta de anistia, por si só, já outro atentado direto à Constituição, à Justiça e à memória democrática do povo brasileiro. Trata-se de uma manobra depravada, demagógica e covarde, conduzida por setores da extrema direita que, incapazes de vencer pelo voto, tentaram tomar o poder pela força, estimulando e financiando uma tentativa grotesca e canhestra de golpe de Estado. A proposta de anistiar os golpistas é, antes de tudo, um escárnio contra a democracia e um insulto àqueles que acreditam no império da lei. Não há conciliação possível com quem tenta destruir as instituições da República. A Constituição Federal de 1988 é explícita: crimes contra a ordem democrática são inafiançáveis e imprescritíveis, e não podem, sob nenhuma hipótese, ser objeto de anistia. O artigo 5º, inciso XLIV, é claríssimo ao afirmar que ações armadas contra o Estado Democrático não são passíveis de perdão legal. Aqueles que, com violência e ódio, invadiram e depredaram o Palácio do Planalto, o Supremo Tribunal Federal e o Congresso Nacional, agiram com o único objetivo de subverter a ordem constitucional. Seus atos não foram manifestações, foram crimes de altíssima gravidade.
A tentativa de anistia em curso no Congresso Nacional é uma afronta à ordem jurídica. Ela tramita sob pretexto de “pacificação nacional”, quando, na verdade, representa a institucionalização da impunidade. Seus proponentes, muitos dos quais têm vínculos diretos ou indiretos com os próprios atos golpistas, querem criar um manto de esquecimento e perdão sobre algo que jamais deve ser esquecido ou perdoado. Não se pode negociar com golpistas. O Brasil precisa afirmar, com toda sua força institucional, que não se brinca com a democracia. Que ela custa caro, que foi conquistada com luta e sacrifício , e que será defendida com firmeza.
A proposta de anistia, se passar na Câmara e no Senado, precisará ainda ser enfrentada no Supremo Tribunal Federal, que tem o dever de zelar pela Constituição e pela ordem democrática. A Corte já se posicionou com clareza ao julgar e condenar vários envolvidos nos atos antidemocráticos, e não pode permitir que o Congresso jogue por terra esse esforço em nome de acordos políticos espúrios.
A sociedade civil deve se mobilizar, com todas as suas forças e dizer que o crime não compensa, que a violência não deve vencer o voto e que a intimidação não deve subjugar a soberania popular.
A democracia brasileira não pode ser negociada em nome da conveniência ou da covardia. Ela exige sempre coragem, memória e firmeza, o que, neste caso, significa punição exemplar.
O Estado Democrático de Direito não deve ignorar uma tentativa de destruí-lo. Qualquer projeto que favoreça o golpismo é uma declaração de guerra contra a democracia, pois quem anistia um golpe, autoriza o próximo.
Relevar os crimes dos bandoleiros do 8 de Janeiro é uma agressão ao Estado Democrático de Direito e uma regressão civilizatória inaceitável. Seria outro crime histórico contra o país, o povo brasileiro e a legalidade.
Esquecer os atos atrozes espetacularizados pelos seus próprios perpetradores, numa demonstração de banditismo, é jogar na lata de lixo o pacto constitucional de 1988. É cuspir no rosto da democracia brasileira. Aqueles que ousam assinar ou apoiar esse tipo de proposta devem ser tratados não como legisladores, mas sim como agentes da desordem, traidores do Estado de Direito e cúmplices de um projeto autoritário que ameaça incendiar o país.
A anistia que hoje se articula com discursos vazios de “pacificação” é, na verdade, um instrumento de blindagem da extrema direita criminosa que buscou, por meios ilegais, impedir a posse de um governo eleito pelo voto soberano do povo. É uma farsa travestida de legalidade. É um tapa na cara do Supremo Tribunal Federal, do Congresso Nacional, da Constituição, das vítimas da violência institucional, e de todos os brasileiros. Quem defende a anistia está, na prática, autorizando o próximo golpe. Está dizendo: "façam de novo, invadam de novo, destruam de novo, porque no fim, serão anistiados".
Anistiar esses criminosos seria colocar o Brasil ao lado das republiquetas de escombros, onde o poder é determinado pela intimidação, e não pelo voto. Seria legitimar a barbárie, canonizar o golpismo, e enterrar a justiça com honras de Estado. Um verdadeiro reset constitucional, em que os limites do legal e do ilegal, do certo e do errado, do civilizado e do bárbaro, seriam apagados em nome da capitulação e da cumplicidade. E seria também um suicídio civilizacional, pois o que define uma sociedade civilizada é a responsabilização exemplar daqueles que tentam destruí-la por dentro. Sem isso, o que resta é a anarquia institucional, onde a força bruta substitui o direito, e onde a democracia é uma casca vazia, sempre à mercê do próximo bando fanático armado.
Se a proposta passar nas duas casas do parlamento, o Supremo Tribunal Federal terá a obrigação moral histórica de deter essa ignomínia jurídica com a força da Constituição.
O povo brasileiro, que já resistiu a ditaduras, exílios, censuras e torturas, deve continuar a fazer o que sempre fez: lutar para que os criminosos do presente não se tornem os tiranos e genocidas do futuro.
Se o Brasil anistiar o 8 de janeiro, não estará apenas esquecendo um crime, mas estará abolindo a própria ideia de justiça, de democracia e de país. Estará se ajoelhando diante dos seus próprios algozes. E essa rendição, se consumada, não será apenas um erro. Será o suicídio da República. E contra isso, cada cidadão consciente tem o dever de se levantar.
A anistia aos golpistas do 8 de janeiro representaria um reset constitucional e civilizacional porque desmontaria, na raiz, o princípio da responsabilização que sustenta a democracia. Não se trata apenas de apagar um crime, mas de corromper o sistema jurídico e simbólico do país para aceitar a transgressão como regra. Significa declarar que a legalidade pode ser suspensa sempre que for conveniente politicamente, anulando a confiança pública nas instituições.
No plano civilizacional, a Anistia, se consumada, romperia o pacto básico de convivência social, em que o conflito é mediado pela lei e não pela violência.
Uma sociedade que perdoa quem tenta derrubar sua própria ordem se anula e expede o certificado da sua falência moral, política e institucional.
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