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Pepe Escobar

Pepe Escobar é jornalista e correspondente de várias publicações internacionais

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A arte de ser um oráculo espetacularmente equivocado

Não apenas Washington não conseguiu evitar a ascensão de um "concorrente de igual nível" na Eurásia, como também o concorrente, agora, toma a forma da parceria estratégica entre a Rússia e a China

Vista do céu estrelado sobre a antiga cidade de Jiaohe, em Turpan, na Região Autônoma de Xinjiang Uigur, no noroeste da China, em 22 de julho, 2015 (Foto: AFP/Imaginechina)
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Por Pepe Escobar, para o Asia Times

Tradução de Patricia Zimbres, para o 247

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O falecido Dr. Zbig "Grande Tabuleiro" Brzezinski, por algum tempo, distribuiu sabedoria como um oráculo da política externa dos Estados Unidos, lado a lado ao perene Henry Kissinger - que, em vastas regiões do Sul Global é visto como nada além de um criminoso de guerra.

Brzezinski nunca alcançou a mesma notoriedade. No máximo, ele reivindicou para si direitos de bravata por ter dado à URSS seu próprio Vietnã, no Afeganistão, ao facilitar a internacionalização da Jihad Inc., com todas as tenebrosas consequências que se seguiram.

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Ao longo dos anos, foi sempre divertido acompanhar as alturas a que chegava a russofobia do Dr. Zbig. Mas então, lenta mas firmemente, ele foi forçado a revisar suas grandes esperanças. E, ao final, ele deve ter ficado verdadeiramente horrorizado ao ver que seus perenes medos geopolíticos ao estilo Mackinder acabaram por se realizar - muito além de seus pesadelos mais terríveis.

Não apenas Washington não conseguiu evitar a ascensão de um "concorrente de igual nível" na Eurásia, como também o concorrente, agora, toma a forma da parceria estratégica entre a Rússia e a China.

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O Dr. Zbig não era exatamente versado em questões chinesas. Sua leitura equivocada da China pode ser encontrada em seu clássico Uma Geoestratégia para a Eurásia, publicado - onde mais? - na Foreign Affairs, em 1997:

Embora a China venha surgindo como uma potência regionalmente dominante, não é provável que, tão cedo, ela venha a se tornar uma potência global. A sabedoria convencional que diz que a China será a próxima potência global vem semeando paranoia fora da China e, ao mesmo tempo, fomentando megalomania internamente àquele país. Não é nada certo que as explosivas taxas de crescimento chinesas possam ser sustentadas ao longo das duas próximas décadas. Na verdade, um crescimento continuado de longo prazo nas taxas atuais exigiria uma rara e extremamente propícia mistura de liderança nacional, tranquilidade política, disciplina social, altos níveis de poupança interna, fluxos maciços de investimentos externos e estabilidade regional. Uma combinação prolongada desses fatores é muito pouco provável.

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O Dr. Zbig acrescentou:

Mesmo que consiga evitar uma instabilidade política grave e manter seu ritmo de crescimento econômico por um quarto de século - dois "se" bastante improváveis - a China continuaria ainda como um país relativamente pobre. Mesmo que seu PIB fosse triplicado, a China continuaria atrás da maioria dos países em termos de renda per capita, e uma parcela significativa de sua população não teria saído da pobreza. Sua posição em termos de acesso a telefones, carros, computadores, para não falar em bens de consumo, seria muito baixa.

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Ora, vejam só! Não apenas Pequim atingiu todas as metas consideradas inalcançáveis pelo Dr. Zbig, como também o governo central erradicou a pobreza em fins de 2020.

O Pequeno Timoneiro Deng Xiaoping uma vez observou: "No presente momento, somos ainda uma nação relativamente pobre. É impossível para nós cumprir muitas obrigações proletárias no nível internacional, de modo que nossa contribuição continua pequena. No entanto, assim que tivermos concluído as quatro modernizações, e a economia nacional tiver se expandido, nossa contribuição à humanidade, em especial ao Terceiro Mundo, será maior. Como um país socialista, a China sempre pertencerá ao Terceiro mundo, e jamais buscará hegemonia".

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O que Deng então descreveu como Terceiro Mundo - um termo pejorativo da era da Guerra Fria - é hoje o Sul Global. E o Sul Global, essencialmente, consiste no Movimento Não-Alinhado movido a esteróides, como no Espírito de Baudung de 1955 remixado com o Século Eurasiano.

O Guerreiro Frio Dr. Zbig obviamente não era um monge taoísta - de modo que jamais seria capaz de abandonar o Eu para ingressar no Tao, o mais secreto de todos os mistérios.

Estivesse ele vivo para testemunhar o alvorecer do Ano do Boi de Metal, ele teria notado que a China, construindo sobre as intuições de Deng, vem de fato aplicando lições práticas derivadas da cosmologia correlativa taoísta: a vida como um sistema de opostos interatuantes, engajando-se um com o outro em constante mudança e evolução, movendo-se em ciclos e circuitos de retroalimentação, sempre matematicamente difíceis de prever de forma exata.

Um guia prático de abertura e fechamento simultâneos é o enfoque dialético da nova estratégia de desenvolvimento de "dupla circulação". Ela é bastante dinâmica, baseando-se em freios e contrapesos entre o aumento do consumo interno e o comércio/investimentos externos (as Novas Rotas da Seda).

A Paz é a Guerra Eterna

Passemos agora a um outro oráculo, um autodesignado especialista naquilo que no Beltway é chamado de o "Grande Oriente Médio": Robert Kagan, co-fundador do Projeto para o Novo Século Americano (PNAC, em inglês), um neo-conservador belicista de certidão passada, metade do famoso Kaganato de Nuland - segundo a piada que corre à solta na Eurásia - lado a lado com sua mulher, a notória distribuidora de biscoitos na Praça de Maidan, Victoria "Foda-se a União Europeia" Nuland, agora prestes a voltar ao governo como parte do gabinete Biden-Harris.

Kagan voltou a pontificar - onde mais? - na Foreign Affairs, que publicou seu mais recente manifesto da superpotência. É lá que encontramos essa absoluta pérola:

O fato de os americanos se referirem às operações militares de custo relativamente baixo no Afeganistão e no Iraque como "guerras eternas" é apenas o exemplo mais recente de sua intolerância à tarefa suja e infindável de preservar uma paz geral e agir para antecipar-se a ameaças. Em ambos os casos, os americanos tinham um pé fora da porta no momento em que entraram, o que prejudicou sua capacidade de assumir o controle de situações difíceis.

Então, vamos deixar isso bem claro: as Guerras Eternas de muitos trilhões de dólares são "de custo relativamente baixo". Digam isso às multidões que hoje sofrem a Via Crucis do esfacelamento da infraestrutura e dos padrões pavorosos de saúde e educação dos Estados Unidos. Se você não apóia as Guerras Eternas - absolutamente necessárias para preservar "a ordem do mundo liberal" - você é "intolerante".  

"Preservar uma paz geral" não serve nem como piada, vindo de alguém que não faz a mínima ideia do que realmente acontece no terreno. Quanto ao que o Beltway descreve como "uma sociedade civil vibrante" no Afeganistão, eles estão na verdade falando de códigos de costumes tribais milenares, que não têm nada  a ver com algum tipo de cruzamento do engajamento "woke" com o neoconservadorismo. Além do mais, o PIB do Afeganistão - mesmo após tanta "ajuda" norte-americana - permanece ainda menor que o do Iêmen atingido por bombardeios sauditas.

O Excepcionalistão não sairá do Afeganistão. O prazo de 1º de maio foi negociado em Doha, no ano passado, para a saída de todas as tropas dos Estados Unidos/OTAN. Isso não vai acontecer.

O enredo já foi turbinado: o Deep State que manobra Joe "Boneco de Teste de Colisão" Biden não irá respeitar esse prazo final. Todos, em toda a Eurásia, que têm algum conhecimento sobre o Novo Grande Jogo turbinado a esteróides sabem por quê: uma unidade de segurança cooperativa estratégica (conhecidas como lily pads, ou vitória-régias) tem que ser preservada na intersecção entre a Ásia Central e a Ásia do Sul para que os Estados Unidos possam monitorar de perto - o que mais? - o pior pesadelo de Brzezinski: a parceria estratégica Rússia-China.

Atualmente, há tropas de 2.500 homens do Pentágono e 7.000 homens da OTAN + um monte de "empresas militares privadas" mercenárias no Afeganistão. A desculpa é que eles não podem sair porque o Talibã - que de fato controla de 52% a 70%  de todo o território tribal -  assumiria o controle.

Para entender em detalhes como toda essa triste saga começou, os céticos não-oraculares fariam bem em dar duma olhada no Volume 3 dos meus arquivos do Asia Times: Forever Wars: Afghanistan-Iraq, part 1 (2002-2004). A Parte 2 será publicada em breve. Aqui, eles irão descobrir por que as Guerras Eternas de muitos trilhões de dólares - tão essenciais à "preservação da paz" - de fato se desenvolveram no terreno, em total contraste com a narrativa oficial do império influenciada e defendida por Kagan.

Com oráculos como esses, os Estados Unidos, definitivamente, não precisam de inimigos.

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