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Washington Araújo

Mestre em Cinema, psicanalista, jornalista e conferencista, é autor de 19 livros publicados em diversos países. Professor de Comunicação, Sociologia, Geopolítica e Ética, tem mais de duas décadas de experiência na Secretaria-Geral da Mesa do Senado Federal. Especialista em IA, redes sociais e cultura global, atua na reflexão crítica sobre políticas públicas e direitos humanos. Produz o Podcast 1844 no Spotify e edita o site palavrafilmada.com.

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A barganha imperial é por nossas terras raras, todo o resto é fumaça

Brasil, dono da segunda maior reserva de terras raras do planeta, enfrenta pressões internacionais por controle de seus recursos

Presidente dos EUA, Donald Trump (Foto: Reuters)

Imagine as terras raras como o combustível primordial de um vulcão tecnológico, erupção silenciosa que molda o mundo sem ser notada, até que sua escassez ameaça congelar o progresso humano em uma era de trevas digitais.

Ontem, 24 de julho de 2025, a imprensa brasileira ecoou uma declaração que revela as engrenagens da geopolítica global em movimento. O encarregado de negócios da embaixada norte-americana em Brasília, em conversa com empresários, afirmou que a Casa Branca manifesta interesse em negociar o acesso às terras raras do Brasil, minerais críticos como lítio, nióbio e esses elementos raros.

Isso posiciona o país como peça chave em uma estratégia de diversificação de suprimentos. Essa revelação, reportada por veículos da mídia brasileira, surge em meio a tensões comerciais entre EUA e China, destacando como recursos subterrâneos se tornam moeda de troca em disputas internacionais.

No mesmo dia, Raul Jungmann, presidente do Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM), sintetizou sua reunião com o encarregado de negócios da embaixada americana em Brasília. Ele afirmou que o governo americano aceita negociar as terras raras brasileiras, mas esclareceu que esse assunto não está na pauta.

A Constituição brasileira declara enfaticamente que todos os recursos do subsolo do país são bens da União, portanto só podem ser tratados pelo governo federal brasileiro. Jungmann enfatizou a continuidade das exportações de minerais críticos para os EUA, mas sob o marco legal nacional, evitando qualquer transferência de domínio que viole a soberania.

Mas o que são, afinal, essas terras raras?

 Trata-se de um grupo de 17 elementos químicos – como lantânio, cério, neodímio e ítrio – encontrados dispersos em depósitos minerais. Eles demandam processos complexos de extração e separação.

Apesar do nome, não são escassos na crosta terrestre, mas sua concentração viável para mineração é rara, o que eleva custos e impactos ambientais.

Esses minerais servem a propósitos vitais na era contemporânea: compõem ímãs potentes para motores de veículos elétricos e turbinas eólicas, catalisadores em refinarias de petróleo, componentes em smartphones, lasers e equipamentos médicos.

Na defesa, integram sistemas de mísseis e radares, tornando-os indispensáveis para a segurança nacional.

As maiores reservas conhecidas concentram-se em poucos países. A China lidera com cerca de 44 milhões de toneladas, ou 49% do total global, seguida pelo Brasil, com 21 milhões de toneladas (23%), Vietnã, Rússia e Índia.

Ou seja, a cobiça por esses recursos naturais valiosos ficou escancarada.

O valor estimado dessas reservas mundiais ultrapassa centenas de bilhões de dólares, considerando o mercado anual que gira em torno de US$ 10 bilhões, impulsionado pela transição energética e pela demanda tecnológica.

Seu uso estratégico reside na capacidade de influenciar cadeias de suprimento globais. A China, dominante na produção (cerca de 70% do mundo), já utilizou embargos como ferramenta diplomática, como em 2010 contra o Japão, forçando nações a buscarem alternativas.

Essa dependência expõe vulnerabilidades em indústrias de alta tecnologia e defesa, transformando as terras raras em ativos de poder.

Só recentemente esses minerais viraram notícia global porque as tensões comerciais EUA-China, iniciadas na era Trump e intensificadas sob Biden, destacaram a necessidade de diversificação.

A guerra na Ucrânia e a transição para energias renováveis aceleraram o foco, com a demanda projetada para crescer 10 vezes até 2050.

Vale resgatar o episódio envolvendo o ex-presidente Donald Trump e o ucraniano Volodymyr Zelensky. Em uma reunião televisionada na Casa Branca em 28 de fevereiro de 2025, que se transformou em um bate-boca público transmitido para o mundo, Trump insistiu que todo o esforço militar empregado pelos Estados Unidos desde o início da guerra da Ucrânia contra a Rússia deveria ser pago com as terras raras da Ucrânia. A discussão, marcada por acusações mútuas, destacou a pressão americana por um acordo onde Kiev transferiria o domínio de suas reservas minerais – estimadas em bilhões – em troca de ajuda militar. 

Parte do diálogo capturado revela a tensão: Trump declarou:

 “Nós praticamente negociamos nosso acordo sobre a terra e várias outras coisas… Há muitas pessoas que querem fazer isso, e eu falei com a Rússia sobre isso. Eles não parecem ter problema com isso.” 

Zelensky não se fez de rogado e rebateu, resistindo à proposta inicial: 

“Eu não vou assinar algo que 10 gerações de ucranianos terão que pagar.” 

O encontro desmoronou em confronto, com Trump acusando Zelensky de ingratidão e de não estar em posição para negociar, levando ao cancelamento de uma coletiva conjunta e ao fracasso imediato das negociações.

Zelensky resistiu inicialmente, mas cedeu, ilustrando como recursos minerais se entrelaçam com conflitos armados.

No caso brasileiro, essa abordagem ecoa padrões imperialistas, onde potências buscam controle sobre riquezas alheias. O governo Lula, ao defender soberania, deve equilibrar atração de investimentos com proteção ambiental e benefícios nacionais.

É imperativo impedir que o subsolo se transforme em mera barganha nos jogos de poder. Afinal, em um mundo interdependente, negligenciar essas dinâmicas equivale a entregar a autonomia nas mãos de interesses estrangeiros. Enquanto não visualizarmos o planeta como um patrimônio de toda humanidade e para benefício de toda a humanidade, questões conversa tendência a se multiplicar, em bom latim, ad infinitum. 

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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