A barraca não caiu – virou centro comercial global
Trump tentou derrubar o Brasil com tarifas políticas; 134 dias depois, o país saiu maior, mais diversificado e com a dignidade absolutamente intacta.
Imagine uma barraca de feira montada com capricho, frutas brilhando, aromas de café no ar, gente passando, escolhendo, conversando — essa coreografia simples e civilizada da vida cotidiana.
Agora imagine alguém chegando chutando o pau da barraca, espalhando caixas, impondo gritos, intimidando o feirante como se a feira lhe pertencesse. Tinha tudo para dar errado, tanto na coreografia escolhida quanto no conteúdo que não parava de pé.
Foi exatamente isso que Donald Trump fez ao Brasil quando, em 9 de julho de 2025, enviou ao presidente Lula uma carta agressiva, acusatória e diplomática apenas na aparência. Afirmou, sem provas, que o Brasil promovia “ataques insidiosos contra Eleições Livres e contra os direitos fundamentais de liberdade de expressão dos americanos”, e anunciou uma tarifa de 50% sobre todos os produtos brasileiros.
Transformou comércio em arma e esperou submissão.
Errou no diagnóstico e errou no cálculo.
Publiquei ao longo dos últimos meses uma série de artigos alertando: quando tarifas se tornam instrumentos de coerção política, o mundo escorrega para um terreno perigosamente inclinado.
É que não se trata apenas de economia — trata-se de civilização. Argumentei que esse tipo de escalada tarifária não corrige desequilíbrios, apenas os amplia. E que o unilateralismo que Trump reviveu é uma forma de subversão da ordem internacional, já lamentavelmente defeituosa, mas ainda assim essencial para impedir que divergências cresçam até virar abismos.
A resposta do Brasil foi a de um país que conhece o valor de suas instituições. O governo Lula não recuou. O Supremo Tribunal Federal não alterou um milímetro do julgamento de Jair Bolsonaro e de seus cúmplices no atentado ao Estado democrático de direito. E o Itamaraty, sempre seguindo o exemplo luminoso do Barão do Rio Branco, sempre eficiente, manteve a mesa posta, mesmo enquanto o visitante chutava cadeiras.
A coordenação entre Executivo, Judiciário e diplomacia operou como sinfonia discreta, porém decisiva: firmeza política, independência constitucional e clareza estratégica. Mas que economia, a real é que Trump não podia ultrapassar uma linha vermelha chamada soberania. Simples assim.
Os danos iniciais foram reais.
Em agosto, as exportações brasileiras para os EUA despencaram 18,5%, segundo The Brazilian Report. O café sofreu seu tombo mais dramático: 53% de queda em setembro, totalizando 333 mil sacas enviadas, segundo a Exame. A carne bovina enfrentou projeção de perdas de até US$ 1 bilhão, de acordo com estimativas da Reuters. O aço viu contratos suspensos e embarques represados, conforme levantamento da Agência Brasil. E a laranja entrou em renegociação forçada, afetando margens e logística. A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil calculou perdas médias de 22% nos três primeiros meses das tarifas, afetando diretamente pequenos e médios produtores.
Mas, enquanto Trump acreditava ter encurralado o Brasil, o país saiu pela porta ao lado — aquela que ele não sabia que existia.
O México, por exemplo, ampliou suas compras de carne brasileira e tornou-se o segundo maior destino, ultrapassando os Estados Unidos, segundo a Reuters. A China absorveu mais suco de laranja e mais café; a CitrusBR relatou crescimento de 14% nas remessas de suco, enquanto o Cecafé registrou alta de 11% de vendas de café ao Sudeste Asiático. A União Europeia abriu janelas emergenciais de importação, e o Japão aumentou a demanda por cortes premium.
O Brasil transformou constrangimento em estratégia e crise em oportunidade. Você leitor lembra da velha lição dos chineses? A palavra crise serve tanto para perigo quanto para oportunidade. Seguimos essa lição à risca. E produziu seus efeitos em somente 134 dias, de 9 de julho a 20 de novembro.
Enquanto isso, crescia o desconforto entre produtores americanos, especialmente os setores dependentes de insumos brasileiros. A tarifa de 50% não apenas prejudicou o Brasil — prejudicou importadores dos próprios EUA, aflitos com aumento de custos.
A retórica política chocou-se com a realidade do mercado, que sempre cobra faturas mais altas de quem distorce suas regras. Fato.
Foi nesse contexto que, em 6 de outubro, Trump telefonou para Lula. O tom já era outro: menos imposição, mais necessidade política. Hoje, a Ordem Executiva 14.323, assinada pessoalmente por Donald Trump na Casa Branca, formalizou o gesto que ele vinha ensaiando havia semanas: a retirada da tarifa adicional que sufocava café, carne bovina, suco de laranja, banana, açaí e castanha de caju.
No texto oficial, Trump afirma que sua decisão se baseia “no andamento das negociações e nas boas relações recentes com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva”.
A justificativa contrasta com o teor beligerante da carta enviada em julho e revela o que já se percebia nos bastidores: o blefe não funcionou, o custo político interno se tornou alto e a diplomacia brasileira mostrou, novamente, que a firmeza silenciosa produz resultados duradouros.
Esse episódio revela algo que venho escrevendo há tempos: quando um país poderoso tenta usar tarifas como marreta política, o mundo desce um degrau rumo a um vale-tudo econômico global, onde a lei vira exceção e a exceção vira método. A Organização Mundial do Comércio perde autoridade, parceiros deixam de confiar, e a previsibilidade se dissolve — substituída por um ruído perigoso que corrói o comércio internacional por dentro.
O Brasil recusou essa lógica. Com instituições sólidas, diplomacia experiente e postura serena, preservou seus princípios. Não barganhou sua Constituição. Não negociou seu sistema jurídico. E não permitiu que pressão externa reescrevesse sua agenda interna.
Por isso, o episódio não termina na retirada das tarifas. Termina na transformação da metáfora inicial:
A barraca brasileira, aquela que tentaram derrubar pelo pau, não apenas permaneceu de pé: ela se expandiu. Modernizou-se. Conectou-se ao mundo. Abriu novas portas. E ergueu-se como um shopping center moderno, claro, plural e aberto a todas as nações que desejem negociar sem gritos, sem blefes e sem ameaças — apenas com respeito mútuo, regras claras e a dignidade que nenhuma tarifa consegue comprar.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

