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André Rosa

Jornalista e tradutor

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A boçalidade anti-intelectual

Muito embora a direita brasileira se finja de nova, todos nós sabemos o quão velha ela é. Os cacoetes são os mesmos de quarenta ou cinquenta anos atrás: a velha paranoia anticomunista e o desdenho para com a inteligência de Marx e de qualquer pensador que fuja ao statu quo, daí os ataques à Simone de Beauvoir

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Como é possível que se faça o julgamento da obra de um autor — e, não raro, de sua própria pessoa — sem ao menos lê-lo? Ou pior: dar aulas e escrever a respeito, passando adiante a ignorância criminosa culminante na falsificação literária e biográfica? Como tudo o que é ruim pode piorar, ainda há, na vanguarda do atraso brasileiro, aqueles que legislam a fim de censurar escritores, mesmo sem compreendê-los.

Recentemente, os conservadores brasileiros esbravejaram contra a presença de Simone de Beauvoir na última prova do ENEM.  Pelo tom das críticas boçais, acusando-a de “nazista” e “pedófila”, fica muito claro que esses sapientíssimos senhores não apenas deixaram de lê-la, como sequer a conhecem. Prova disso, o vereador Campos Filho, do DEM, que junto com outros vereadores aprovou uma moção de repúdio à filósofa, tentou depreciar a questão do exame referindo-se à autora e aos seus livros como datados de “mil trocentos e pouco” (sic). Vale lembrar, Campos Filho é religioso e ligado à Renovação Carismática Católica. O brilhante deputado não leu Beauvoir, não sabe quem ela foi ou em que século viveu, mas tudo bem. Se quanto mais velho pior, então é hora de esquecermos Aristóteles, Platão, Homero — e, é claro, Jesus Cristo e seus apóstolos.

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Muito embora a direita brasileira se finja de nova, todos nós sabemos o quão velha ela é. Os cacoetes são os mesmos de quarenta ou cinquenta anos atrás: a velha paranoia anticomunista e o desdenho para com a inteligência de Marx e de qualquer pensador que fuja ao statu quo, daí os ataques à Simone de Beauvoir. Qualquer principiante em filosofia que conheça brevemente o marxismo e as suas bases teóricas oriundas em Hegel e Epicuro sabe que o grande pensador alemão foi um profundo conhecedor da literatura e do processo histórico que conduz as sociedades. A vastíssima obra marxista trata dos mais diversos aspectos da realidade, partindo de assuntos que vão de Economia à formação socioantropológica de países latino-americanos (v. "Materiales para la historia de America Latina"). Há, entre os contrários ao ideal da esquerda, os chamados marxólogos, que são estudiosos sérios da obra marxista e que justamente por a conhecerem sabem que Marx foi absolutamente importante em sua contribuição à História. Um desses acadêmicos foi o filósofo brasileiro Djacir Menezes, um conservador, que inclusive escreveu trabalhos sobre a dialética dentro da concepção socialista.

Não é coincidência o fato de que a maioria desses detratores, sobretudo os mais jovens, não tenham lido diretamente qualquer um dos alvos, mas sim algum livro de ataque a um autor e sua obra, sem ter necessariamente qualquer compromisso com aquilo que realmente foi dito. A pista quem nos dá são eles próprios, que se espelham em um Nelson Rodrigues (um dos que diziam que Marx era uma “besta” (sic), mesmo que provavelmente jamais o tenho lido) ou em algum filósofo autointitulado. Nenhum deles apresentou uma tese provando que fulano e ciclano estavam redondamente enganados; apenas caluniam, e isso basta. São essas as raízes do movimento anti-intelectual que tem pairado sobre o Brasil.

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É lamentável que seja necessário escrever sobre o óbvio, que se deva tratar de discussões tão prosaicas em um país com mais de 64 mil homicídios por ano, um Brasil em que 92% dos crimes ficam impunes. Bertold Brecht, em um poema chamado “Aos que vão nascer”, fala sobre o absurdo que é viver em um tempo em que uma simples conversa sobre árvores chega a ser uma falta, pois implica em silenciar sobre tantos outros crimes. O bom dramaturgo alemão não mirou nessas terras tropicais quando escreveu esses versos, mas as acertou em cheio.

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