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Jean Menezes de Aguiar

Advogado, professor da pós-graduação da FGV, jornalista e músico profissional

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A bofetada de Ciro

Ciro talvez encarne o primeiro neocoronel nordestino, pertencente à nova cepa de um coronelismo turbo, jovem, digital e midiático

Ciro Gomes (Foto: REUTERS/Ueslei Marcelino)
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‘Merecimento’, coisa que muita gente alega ser credora, costuma ser, na filosofia, algo bem safado. Quando não apenas piegas. Mas alguns merecimentos até que acabam sendo razoáveis. Já outros, saborosos mesmo.

O sujeito sai de sua esfera existencial desconhecida para, buscando sensacionalismo, fazer um vídeo de Youtube e se meter na de Ciro Gomes. Logo quem. Xinga-o, do nada e espontaneamente, visando uma lacração de internet, afinal Ciro é famoso. Em retorsão imediata bruta, leva uma bofetada. Aí clama ao povo presente, buscando a praga desta modernidade brasilenha: seguidores. Choraminga que Ciro lhe bateu. Mas vai dormir com a bofetada.

Bofetadas costumam ser coisa ruim. Uma avó minha deu algumas no filho já médico e em minha mãe, já adulta. Registre-se que ninguém saiu ‘ferido’. Todos ali nordestinos, minha avó tipo Ciro Gomes. Antigamente isto era autoridade, agora querem como violência, se possível com sensacionalistas manchetes. O bom e verdadeiro conceito de autoridade empobreceu. Para os dândis, virou autoritarismo. Então tá.

Ciro talvez encarne o primeiro neocoronel nordestino, pertencente à nova cepa de um coronelismo turbo, jovem, digital e midiático, mas, diferentemente do coronelismo velhaco e ladro, é culto, rápido e bem formado. No argumento, no vôlei verbal é difícil bater Ciro. Por isso boa parte da imprensa que não se cria muito com ele, torce a cara.

Mas aí o sujeito lá, o esbofeteado, que não se sabe quem é, provoca Ciro. Para um ‘debate’. Bem, debate é dialética, coisa que com a sociedade da lacração, pouca gente consegue. Mas, vá lá. O rapaz provoca e não consegue seu intento, aí comete e consuma, classicamente, o crime de Injúria, Código Penal, artigo 140. Este delito admite a retorsão imediata, um xingamento reverso e imediato pela vítima originária. Jamais, obviamente, uma agressão física. Só que ofender um ‘coronel’, cearense, político, com couro grosso em debates e trocações verbais, à distância de um braço do ofendido, pode ser uma decisão pouco inteligente. Para o esbofeteado foi.

Agora, ele pode, se dispuser de dinheiro para tanto, contratar advogado e mover ação penal contra um Ciro. Isto se o advogado não lhe aconselhar a desistir da ideia. Correndo. Se sua intenção era causar, lacrar e fazer filminho de youtube, talvez tenha conseguido. Se era obter seus 15 segundos de ‘fama’, tudo bem. Outra dimensão seria a tal ação penal por esta bagatela esbofeteatória aí cireana. Parte da imprensa patrulhadora ‘quer’ Ciro violento. Além de a violência vender, no geral, o estigma também vende.

Há quem queira que Ciro possa ser o ‘grande prejudicado’. Talvez ele respondesse com vontade de riso: – Que medo!

É ocioso à inteligência mediana ‘precisar’ registrar que violências não se justificam blá-blá-blá. Violências são causas que deságuam no Código Penal como agressões a ‘bens jurídicos penalmente relevantes’, expressão que o jurista alemão Claus Roxin e outros exigem que só quando este bem jurídico seja verdadeiramente grave é que se dê uma norma jurídico-penal regulando para punir a situação.

A honra, por exemplo, na filosofia do alemão Peter Sloterdijk será vista, promissoramente, como ‘narcisismo social da burguesia’. Mas isto é filosofia, ainda que possa irritar formalistas, respeitosos e outros autoritários de plantão. Porém, ‘usar’ a honra como biombo altruístico continua dando ibope, principalmente entre novos conservadores deste Brasil reinventado nos últimos anos.

Assim, antes de alguém querer lacrar, causar, sensacionalizar, provocar, mas, sobretudo, consumar tecnicamente o bom e velho crime de Injúria, é razoável que analise se a reação da vítima não poderá ser ‘desmedida’. Tentar a prática com um Ciro Gomes, à distância de um braço, não é, de verdade, aconselhável. O mesmo valerá, noutro exemplo longe, para um marmanjo que faça uma ‘gracinha’ para uma menina de 10 anos de idade, ao lado de sua feroz leoa, popularmente conhecida como ‘mãe’. O gracioso correrá o risco de receber uma cadeirada na testa. E não vão adiantar politicamente corretos de plantão quererem condenar a mãe, dizendo que ela ‘exagerou’.

Para quem não é da área, vale saber que há 3 conceitos estudados cientificamente no Direito Penal, considerados pelo juiz para efeito de pena: motivo de relevante valor social ou moral; sob domínio de violenta emoção; injusta provocação da vítima. Um crime ou contravenção, bofetada, que seja, numa dessas configurações típicas dará em nada. No máximo um ai-ai-ai jurídico.

Às vezes, quem fala o que quer, não apenas ouve retorsões, pode apanhar.

PS. Pra não dizer que não falei das flores: Use EPI; beba com moderação; verifique se o elevador está no andar antes de entrar; no trânsito escolha a vida; diga não à violência.

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