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Emir Sader

Colunista do 247, Emir Sader é um dos principais sociólogos e cientistas políticos brasileiros

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A Bolívia depois da esquerda

O legado que Rodrigo Paz receberá é de uma economia desarticulada, assolada por crise e recessão

Rodrigo Paz (Foto: Reuters)

Nas primeiras eleições sem o MAS, representante da esquerda, após este governar o país por quase duas décadas, duas figuras de direita se chocaram.

Essa situação se tornou possível após um confronto fratricida entre duas figuras do mesmo MAS: o presidente Luis Arce e o presidente Evo Morales. Morales se recusou a permitir que Arce concorresse a um segundo mandato — como ele próprio havia feito — e, apesar de ter sido impedido de concorrer, justamente por já ter cumprido dois mandatos, tentou novamente.

Álvaro García Linera, vice-presidente de Evo Morales e importante intelectual latino-americano contemporâneo, propôs a Evo Morales que Arce fosse autorizado a cumprir um segundo mandato, após o mandato de Evo Morales, mas Morales recusou.

Incapaz de fazê-lo, Evo Morales — que continua sendo a figura política mais importante da Bolívia — propôs o voto nulo, tentando até mesmo organizar mobilizações para impedir que as eleições presidenciais ocorressem sem ele. Arce, que havia sido ministro da Economia de Evo Morales, desistiu de concorrer. Mas os dois se envolveram em uma controvérsia pública que enfraqueceu profundamente o MAS.

A tal ponto que, com as eleições, dois candidatos de direita garantiram as duas primeiras posições e chegaram ao segundo turno. Pela primeira vez, o MAS, um representante histórico da esquerda, foi excluído do segundo turno.

Tuto Quiroga, um líder tradicional da direita, e Rodrigo Paz, que ressuscitou a sigla do Partido Democrata Cristão para concorrer, com o slogan: Capitalismo para Todos. Na Bolívia, um país onde 80% da economia é informal, isso significa propor que pequenos empresários e autônomos tenham seus direitos reconhecidos e tenham acesso ao emprego formal.

Rodrigo Paz conquistou os votos daqueles que haviam abandonado o MAS, tanto Evo Morales quanto Luis Arce, para eleger o candidato que consideravam o mais moderado dentro da direita.

Assim, na primeira eleição sem o MAS, sem a esquerda, Rodrigo Paz venceu, duas décadas após o primeiro governo de Evo Morales. Ele assumiu um país em meio a uma crise econômica, fruto da luta entre Luis Arce e Evo Morales, visto que a economia ia bem. A Bolívia era um país que havia avançado com programas de governo antineoliberais.

Mas o legado que Rodrigo Paz receberá é de uma economia desarticulada, assolada por crise e recessão. Ele pode contar com amplo apoio popular, mas não com uma equipe capaz de lidar com a crise.

O país entra, portanto, em um período de grande incerteza. Foi poupado de um político claramente de direita, como Tuto Quiroga, mas não está claro como será o novo governo. Ele pode buscar apoio na equipe política que liderou os governos do MAS. Nesse caso, seu governo ganharia um caráter de centro-esquerda. Se ele não caminhar nessa direção, o futuro da Bolívia voltará a ser incerto, algo que não acontecia há quase duas décadas.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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