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Cesar Locatelli

Economista e mestre em economia.

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A canibalização do nosso país

Toda vez que tentamos arrumar nosso capitalismo brasileiro, com formas de soberania nacional, a união da burguesia nacional e internacional ataca e destroça o que logramos construir. E isso se repete e se repete

Paulo Guedes  (Foto: REUTERS/Adriano Machado)
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Foi com essa proposição que o professor Alysson Leandro Mascaro, jurista e filósofo do direito brasileiro, iniciou sua entrevista ao canal Resistentes. Abaixo sua fala exata.

“Eu quero aproveitar este ensejo da repetição primeiro como tragédia, depois vermos a história se anunciar como farsa, para dizer que efetivamente num plano do imediato, da imagem nós vivemos no Brasil uma espécie de simbologia continuada das tentativas de arrumação do capitalismo de soberania nacional dentro do capitalismo que toda vez que se buscam realizar estas tentativas são destroçados tanto pelo espaço interno da burguesia nacional quanto pelo espaço externo, ou seja, nós ao contrário de tantos outros países temos sempre uma marcha interrompida. Isto revela, efetivamente no início deste nosso trajeto aqui de pensamento, que é história vai se repetindo cada vez de modo pior, tragédia e farsa vão se sucedendo, portanto, em tantos eventos históricos.”

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Não se trata, no entanto, de característica tipicamente brasileira, mas de amarras que o próprio modo de produção capitalista impõe às sociedades, com o fim de evitar transformação ou sua superação. O próprio espaço ‘concedido’ às greves em geral e a última que tivemos em 14 de junho é restrito. Prossegue o professor Mascaro.

“A sociedade capitalista, via de regra, se não consegue superar o próprio modo de produção, as dinâmicas sociais estarão todas aprisionadas no próprio contexto das formas sociais do capitalismo. Basicamente o capitalismo não nos deixa estabelecer a ação política contra o próprio modo de produção, enquanto sistema social capitalista, não nos deixa estabelecer uma luta aberta. Os trabalhadores e trabalhadoras quando vão realizar uma greve, eventualmente a greve é legalizada e é legitimada, eventualmente. Tivemos uma sexta-feira (14) e os tribunais do Brasil proibiram que se impedisse a livre circulação e obrigou que trabalhadoras e trabalhadores estivessem nos postos de trabalho por tantos porcento, ou seja, praticamente esterilizou o que é uma greve.”

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Se o espaço de luta é ‘autorizado’ pelo capital, ele obviamente não comportará a possibilidade de migração para um outro sistema. Diz ele: “Via de regra, as pessoas lutam num espaço de luta que é dado pelo capital e, quando lutamos num espaço que é dado pelo capital, obviamente capital não nos dá o espaço de lutar contra a própria estrutura do capital.”

Mantido o capitalismo, sempre haverá restrições intransponíveis. As reformas têm alcance estreito. O professor exemplifica com casos vividos pelos brasileiros.

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“As formas do capitalismo são as mesmas, isto quer dizer, é possível consertar uma economia capitalista nacional dentro do capitalismo até uma certa medida. Passou dessa medida se interfere num concerto geral da reprodução social e o capital é impiedoso contra isso. Há golpe, há morte, há indução ao suicídio como foi do Vargas, João Goulart foi apeado do poder, Dilma foi apeada do poder, Lula está preso e outros mais.”

“Nós achamos, em algum momento, que a burguesia do Brasil ia dar a mão para o povo e haveria um concerto de ingresso dos pobres no mercado capitalista. As classes médias, em especial a elite, ficariam felizes quando o trabalhador pudesse viajar, compartilhar fotos na rede social, tal qual o rico também compartilha, e nós nos esquecemos que a escravidão no Brasil não se rompeu por nenhum beneplácito das elites.”

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“Nós esquecemos que, em qualquer sociedade capitalista, a classe capitalista se põe contra o povo e contra as massas. Toda vez que nós queremos imaginar uma certa concórdia, uma certa paz, ‘agora vai’, agora a burguesia vai entender, agora os industriais do Brasil vão aceitar a indução ao desenvolvimento, porque isso será bom para essas mesmas elites, agora nós vamos ter aqui uma burguesia que vai compreender que é melhor vender para a China do que vender para os Estados Unidos, qualquer coisa nesse sentido, nós não entendemos o que é a máquina do capital, essa máquina não deixa a mudança acontecer, nem deixa a exploração ser superada.”

Mascaro conclui sua observação salientado o modo como se encerram as experiências reformistas.

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“Quando houver qualquer indício de possibilidade remota de alteração destes padrões de capital, o capital esmaga tudo o que por aí está….O Estado não é neutro e não está à disposição, tanto do capitalista, quanto do pobre. O Estado é do capital, sempre. Quando um trabalhador, um movimento de trabalhadores e trabalhadoras, tomarem um Estado, este movimento ou supera o capitalismo ou supera o Estado ou será tragado pelo Estado…Nós temos formas que nos impedem de lutar. Quais são? Estado, direito, o poder militar, exército, tudo isto é aparato do capital. Jamais um exército do mundo permitirá que as massas trabalhadoras tomem o poder. Existe uma força armada para garantir esta ordem. Então quando nós nos iludimos com tudo que está organizando essa ordem, nós pensamos, agora ela nos deixa passar, nós nos esquecemos de todos os exemplos.”

Mesmo muito distante do comunismo ou mesmo do socialismo, Getúlio Vargas foi exemplarmente liquidado por estar ligeiramente à esquerda da UDN. O professor continua sua exposição.

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“Vargas é um exemplo inclusive muito ilustrativo porque é pequeno perto de mudanças estruturais. As mudanças do Vargas foram industrialização de um país, industrialização plenamente capitalista. Vargas, inclusive na década de 30, foi contra os comunistas. Graças à estrutura do governo Olga Benário foi mandada de volta para Alemanha e lá morreu. Prestes foi perseguido e tantos outros mais, mas o fato é que Vargas é, em alguma medida, um homem à esquerda de uma certa direita e isso é muito claro. O PTB estava bem à esquerda da UDN naquele tempo. Mas o fato é o seguinte: nós não aprendemos nada porque troca PRB por PT, troca UDN por tucano e DEM, ainda assim nós não entendemos que sequer o Vargas passa e, quando tentamos ser mais palatáveis ainda ao capital, agora o Obama bebe cerveja com Lula, agora o Bush come churrasco com o Lula ou qualquer coisa esse sentido, nós não aprendemos com a história, ou seja, estamos eternamente fadados a ficarmos repetindo a farsa se nós não aprendemos que é preciso romper com todas as estruturas existentes.”

O protagonismo, ou a ‘testa’ dos golpes diferem, militares em 1964 e juristas em 2016. mas no núcleo está o capital movendo suas peças.

“Ao contrário de 64, onde na testa do golpe estavam os militares, em 2016 até hoje, na testa do golpe estão os juristas. Claro! Em retaguarda, hoje, estão os militares e também em retaguarda, em 64, estavam os juristas. O STF praticamente nada falou contra o golpe de 64, praticamente nada, isso quer dizer legitimou o golpe de 64.

O fato é que nós trocamos aquele que é o guarda que realiza o câmbio do golpe. Naquele tempo foi mundo militar, nesse tempo de hoje é o mundo jurídico. Mas eu não posso dizer aqui, simplesmente o direito fez o golpe de hoje como foi em 64 o exército ou os militares que fizeram o golpe de lá. Porque se eu disser assim, nós reduzimos um movimento estrutural de golpe àquele que dá o start. àquele que é a última peça ou a primeira, não importa aqui. Mas quem faz o golpe na casca do movimento. Porque todo golpe no mundo, e toda estrutura da sociedade do mundo, ela tem uma espécie de epiderme, uma espécie de casca e tem um núcleo. Então a casca de 64 efetivamente foi militar, como a de hoje no Brasil é jurídica, mas o núcleo é sempre o mesmo. O núcleo é o capital, portanto nós não podemos dizer que uma crise, que um golpe, é o tema do meu livro, que uma crise um golpe sejam estruturados apenas pelo direito ou pelo militar. Qualquer um que lê de modo profundo, científico, objetivo, concreto, material, a realidade, o marxismo tem a melhor ferramenta inclusive histórica para pensarmos isso, qualquer um entende que qualquer mudança ou câmbio social brusco ou golpe acontece somente porque o capital moveu as peças, e na hora de mover as peças, ele pega a peça mais fácil que está na sua mão. Nos dias de hoje era a peça jurídica, em 64 era peça militar.”

A crise de 2008 ainda reverbera e impulsiona a busca eterna do capital por mais riqueza, a busca por ‘possibilidades de espoliação’, como nos explica Mascaro.

“O que acontece no Brasil é um reflexo da crise da acumulação do capitalismo mundial. Em 2008 quebra o capitalismo desse modelo neoliberal e então a única forma de tentar sair dessa crise é ou transformarmos esta realidade capitalista e fazermos com que os Estados Unidos, a Europa, todo o mundo pudesse dar melhores empregos, melhores condições sociais para os trabalhadores, mas eles não farão isso, não haverá distribuição de riqueza dentro do capitalismo, então a única forma de manter a máquina pela qual 1% das pessoas do mundo dominam a economia do mundo inteiro é fazer com que esta economia de exploração que está em crise, não consegue ter uma pujança de crescimento econômico tão grande, ela vem a fazer uma espécie de espoliação.

Muita gente interessante na teoria contemporânea gente de peso magnífico jogo aqui por exemplo o nome de David Harvey nos Estados Unidos, Naomi Klein no Canadá. Muita gente percebeu que o tempo presente do capitalismo faz com que haja uma crise, o capital não se modifica nessa crise. Ele continua neoliberal, ele continua causando desemprego, ele continua cada vez mais lucrativo para esse 1%, ele continua cada vez mais financeiro, especulativo. Vejam os bancos no Brasil que quanto mais crise mais lucro têm. Então qual é a única forma de manter essa lucratividade basicamente é a canibalizando pedaços da economia capitalista mundial que venham a fraquejar. É a ideia de que se vem um leão e só tem duas pessoas, quem correr primeiro o leão mata o outro. Então basicamente é isso, o mundo inteiro está em crise capitalista, o primeiro país que fracassar, pega aquele país como banquete, nós devoramos a riqueza desse países e a gente equilibra um pouco a crise do capitalismo central. De que jeito? A Petrobras é pegar de graça, é dada para empresas petrolíferas da Europa ou dos Estados Unidos (…) então a gente pega a Embraer e dá graça para a Boeing. Esta é uma forma de fazer com que o leão pegue o primeiro,  o mais fraco ou mais idiota que apareceu na frente e esse mais fraco mais idiota então serve que possibilidade, aí é a palavra de David Harvey, ‘possibilidades de espoliação’ dentro do sistema capitalista.”

Muito além de conformar a vida material, o modo de produção capitalista conforma nossas subjetividades. “O tipo de sociabilidade que nós temos, a ideologia que nos rege, o jeito pelo qual as pessoas se constituem em subjetividade, este é um sofrimento atroz e, ao mesmo tempo, é uma forja de seres humanos que, ainda que sofram demais, eles cabem na conta do capital do jeito capital quer…O mundo deve fazer do sofrimento luta, esta luta para transformação. Então eu convido essa multidão de pessoas do mundo, que está desempregada, mal-empregada, passando necessidade, ganhando ‘quinhentão’ e pensando que vai aposentar com o ‘milão’, e vai aposentar com quinhentos também e quinhentos não dá nem pra pagar a conta do mês, que vai morrer sem SUS, sem médico, sem remédio nada disso. Eu convido para uma luta de superação. Vão me perguntar essa luta pode ser horrível? Sim. Tão horrível quanto é viver sem lutar. Basicamente é a possibilidade de termos esperança de um dia vivermos melhor”, conclui.

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