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Jean Menezes de Aguiar

Advogado, professor da pós-graduação da FGV, jornalista e músico profissional

219 artigos

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A ciência salva

A seara da estupidez humana é previsível, repetitiva e infinita. Viu-se, por exemplo, há poucos dias, ‘autoridades’ oficiais nada descoladas do governo defendendo o nazismo, dizendo que Beatles estimulam o comunismo e o aborto, ou pregando a ignorância sexual por meio do tabu do silêncio como forma de prevenção à gravidez precoce. Realmente a estupidez é formidável

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Terraplanismo; gurus; petralhas e bolsominions; ameaça comunista; Beatles estimulando o aborto; rock estimula o satanismo; governo; ciência; como escreve o ministro da Educação: é ‘imprecionante’. ///

Certa vez perguntei, numa sala de aula de graduação, o que era ‘ciência’. Uma aluna bem-humorada e inteligente respondeu rápido: ‘ciência é aquela coisa chata que só aqueles caras chatos querem estudar’. Poético.

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  1. Acreditar. Este artigo é para as pessoas que ‘acreditam’. Aquelas que, mesmo em assuntos científicos, creem. Em qualquer coisa. Num filme de Youtube, numa notícia, num ídolo, num guru etc. O ‘crer’, no sentido de anular o próprio pensar, a crítica ou um mínimo de inteligência que desconfie de informações boas ‘demais’, simples demais é um erro primário que muita gente comete.

Na ciência, as pessoas estudam, pesquisam, criticam e se aprofundam. Não se ‘acredita’ numa fórmula, num princípio, num processo lógico ou num teorema como se acredita, por exemplo, num deus, qualquer que seja ele. As pessoas que acreditam são encharcadas de certezas inabaláveis. Criam ‘lógicas’ muito particulares – e presumivelmente falhas. E, claro, fazem defesas inflamadas de suas ‘teses’, por mais erradas que possam ser.

O ato ou sentimento de ‘acreditar’, fora da ciência, nas relações sociais em geral, é algo comum e natural. O leigo tem dificuldade de compreender que na ciência o ato de duvidar sistematicamente seja um valor, uma coisa boa e desejada. Ele acha ‘feio’ duvidar, desconfiar, não crer, fatores que na ciência são óbvios e necessários.

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  1. Argumento de autoridade. Como consequência, todo agente que acredita, adora se lambuzar em ‘argumentos de autoridade’, uma coisa totalmente imprestável para praticamente todas as ciências. Assim, são exemplos de argumentos de autoridade querer convencer o interlocutor pela titulação ou importância: – fulano é doutor; fulano é cientista ‘renomado’; fulano é o guru do presidente; fulano apareceu na TV; fulano tem livro escrito. Ou coisas ligadas à vaidade pessoal, do tipo: eu sei o que estou falando; eu posso falar disso porque tenho experiência etc. Todas essas locuções são simplesmente imprestáveis em assuntos científicos. Ainda que seus usuários façam cara de autoridade científica (…), impostem a voz para dar pompa à bobagem que falam.

Outro argumento de autoridade, travestido de metodológico, é o ‘então’, que entrou na moda com o estilo ‘nocaute’. Será o argumento de autoridade reverso. Você constrói uma fundamentada crítica, por exemplo, ao ministro da Educação atual aí, e seu interlocutor já se antecipa: – então você preferia o ministro do Lula? Nada é mais débil que uma resposta dessas. Ela verdadeiramente não ouve ou pensa a crítica, não a contextualiza, não a compara efetivamente, mas também não a responde, por meio de um fundamento minimamente válido.

  1. Citações. Neste texto, abaixo, há várias citações de pessoas historicamente importantes e tituladas. Mas elas servem para quê? Apenas para exemplificar, nada mais que isso. Ou, se se quiser, para sugerir e instigar a crítica e a inteligência de quem lê. Se houver competência e fundamento para a rejeição de qualquer dessas citações, por mais ‘importante’ que possa ser, o jogo é aberto e democrático, e a ciência jamais quererá impedir a crítica ou o dúvida. O único que não se pode é ‘acreditar’ na citação, sem crítica, sem aferição, sem questionamentos.

Também, quando se fala de ciência, não se restringe, jamais, à quadra da chamada ‘ciência dura’, Física, Química, Matemática e Biologia. Nada disso. Sociologia, Ciência Política, História com a Cliometria e tantas outras áreas, ‘outrora bastilhas do vago’, como diz o físico teórico Mario Bunge na obra Teoria e Realidade, se ‘cientificizaram’.

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1. Referências. Como o tema inicial é a crença, começa-se pelo filósofo Gaston Bachelard que ensina, espetacularmente, que ‘Não se acredita porque é simples, é simples porque se acredita’. O pensador, em sua tese de doutorado, Ensaio Sobre o Conhecimento Aproximado, 1928, mostra nessa frase magistral a inversão de valores e o equívoco, primário, que a inversão gera, comprometendo toda a demonstração de quem ‘acredita’, sem um conhecimento aprofundado. O crente, em muitos casos, não tem diante de si uma estrutura intelectiva simples, mas como ele acredita no que lhe ‘contam’ ou no que ‘soube’, ou no que lhe dá ‘prazer’ ideologicamente, ele não verifica mais nada, não se aprofunda em nada, não pesquisa nada, não precisa estudar, não se informa e não critica, apenas crê.

Exemplos práticos e mundanos dessas criaturas seriam o Petralha e o Bolsominion. Esses se relacionam simetricamente pela crença de que suas ideologias políticas são sagradas, verdadeiros dogmas que simplesmente não aceitam críticas. Tente fazer uma crítica à narrativa petista ou à bolsonarista com um desses crédulos e a briga é garantida. Episodicamente reacionários, esses que se parecem em tudo, constituindo duas faces da mesma moeda no que pertinem à crença, têm uma dificuldade mais que meramente cultural em manusear a crítica, mas efetivamente intelectiva.

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O mesmo Gaston Bachelard, agora abordando o difícil tema da ‘verdade’, ensinará que ‘Só encontramos uma solução possível para o problema da verdade quando afastamos erros cada vez mais refinados’. Por aí se vê que não existem verdades ‘simples’, interpretações ‘óbvias’, isso só é assim para quem acredita. Verdade é um ‘processo’, às vezes muito lento e difícil de ser alcançado. O argumento do ‘isto está na cara’ é das coisas mais primárias que há, e principalmente nunca válido em assuntos científicos.

De aí, então, começam-se a desenhar dois cenários possíveis para uma conversa, sobre qualquer assunto científico. O cenário de botequim e o cenário de reflexão. Na descontração do botequim ou da confortável sala de estar ‘não há’ erros ou acertos, a conversa gira em torno de opiniões – meras opiniões, e chope ou uísque.

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Mas o mesmo Bachelard, em outra obra, A Formação do Espírito Científico, 1938, ensina: ‘A ciência, por princípio, opõe-se absolutamente à opinião… Não se pode basear nada na opinião: antes de tudo, é preciso destruí-la. Ela é o primeiro obstáculo a ser superado… O espírito científico proíbe que tenhamos uma opinião sobre questões que não sabemos formular com clareza’. Alguém dirá que ciência, então, é uma coisa ‘chata’. Certamente não é para quem gosta, mas é lenta e necessariamente refletida, em 100% dos casos. O mesmo Bachelard finaliza: ‘Nada é evidente. Nada é gratuito. Tudo é construído.’ Bem, no papo de botequim, tudo é claro, óbvio, evidente e certíssimo.

O segundo cenário é o da reflexão. Ela é morosa, encharcada de voltas e dúvidas, mas ela também se critica o tempo todo e custa, muito, a permitir que se chegue a uma conclusão. Qualquer pressa, evidência ou argumento do tipo ‘isto é óbvio’ são coisas erradas e imprestáveis. O reino da reflexão não seria para pessoas ‘comuns’. A ‘formação’ do espírito científico, ensinada por Gaston Bachelard – e por qualquer metodólogo- parte da lentidão da reflexão. Pessoas cheias de certezas têm pressas, concluem rapidamente, vivem de ‘entendimentos’ já nos segundos seguintes ao que tomou conhecimento de alguma coisa. Não precisam pensar, refletir, criticar para se ‘acostumar’ a uma ideia. Gabam-se de terem ‘raciocínio rápido’ para responder imediatamente a ‘tudo’, sem reflexão, sem análise, sem maturação intelectiva. O cenário atual avesso à reflexão tem por objetivo apenas nocautear o adversário da conversa, ‘lacrar’, como fúteis do pensamento costumam se referir; enquanto que o pensamento científico tem por meta somar com o parceiro de reflexão. Vê-se que ambos os cenários são bem opostos. Agora é só escolher o que lhe dá ‘prazer’.

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Com os 2 ‘cenários’ acima, há 4 possibilidades intersubjetivas. 1) o crente querer convencer um crente; 2) o crente querer convencer um reflexivo; 3) um reflexivo querer convencer um reflexivo; e 4) um reflexivo querer convencer um crente. A conversa será mais ou menos lenta, berrada, aguerrida ou demonstrada de acordo com os atores envolvidos. Nos casos 1) e 2) haverá baixa reflexão e grande tentativa por ‘convencimento’. Na hipótese 3) haverá somente reflexões e grande dificuldade com ‘convencimento’, até porque o intuito não é o de converter ninguém, mas compreender. Na hipótese 4) talvez a conversa cesse no nascedouro, ao primeiro sinal, para o reflexivo, de que seu interlocutor crente não consegue pensar crítica ou pausadamente.

‘Convencer’ alguém minimamente escolarizado e crítico requer coerência e demonstração, pautas sabidamente racionais que, quem não pensa objetivamente, ou seja, sem os encharcamentos de subjetivismos e opiniões- terá imensa dificuldade.

1. Ignorância. No lado oposto do estudo da inteligência e do saber está a ignorância, tema memorável para inúmeros filósofos, principalmente quando a ignorância usa roupas e automóveis caros. Sobre ela há infinitas passagens na ciência e na filosofia. Charles Darwin, citado pelo biólogo Sandro de Souza no livro A Goleada de Darwin, 2009, já disparava: ‘A ignorância alimenta a confiança mais frequentemente do que o conhecimento: são aqueles que sabem pouco, e não aqueles que sabem muito, os que tão confiantemente assumem que esse ou aquele problema nunca será resolvido pela ciência.’ Aí já se veem alguns traços da ignorância. Em primeiro lugar, o pouco saber, sempre ele; em segundo, uma hiperconfiança pessoal automática, o ignorante costuma ser vaidoso e ‘seguro’; em terceiro, a ‘certeza’, própria do ser ignorante, sim, ignorantes têm uma grande mala cheia de ‘certezas’. Percebe-se que o mero ato de conversa corriqueira com uma pessoa dessas pode ser um esforço hercúleo; ela ‘sabe’ tudo, opina sobre tudo, tem certezas sobre tudo, não precisa de tempo para refletir, meditar, sopesar, nada.

Sociologicamente, quando as certezas ‘ignorantes’ são difundidas e se chega a um momento político como este presente de 2019/20 no Brasil, em que bolsões gigantescos de pessoas absolutamente nada estudiosas nutrem certezas fixíssimas, sobre praticamente tudo, vem a época da polarização e com ela, a reboque, o ódio e o preconceito. Nunca se odiou tanto, nunca se ofendeu tanto quanto atualmente nas redes sociais. O filósofo Paul Feyerabend, no livro Adeus à Razão, 1987, reclamando da civilização ocidental que valoriza muito mais a ‘eficiência’ a ponto de reduzir objeções éticas à ingenuidade, menciona que ‘há muita semelhança entre a civilização e o espírito de Auschwitz’. Queira isso dizer o que quiser, o certo é que nenhuma crítica como esta poderia sequer ser feita. E ela cabe. Nada, a não ser a boçalidade da raça superior- poderia ligar qualquer sociedade a um espírito de campo de concentração. E a crítica se mantém.

Sobre esse objeto de investigação que é o próprio ser humano, Alexandre Koyré, na obra Estudos de História do Pensamento Científico, 1973, ensina o paradoxo que há: ‘O homem não é naturalmente animado do desejo de compreender’. Logo o homem, o único animal dotado de compreensão, não se dedica fundamentalmente ao ato de compreender. E no sentido oposto, mas agudizando a análise está Horkheimer, no livro Dialética do Esclarecimento, 1944, em crítica aberta aos judeus quando na era hitlerista menosprezaram a chance de Hitler chegar ao poder com ‘juízos bem informados e perspicazes’ que começavam com as palavras ‘Afinal de contas, disso eu entendo’, um historicamente confirmado fúnebre argumento de autoridade.

Vê-se aí, ao mesmo tempo um fastio futilizado à compreensão, como se ela não fosse necessária, e, paradoxalmente, uma arrogância, então aporética, em deter conhecimento. A falta de consciência crítica por um lado, e a falta de uma ética da parcimônia por outro, fabricam a mais pura arrogância, impedindo a compreensão e projetando seu usuário em certezas ferozes, e desastrosas. Não sem razão, Nicolau de Cusa, citado por Koyré, na obra Do Mundo Fechado ao Universo Infinito, 1957, já afirmava que ‘o intelecto é o único agente capaz de praticar a douta ignorância’.

1. Ciência. Há um afã por se apropriar do termo ‘científico’ para defesa de ideias. O leigo já ouviu falar que ‘se é científico, é certo’. Este enviesamento tosco orna a cabeça de pessoas errantes que apõem o ‘científico’ em tudo, produtos, atividades, referências, ideias e conhecimentos em geral. Certamente enganam outros tolos. Vive-se a guerra de não se saber o que é ciência e ao mesmo tempo almejar a sua grife. Continuo, pacientemente, a pedir, há décadas, em salas de aula de pós-graduação, um único conceito, que seja, de ‘ciência’. As respostas veem autoritárias e desalentadoras. Uma aluna de graduação de décimo período me advertiu, certa vez, carinhosamente: ‘professor, o único que fala em ‘ciência’ aqui na faculdade é você!’. Ela queria dizer, pare com isso! Rapidamente percebi a tragédia na formação de toda aquela massa de estudantes da atualidade. Como diria Carl Sagan, analfabeta cientificamente.

Certamente por isso a disciplina Metodologia e Técnica de Pesquisa, nos cursos de pós-graduação, que deveria ser adorada, por buscar a ensinar o alunato a pensar cientificamente se tornou uma mentira. Pegam qualquer um para ensinar, e estes se atêm a norminhas da ABNT, também porque não conhecem Filosofia da Ciência, Metodologia Científica, Lógica e outras ferramentas para passar a maravilha que é a Ciência, e se dá o fingimento de que se ensinou. E o alunato, não por culpa sua, destila ódio pela disciplina, quando deveria se encantar com ela, o caminho mais direto para ele se habilitar como cientista.

Mas retornemos à ciência. O nosso crédulo, aquele que ‘sabe’ que as coisas são sempre ‘simples’, claras e óbvias, porque acredita, pega uma ‘teoria’ estapafúrdia qualquer para chamar de sua. Fácil assim. Não interessa se ela é contrária a todo um lento e seguro desenvolvimento científico de décadas ou séculos, em toda a comunidade científica. Para ele, basta conseguir meia dúzia de cientistas-gurus. É o que lhe basta. Thomas S. Kuhn, no mais famoso livro contemporâneo sobre como a ciência se transforma ou evolui, cunhando o conceito de ‘paradigma’, A Estrutura das Revoluções Científicas, 1962, ensina que ‘Para ser aceita como paradigma, uma teoria deve parecer melhor que suas competidoras, mas não precisa (e de fato isso nunca acontece) explicar todos os fatos com os quais pode ser confrontada’.

Nas questões atuais – pelo menos as científicas-, defendidas expressa ou nem mais tanto disfarçadamente pelo governo brasileiro deste 2019/20, do terraplanismo (Física), da inexistência de aquecimento global (Física), e da ameaça comunista (Ciência Política), em que crédulos automáticos do governo conseguiram encontrar a tal meia dúzia de cientistas-gurus para ratificar suas ‘certezas’, há, nas primeiras duas questões, contra os tais gurus ideológicos desta ‘ciência’, nada menos que milhares de cientistas seniores. Sim, milhares. Por exemplo, o Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática reúne espetaculares 3.000 cientistas apontados pelas Nações Unidas por meio de agências de ciências do mundo todo para o estudo da Mudança Climática. Além disso são centenas de universidades e agências de ciência e pesquisa pelo mundo todo dizendo metodologicamente o contrário dessas sandices ou asneiras. Se este elemento ‘quantitativo’ maciço – de milhares de cientistas-, e naturalmente metaideológico, não é ‘suficiente’ para, pelo menos, gerar alguma ‘desconfiança’ de que a meia dúzia de cientistas-gurus pode ser uma fraude ou uma estapafurdice, então que se perquira a qualidade da formação do paradigma, com Thomas Kuhn: seriam estas ‘teorias’ melhores que suas ‘competidoras’? Chegam elas a sugerir, sequer, possam ser consideradas paradigmáticas?

A resposta, segundo historiadores da ciência e metodólogos não poderá deixar de ser um retumbante ‘não’. Não há qualquer indicativo de que as tais ‘teorias’ de terraplanismo ou inexistência de aquecimento global resistam, por exemplo, ao princípio epistemológico da Navalha de Occam, ou ao conceito de ‘paradigma’ de Kuhn. Por terceiro, não há método científico minimamente referendado para essas questões que sustente precisamente o ‘ineditismo’ – considerada a massiva evolução científica a que já se chegou na atualidade- a que pretendem.

Um dos grandes entraves nessas ‘discussões’, percebe-se, é o que Kuhn anota em seu livro, quando se refere a um grupo de estudiosos (Alexandre Koyré, Émile Meyerson, Hélène Metzger e Anneliese Maier) que mostrou àquele físico teórico ‘o que era pensar cientificamente’. Como as pessoas não são educadas em ciência, não pensam cientificamente, têm predileções por atalhos, facilidades, gostos, crenças, mas também fofocas e pseudociência.

Ainda no item ‘ciência’, é importante o que outro físico teórico, Mario Bunge, na obra Teoria e Realidade, 1974, sintetiza sobre as teorias fatuais. Ele arrola 5 grupos de sintomas de verdade – sintático, semântico, epistemológico, metodológico e filosófico, cada um dando origem a critérios que ele chamará ‘critérios de contraste’, num total de 20, que são: correção sintática, sistematicidade ou unidade conceitual, exatidão linguística, interpretabilidade empírica, representatividade, simplicidade semântica, coerência externa, poder explanatório, poder de previsão, profundidade, extensibilidade ou possibilidade de expansão para novos domínios, fertilidade, originalidade, escrutabilidade, refutabilidade, confirmabilidade, simplicidade metodológica, nível de parcimônia, justeza metacientífica e compatibilidade de cosmovisão.

Na sempre saborosa conversa de botequim, nada disso ‘entra’. Mas quando se quer falar ‘mais’ a sério, algum rigor, ainda que toda essa tralha teórica não se faça presente, costuma orientar o debate. Por aí se percebe que uma ‘teoria’ para se firmar como tal, não basta alguém ‘querê-la’ como sua; não basta ter conseguido meia dúzia de cientistas-gurus para contrariar todo o universo da ciência, ancorado em alguma ideologia partidária ou religiosa de plantão, para que visões científicas, evoluções e teorias cosmológicas, por exemplo, caiam por terra.

O biólogo Ernst Mayr, na longa série de livros sobre a Evolução (Isto é Biologia, 1997, O que É a Evolução, 2001; Biologia Ciência Única, 2004; Uma Ampla discussão, 2006 etc.) mostra que ‘130 anos de refutações infelizes resultaram num imenso aumento de poder do Darwinismo’ e que a teoria fundamental da Evolução, por todas as confirmações dos biólogos ao longo das tantas décadas, deixa de ser uma ‘teoria’ e passa a ser considerada um ‘fato’ por qualquer biólogo sério da atualidade.

1. Conclusões. Neste texto, decididamente nada científico, quero apenas instigar questionamentos, sugerir pistas para, quem sabe, ‘algum’ senso crítico e ‘respeito’ (…) pela ciência possa vir a ocupar as mentes das pessoas sem formação na área. Não basta, numa conversa coloquial, alguém sacar, do nada, que isso ou aquilo ‘é científico’; que o professor fulano de tal, cientista ‘renomado’, ‘garante’ que isso seja assim ou assado; que um filminho de Youtube demonstra ‘cabalmente’ que uma [isoladíssima] teoria contesta [toda] a ciência de uma determinada área. Essas afirmações ou situações são metodologicamente famélicas e têm nome próprio na ciência e na filosofia: ‘argumento de autoridade’. Carl Sagan, até sua precoce morte, dizia que apenas um presidente norteamericano não era analfabeto cientificamente, Thomas Jefferson. Não chegou a conhecer Barack Obama, claro. Ser cientificamente alfabetizado poderia ser compreendido como tendo sido educado com a pesquisa, o questionamento, a crítica, a investigação sistemática e o método. Nada disso foi e continua não sendo a prática ou o cotidiano de toda uma sociedade como a brasileira que alimenta tristes bolsões gigantescos de neofundamentalistas religiosos, em anacronismo e desconfiança tacanha para com a ciência, marcas de atraso de qualquer povo que assim se apresenta. Atualmente já se vê um exército ideológico de crentes eleitorais em modelos tenebrosos de pseudociência difundida na internet. Mario Bunge ensina que a pseudociência ‘serve a um propósito proveitoso para seus empresários e até ocasionalmente para as suas vítimas’, pessoas sem a menor possibilidade de ‘distinguir sistemas não-científicos de científicos’ e manejar critérios de avaliação que podem ‘eliminar teorias pseudocientíficas’.

A conversa de botequim é orgiástica, saborosa e sempre um espetáculo de ser vivida entre queridos amigos de [muitos e bons] copos. O problema começa quando as pessoas batem na mesa querendo impor suas ideias, ideologias, ídolos, ‘teses’ e falas, sempre com o bom e velho ‘carimbo’ da ciência.

A seara da estupidez humana é previsível, repetitiva e infinita. Viu-se, por exemplo, há poucos dias, ‘autoridades’ oficiais nada descoladas do governo defendendo o nazismo, dizendo que Beatles estimulam o comunismo e o aborto, ou pregando a ignorância sexual por meio do tabu do silêncio como forma de prevenção à gravidez precoce. Realmente a estupidez é formidável.

Fica claro, que não é o Jeca Tatu silvícola que comete barbarismos ‘imprecionantes’, como escreve o ministro da Educação. É gente bem vestida dos ‘palácios’, essa ideia cafona e típica de países provincianos.

A Ciência salva.

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