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Pedro Maciel

Advogado, sócio da Maciel Neto Advocacia, autor de “Reflexões sobre o estudo do Direito”, Ed. Komedi, 2007

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A constituição de 1988 e a distribuição da carga tributária

Ora, se toda atuação estatal tem como escopo final o bem estar social, evidente que o Brasil clama por uma reforma tributária, mas não para que ela seja utilizada como arma para alterar estruturas do governo, através de propostas e soluções que em nada alterarão a realidade da população

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O debate em torno da distribuição da carga tributária esteve presente em nos anos 80 e ganhou significativo impulso a partir da Constituição de 1988, quando a União, ao procurar conter a perda potencial de recursos disponíveis, passou a adotar novos procedimentos tributários com o objetivo de cortar gastos e ampliar a receita, desencadeando assim um intenso processo de revisão das relações entre as diversas esferas de governo, noutras palavras, buscou-se qualificar as gastos públicos e dotá-lo de alinhamento com os objetivos da nação, objetivos esses previstos na “Constituição Cidadã” em seu artigo 3º.

Nesse contexto merece atenção o que o Professor do IE da UNICAMP chamou de luta dos Estados por autonomia e por uma melhor distribuição da receita tributária, o que foi dramático, e ainda é em certa medida, pois o tratamento dado aos problemas da crise pós-88 até o final do governo FHC significou paradoxalmente um incremento à crise financeira das unidades da federação e a posição plenipotenciária da União, apesar de a Constituição de 1988 haver determinado ser um dos objetivos da república o desenvolvimento nacional e a erradicação da pobreza, da marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais. 

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Fato é que a heterogeneidade da federação brasileira, residindo ai nossa riqueza, não permite tratar os Estados como iguais, requerendo que seja reconhecida a especificidade de cada unidade. O reconhecimento dessas diferenças, no entanto, não impediu o trabalho de dar atenção ao que há de comum na evolução das finanças estaduais e de destacar as mudanças na trajetória das relações intergovernamentais. 

Após década e meia de um ciclo virtuoso o país vive uma crise econômica, que se não é brasileira e sim mundial, e exige mais que discursos e medidas sem nenhuma relevância ou eficácia (como a redução de ministérios). O momento ordena que a sociedade civil retome o seu “manual de instrução”, que é a constituição da republica e não os manuais das agências de classificação de risco de crédito (credit rating agency) e exija dos Poderes competentes que a reforma tributária ocorra de fato, e de forma a desonerar os salários, o consumo e a produção, sem perder de vista a luta dos Estados por autonomia e por uma melhor distribuição da receita tributária

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Os assalariados e o setor produtivo estão, faz gerações, financiando a irresponsabilidade fiscal de vários governos desde o inicio dos tempos no Brasil.

Durante a campanha eleitoral o tema voltou à ribalta mais uma vez, e todos os candidatos prometeram realizar a reforma tributária de forma mais profunda, outros lembraram apenas uma ou outra proposta relacionada ao tema, sem clareza.

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É verdade que o governo federal deu um grande passo com a sanção da lei que ampliou ainda em 2014 as regras do Simples Nacional, essa mudança representou um passo importante para a reforma tributária no país, mas ficou apenas nisso, infelizmente.

Penso que o grande problema não é exatamente a relação carga tributária x PIB, pois, 35% não é especialmente alto. O grande problema é que não é perceptível ao contribuinte a contrapartida necessária e devida pelo Estado, especialmente a classe média, evidentemente me refiro a serviços públicos de qualidade.

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O Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT) escreveu, num estudo sobre carga tributária / PIB x IDH, e comparou a qualidade dos serviços oferecidos à população nos 30 países com os mais altos impostos no mundo. O trabalho mostra que o Brasil está em último lugar, isso mesmo, ultimo lugar! Nossos serviços públicos estão muito aquém dos oferecidos pelos países do Primeiro Mundo, claro, mas atrás, também, dos de Uruguai e Argentina, por exemplo, o que é injustificável. Por isso creio que a grande questão a ser posta não é apenas a necessária diminuição de carga tributária para os assalariados e para o setor produtivo, mas há gestão dos recursos públicos, a qualidade do gasto público.  

Além da precariedade dos serviços ofertados à população que paga impostos, há outro problema. O sistema tributário brasileiro é profundamente injusto. Onera proporcionalmente muito mais os pobres do que os ricos – ao contrário do que acontece nos países desenvolvidos. O Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostra que os 10% mais pobres da população comprometem 32% de sua renda com o pagamento de tributos. Já para os 10% mais ricos, o peso dos tributos é de 21%, há evidente desequilíbrio.

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Onde está a reforma tributária necessária? 

Uma reforma tributária deve, urgentemente, desonerar salários, o consumo, o comércio e a indústria (o setor produtivo) e tributar com rigor o patrimônio e a renda do capital. Os números falam por si. O estudo citado mostra que, em 2011, no Brasil, 55,74% das receitas de tributos vieram do consumo e 15,64% da renda do trabalho em 2011. Ou seja, as duas fontes somaram 71,38%. Nos países da União Europeia esse percentual equivalia a apenas 33%. A maior parte da arrecadação vinha do arrecadado sobre patrimônio e renda do capital. Essa é a necessária e justa reforma tributária.

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A grande incidência de impostos sobre o consumo, embutidos nos preços dos bens e dos serviços faz com que, ao usufruí-los, pobres e ricos paguem igualmente. E as alíquotas de imposto sobre os salários são absurdamente injustas.

Uma reforma tributária justa ampliaria a tributação sobre o patrimônio e a renda do capital e desoneraria o consumo e a renda do trabalho, proporcionando a manutenção e inercial aumento do consumo.

Além disso, para que haja um mínimo de justiça, as alíquotas para pagamento do Imposto de Renda devem ser revistas. Hoje, a faixa de isenção é ridícula, pois trata-se de valor menor do que seria o salário mínimo calculado pelo Dieese.

E quem ganha acima de 4 mil reais já está na alíquota máxima, ou seja, submete-se à alíquota de 27,5%, o mesmo percentual de quem ganha, por exemplo, 10, 20, 30, 40, 50 mil ou mais.

Além disso, há outras medidas que ajudariam a maior justiça social. Por exemplo, o Imposto sobre Grandes Fortunas, previsto no artigo 153/VII da Constituição, e descumprido. Como ele precisa ser regulamentado por lei complementar, desde a promulgação da Constituição está congelado no Congresso. E não se fala no assunto. É uma situação inaceitável.

Existem, ainda, tantas outras situações pitorescas. Quem tem um carro, mesmo que seja um velho fusquinha, paga Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA); já quem é proprietário de veículos de luxo, como iates, lanchas, jatos particulares ou helicópteros está isento do IPVA. Isso é justiça tributária?

Inegável que a arrecadação tributária é uma das formas que o Estado dispõe para arrecadação de receitas, mas a própria consagração do regime democrático exige que essas receitas sejam utilizadas para finalidades públicas, isto é, em prol da coletividade.

Necessário que o discurso da reforma tributária abandone soluções imediatistas e sem qualquer possibilidade de alterar significativamente a realidade tributária brasileira, para que possamos então retomar a própria essência da finalidade pela qual o Estado interfere no patrimônio do cidadão e dele retira parcela expressiva.

Ora, se toda atuação estatal tem como escopo final o bem estar social, evidente que o Brasil clama por uma reforma tributária, mas não para que ela seja utilizada como arma para alterar estruturas do governo, através de propostas e soluções que em nada alterarão a realidade da população.

É necessário que se busque uma reforma tributária voltada para a igualdade entre os cidadãos, esta entendida como a exigência de cada qual a prestação que realmente – e de forma justa – possa contribuir. O Estado, por sua vez, como ente arrecadador, deverá efetuar sua contraprestação: proporcionar serviços públicos de qualidade, os quais permitam e estruturem o desenvolvimento da população de maneira a garantir a formação de verdadeiros cidadãos, plenos em sua dignidade humana.

Pedro Benedito Maciel Neto, advogado, sócio da MACIEL NETO ADVOCACIA, autor de “Reflexões sobre o estudo do Direito”, ed. Komdi, 2007 e especialista em Planejamento Tributário – PUC-SP

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