A cultura é direito, base da democracia e da soberania
O Plano Nacional de Cultura planeja o Brasil que existe no imaginário e na vida dos brasileiros para o Sistema Nacional de Cultura executar
O Brasil, com sua força histórica, ergue e sustenta sua identidade no corpo vivo da cultura. Enfrenta profundas transformações sociais e tecnológicas da era moderna com reafirmação da cultura como direito, base estrutural da democracia, da diversidade e da coesão social.
Cultura que pulsa nos quilombos, aldeias, favelas, periferias, sertões, carnavais, literaturas, danças, melodias, cinemas, teatros, terreiros, e bibliotecas. Essa potência criadora não é ornamento. É fundamento. Com base nesse entendimento, o governo Lula assinou o decreto instituindo o Plano Nacional de Cultura (PNC), para os próximos dez anos. Não se trata apenas de uma política pública, mas uma política de Estado para um projeto de país.
Construído com ampla escuta pública, de forma coletiva, solidária e democrática, o PNC contou com contribuições de cerca de 600 agentes territoriais, representantes dos comitês de cultura de todo o Brasil, integrantes do Programa Nacional dos Comitês de Cultura (PNCC). É composto por oito princípios e 21 diretrizes: gestão e participação social; fomento à cultura; patrimônio e memória; formação; infraestrutura, equipamentos e espaços culturais; economia criativa, economia solidária, trabalho, emprego, renda e proteção social; cultura, bem-viver e ação climática; e cultura digital e direitos digitais.
O PNC teve início ainda na 4ª Conferência Nacional de Cultura, em 2024. Naquele mesmo ano, fui relator do projeto de lei que instituiu o Sistema Nacional de Cultura (SNC), um sonho acalentado, por muito tempo, pelo movimento cultural de todo o Brasil que foi realizado.
O SNC responde aos desafios de promover a gestão articulada e compartilhada entre Estado e sociedade com a integração pactuada e planejada entre União, Estados e municípios, a fim de garantir a participação da população nas decisões, na produção e na fruição cultural. O SNC e o PNC se complementam. Ao instituir o PNC como política de Estado, o Brasil colocou na lei a cultura como direito constitucional, tão estratégica quanto a educação e a saúde.
Sem cultura não há democracia, porque ela é quem guarda a memória, oferece linguagem ao sofrimento e à alegria coletivos, rejunta identidades fragmentadas e costura o campo simbólico para que a nação se reconheça. Democracia não se limita ao voto, exige imaginação social, repertório, pluralidade de narrativas, ou seja, tudo aquilo que a cultura produz.
Os dados confirmam a potência transformadora da cultura e a geração da riqueza. A economia da cultura e da criatividade cresce no mundo a taxas superiores às da indústria tradicional, movimentando globalmente, segundo a UNESCO, US$ 2,25 trilhões por ano. Segundo o relatório, os trabalhos do setor criativo correspondem a 3,39% do PIB global e 3,55% do emprego total.
Pesquisa do IBGE apurou que o setor cultural movimenta mais de 3% do PIB brasileiro, empregando formal e informalmente cerca de 5 milhões de trabalhadores. Em 2025, a participação do setor no PIB chegou a 3,6%, totalizando cerca de R$ 400 bilhões. Em 2023, a captação pela Lei de Incentivo à Cultura totalizou R$ 2,2 bilhões. O ano de 2024 registrou um recorde histórico anual de mais de R$ 3 bilhões em doações e patrocínios. Em 2025, outro recorde. No primeiro semestre, a captação já havia superado R$ 765,9 milhões, um crescimento de R$ 37,81 milhões a mais que o mesmo período de 2024. Cada real investido em cultura devolve múltiplos em atividade econômica, circulação simbólica e coesão social. Enfim, não é gasto. É investimento estratégico.
O PNC foi instituído para garantir continuidade, planejamento e justiça cultural. Sem ele, a cada mudança de governo desmontaria o que o anterior construiu. Com ele, a cultura ganha estrutura perene, sistemas, conselhos, financiamento, metas e, sobretudo, reconhecimento público.
Museus, festivais, bibliotecas, arquivos, cinemas de rua, patrimônio material e imaterial, produção indígena, afro-brasileira, periférica, todos encontram no Plano Nacional de Cultura a moldura institucional que lhes assegura existência e permanência.
Mais do que política cultural, o PNC é política civilizatória. Porque onde a cultura floresce, o autoritarismo não prospera. Onde circulam livros, ideias, cores, sons e debates, a censura perde terreno. Onde há diversidade de expressões, o ódio não encontra lugar.
Todos os regimes que tentaram destruir a democracia começaram queimando livros, fechando centros culturais, silenciando artistas, perseguindo professores. Garantir o PNC é impedir que os fantasmas do obscurantismo voltem a rondar o Brasil.
Em um mundo de disputas pelo imaginário, das telas às redes sociais, dos idiomas às estéticas, apenas é soberano quem produz sua própria narrativa. Um país que não protege suas expressões simbólicas torna-se refém do olhar alheio, dependente do que os outros dizem quem ele é.
O Brasil, com sua pluralidade afro-indígena, sua música, que percorre continentes, sua literatura premiada mundo afora, sua cinematografia premiada em Hollywood, Cannes e Berlim, sua criatividade que reinventa o cotidiano, reune todas as condições para ser potência cultural global. O PNC é a política de Estado que transforma essa vocação em estratégia.
O Plano Nacional de Cultura planeja o Brasil que existe no imaginário e na vida dos brasileiros para o Sistema Nacional de Cultura executar: o Brasil que canta, dança, escreve, pinta, filma, reza, sonha e debate; o Brasil que compreende que cultura não é apenas espetáculo, mas coesão que sustenta a democracia e raiz da soberania.
Num país tantas vezes ameaçado por obscurantismos, o PNC é a afirmação de que a cultura, essa força que nenhum golpe silencia, é o que nos mantém de pé. E será, sempre, o que nos projeta para o futuro como nação democrática, soberana, próspera e justa.
(*) José Guimarães é Deputado Federal, PT/CE, é Líder do Governo na Câmara dos Deputados e vice-presidente do PT.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

